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portugal dos pequeninos

Um blog de João Gonçalves MENU

O "toque" Pinamonti

João Gonçalves 1 Nov 14

 

Tinha-me esquecido da pequena obra prima que é Werther, a ópera mais "pucciniana" de Jules Massenet. Vi-a pela primeira vez cantada por Alfredo Kraus que, anos a fio, tal como sucedia com Fausto de Charles Gounod, se "confundia" com o papel. Fora antecedido por Tomás Alcaide, Ferruccio Tagliavini e Albert Lance e houve Carlotas da estirpe de uma Rita Gorr ou de uma Viorica Cortez. Graças a Paolo Pinamonti, o São Carlos recuperou a produção de 2004 de Graham Vick presentemente em cena (repete dias 5 e 7). Vick transportou a trama - sem exageros e com uma extraordinária reinterpretação do patético representado pelos "sofrimentos do jovem Werther" (no título original de Goethe) que se "deseja" destruir e pela futilidade de Carlota - para os anos 50 do século XX. Cores, movimentos de cena e, sobretudo, os competentes trabalhos vocais dos solistas e a excelente prestação da Orquestra Sinfónica Portuguesa sob a batuta de Cristóbal Soler, director musical do Teatro Lírico Nacional de la Zarzuela de Madrid, honram a "tradição" do único teatro lírico português. Oxalá a mais valia que representa a consultadoria artística de Paolo Pinamonti não se estrague por causa das toleimas que, volta não volta, assolam o São Carlos por fora e por dentro.

 

Não me recordo de ter ido ao São Carlos nesta "temporada". Aliás, não me recordo de o São Carlos ter tido sequer uma "temporada". Ou desde quando, nos derradeiros tempos, teve ou deixou de ter uma "temporada" digna dessa designação. De repente, ocorrem-me duas ou três óperas em versão de concerto que vi anunciadas nos corredores do Metro,fruto da "consultadoria" de Paolo Pinamonti. Estamos em Julho e, enquanto lá fora as programações estão de há muito anunciadas e calendarizadas, aqui, no único teatro lírico português, nada. Nada a não ser concertos avulsos e uma coisa chamada "Festival ao Largo" que nunca frequentei. Ora o São Carlos não nasceu para isto e, decididamente, não cabe nem na propaganda palonça do Mercado da Ribeira, nem no impasse Barreto Xavier à Ajuda. Como escreveu Jorge Calado no Expresso (suplemento Actual), «houve um fogacho de esperança com a inteligente, bem sucedida e elencada programação de Paolo Pinamonti, mas agora tudo se esvai. A temporada 2014/2015, que devia ter sido anunciada há meses, continua no segredo dos deuses. Creio que é o único Teatro ocidental com programa por definir. Parece que não há dinheiro. Mas arranjou-se para o Festival ao Largo (FAL). Dizem-me que este financiamento é à parte (Opart?), mas quem dá para este peditório dificilmente abrirá novamente a bolsa para assegurar uma temporada decente. Entretanto, ressuscitam-se fantasmas do passado e esbanjam-se energias que deviam estar focadas no desenvolvimento - incluindo a atracção de apoio mecenático - de próxima temporada. Será que a Opart não percebe que um FAL e outras actividades extra e intramuros só fazem sentido como projecção de uma temporada regular e significativa? É o sexto FAL, mas o Teatro apresenta temporadas regulares de ópera desde 1946 - há 68 anos! É aqui que está o "bife" (pão), como diria o outro. O circo do FAL mereceu textos barrocamente empolados da parte dos responsáveis (que parece não saberem que Elisabete Matos cantou a "Tosca" no São Carlos em 2008). Não vi o mesmo empenho em relação à programação de Fevereiro a Junho. Quanto à ideia decantada de novos públicos, há estudos que mostram que não é assim que eles se formam. Quem apanha espectáculos de borla fica à espera de novos espectáculos à borla. Sim, serve para animar Lisboa à noite; já ém no Verão, a capital do barulho. Mas será essa a missão e função (principal) do Teatro? Há organismos autárquicos com essa vocação, e, se o presidente da CML se presta a todos os beija-mãos da brigada da cultura, então que pague extravagâncias como o FAL.»



«A temporada lírica concebida pelo ainda director artístico termina hoje, com a última récita de Rigoletto, e nada se sabe sobre o que o São Carlos irá apresentar até ao final do ano, ao contrário da CNB, que está programada até Dezembro. Se excluirmos o Festival ao Largo, que por hábito conta com a participação dos corpos artísticos do Opart e cuja realização foi confirmada ontem por Barreto Xavier, o teatro costuma fazer uma pausa na sua programação entre Julho e Setembro. "Não posso dizer nada sobre o que vai passar-se a seguir porque isso está nas mãos da Secretaria de Estado", acrescentou Villa-Lobos. (...) Villa-Lobos diz que neste momento há ainda um clima de indefinição em relação ao próximo ano porque não se conhece o orçamento rectificativo, que deverá ser divulgado até ao final deste mês. O Opart tem trabalhado com base na verba atribuída pelo Orçamento de Estado de 2012, aprovado em Dezembro - 15 milhões de euros (São Carlos e CNB) - e Villa-Lobos não concebe que este montante venha a descer com o rectificativo. "Não considero esse cenário porque não seria possível acomodar mais cortes no financiamento com esta estrutura." Apenas uma ínfima parte destes 15 milhões são para programação: quase um milhão de euros no São Carlos e metade na CNB (ao qual se juntam os 300 mil euros de mecenato da EDP). Para Villa-Lobos, os cortes são inconcebíveis, assim como o teatro vir a fechar a partir de Setembro, possibilidade avançada ao PÚBLICO por várias fontes, que preferiram o anonimato. "O teatro não vai fechar - isso é certo. Mas não sabemos se a sua actividade vai ser afectada." (...) Na entrevista ao PÚBLICO em Fevereiro, Barreto Xavier dizia que a programação de 2014 já estava a ser trabalhada, mas agora, e por email, garantiu apenas que o teatro não fechará em Setembro, sem adiantar uma data para a apresentação da temporada. »


Lucinda Canelas e Tiago Bartolomeu Costa, Público

A patine da Traviata

João Gonçalves 13 Abr 13

 

Segunda ópera dita "popular" de Verdi no São Carlos. Desta vez, La Traviata. Pelo mesmo palco passou, no papel titular, o melhor que havia então no mundo do teatro lírico. Caniglia, Tebaldi, Callas, Scotto, Sutherland ou, em 2002, Theodossiou. Com elas, também as melhores vozes masculinas: Gigli, Bechi, Poggi, Mascherini, Tagliabue, Kraus, Sereni, Vanzo, Zancanaro, Bergonzi. Foi a única vez, em 1958, que a Callas esteve em Lisboa. Em 1974, mais precisamente na noite de 24 para 25 de Abril, a dupla Sutherland-Kraus, no Coliseu, fazia "cair" a sala com aplausos. A Sutherland não chegou a partir no dia seguinte porque o aeroporto estava famosamente fechado. Em suma, La Traviata tem uma "história" ilustre entre nós. Gostei de encontrar o Medeiros Ferreira no intervalo, dos poucos da nossa praça, aberta justamente na madrugada da Traviata da Sutherland, com quem se aprende sempre. Homem de "conversas bilaterais", Medeiros está preocupado com o presente e o futuro de um país com, pelo menos, este extraordinário lastro verdiano. Na ópera, como na política, a patine conta.

 

Clip: Callas em La Traviata, São Carlos, 1958

Visto da plateia

João Gonçalves 11 Abr 13

 

Estreou ontem no São Carlos a breve saison dedicada ao chamado Verdi "popular". Começou com Il Trovatore, segue-se La Traviata e, em Maio, Rigoletto. Orquestra e coro em excelente forma, uma muito razoável "Leonora", uns pouco entusiasmantes "Conde de Luna" e "Manrico" e uma "Azucena" aos altos e baixos acabaram por produzir um resultado respeitável. A encenação de um libreto inverosímil, com uma música genial, exigiria outro pathos relativamente ao qual esta não está à altura. Assistiu o ministro da educação a quem porventura teria agradado mais um Macbeth ou um Otello.

Património

João Gonçalves 26 Jan 13

 

No Público, Cristina Fernandes pergunta se "o São Carlos ainda tem uma temporada". O ano passado o único teatro lírico português tinha um orçamento de cerca de 14,5 milhões de euros, dos quais 850 mil euros afectos à produção lírica propriamente dita e 500 mil ao bailado uma vez que a Companhia Nacional de Bailado foi "incorporada" no Teatro num dos muitos momentos desvairados da gestão Pires de Lima. Provavelmente em 2013 terá menos e, como desde há muitos anos, o grosso da verba destina-se a manter o "funcionamento"", ou seja, vencimentos e estrutura da casa propriamente dita. Imagino que existam dívidas básicas como, por exemplo, a bombeiros cuja presença em espectáculos é obrigatória. À semelhança do que sucede lá fora, seria importante (até para elas) que as nossas maiores empresas se associassem a sério ao Teatro de São Carlos por forma a que voltasse a ser a "sala de visitas de Portugal", sem a conotação salazarista do termo, de par com o que melhor se faz em qualquer parte do mundo . Foi-o, efectivamente, durante e depois da Segunda Guerra Mundial, quando os grandes teatros líricos europeus estavam encerrados. E assim continuou, entre maiores ou menores intermitências e infelicidades, com as direcções de Freitas Branco, João Paes, Serra Formigal, Ribeiro da Fonte, Ferreira de Castro e Pinamonti. No ano em que por todo o lado se comemora a obra de Verdi e de Wagner (e pelo palco do São Carlos passaram sempre os maiores intérpretes de ambos os mestres sob a direcção musical de grandes maestros), a coisa não pode ficar reduzida às chamadas três óperas populares do primeiro (Il Trovatore, Rigoletto e La Traviata) em regime caseirinho e de puro desenrascanço. Atingiu-se um inimaginável patamar em que está em causa, como escreve Cristina Fernandes, a "dignidade de uma instituição ímpar da cultura portuguesa". Se há 42 milhões de euros para pagar a indemnização compensatória da RTP, este ano, e outro tanto para a "reestruturar" em dois, como é que um património tangível  e intangível (que devia estar integrado nas redes internacionais operáticas) como o Teatro Nacional de São Carlos acede, a custo, a pouco mais do que um terço disso, impedindo-se de manter uma temporada digna desse nome? Ser cosmopolita e ter mundo também passa por saber responder a isto.

Enfim

João Gonçalves 13 Jul 12

Li no Público que o São Carlos mais a Companhia Nacional de Bailado (juntos naquele trambolho inventado pela dra. Pires de Lima e que se chama, ou chamava, OPART), têm, em 2012, um orçamento de 14,5 milhões de euros dos quais apenas 850 mil euros servem a programação propriamente dita do Teatro lírico e 500 mil a da Companhia. O resto, pelos vistos, é "funcionamento". Em dez anos, sensivelmente, tantos quantos os que passaram sobre a minha curta estadia na direcção do Teatro, pelos vistos pouca coisa mudou. Até a Parpública - que já devia estar extinta há séculos - continua a cobrar a sua rendinha anual de 175 mil euros pelo Teatro Camões como se os equipamentos culturais em causa não fossem todos públicos. Enfim.

MATOS EM SÃO CARLOS

João Gonçalves 1 Jan 12



Auspiciosa a abertura do São Carlos em 2012. O "concerto de ano novo" demonstrou, uma vez mais, a qualidade dos corpos artístico-musicais do Teatro, a saber, a Orquestra Sinfónica Portuguesa (com uma saudação muito especial para a Irene Lima) e o Coro. E confirmou a Matos como uma grande intérprete mundial. Estão de parabéns o João Villa-Lobos e o César Viana enquanto responsáveis pela gestão da casa em tempos difíceis.

O DR. SERRA

João Gonçalves 11 Dez 11




Morreu o dr. José Manuel Serra Formigal, ilustre advogado da nossa praça, que foi director do Teatro Nacional de São Carlos na década de 80. Também o foi no Trindade e fundou a Companhia Portuguesa de Ópera estupidamente extinta a troco de nada. Eu costumo dizer que o dr. Serra foi o derradeiro director a sério do São Carlos (Paolo Pinamonti foi sobretudo um director artístico). Antes dele, só o célebre dr. José de Figueiredo que reportava directamente a Salazar. Nesses saudosos anos oitenta, Formigal trouxe a Portugal alguns dos melhores intérpretes mundiais do canto lírico (como Paes, Freitas Branco e o dito Figueiredo antes dele) que cantavam no São Carlos e no Coliseu. Depois o São Carlos "modernizou-se", chegou a "fundação" (o maior desastre da sua história contemporânea) e começou a comprar produções por atacado. O tempo das grandes vedetas tinha passado definitivamente e, agora, é raro encontrarmos por cá grandes nomes da ópera dos nossos dias. As produções são qualitativamente desiguais e o público a mesma coisa, a tender para o musicalmente indiferente e sem pingo de gosto . Era a altura em que se aguentava de pé récitas inteiras, em que havia pateadas e onde, numa greve, o próprio Formigal "dirigia" o coro ou abria e fechava o pano de cena. Tinha vinte e poucos anos e via tudo, desde os ensaios gerais às récitas todas. A última vez que o encontrei, muito abatido mas ainda com aquele olhar vivo, irónico e penetrante que o caracterizava, foi na Gulbenkian onde foi assistir a uma das transmissões directas de ópera a partir de Nova Iorque. Espero que o São Carlos saiba homenagear oportunamente um dos seus maiores amigos de sempre e alguém a quem muito deve. O dr. Serra fazia parte da minha paisagem. Era um senhor num mundo em que os da sua espécie rareiam enquanto os chicos-espertos avançam. Até sempre, dr. Serra.

Clip: Alfredo Kraus - e Mirella Freni - em Faust, de Gounod. Em Fevereiro de 1982, Serra Formigal trouxe Kraus ao São Carlos para protagonizar esta ópera. As outras récitas ficaram a cargo do nosso Carlos Jorge. Já desapareceram os três. Uma tristeza.

A ISABEL DA ELISABETE

João Gonçalves 8 Out 11




Don Carlos, de Verdi, a sua obra porventura mais "negra" e mais "política", regressa ao São Carlos. A última vez que lá passou foi em 1977 e no papel de Isabel de Valois estava Mara Zampieri. Agora está a Matos, a Elisabete Matos, que por circunstâncias várias vive lá fora e ombreia com qualquer das melhores intérpretes líricas do momento. Dos restantes intérpretes, da encenação ou da direcção musical pouco sei mas a Matos consola-me. Vamos ver.

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