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"Os tempos são ligeiros e nós pesados porque nos sobram recordações". Agustina Bessa-Luís
João Gonçalves 9 Abr 13
Consegui finalmente reunir todos os volumes dos "discursos e notas políticas" do Doutor Oliveira Salazar. São notáveis peças de oratória política, muito inspiradas pela pena de Vieira (que Salazar tinha sempre no gabinete), e que revelam, acima de tudo, um acrisolado afecto à língua portuguesa. Até António José Saraiva dedicou um artigo a estas muito peculiares prosas da literatura política doméstica do século XX. Antes de se afirmar como Presidente do Conselho, em 1932, Salazar famosamente ocupou a pasta das finanças. A 28 de Abril de 1928 tomava posse na sala do então Conselho de Estado (a do Risco) e proferiu uma alocução que o celebraria praticamente até ao acidente da cadeira no Estoril quarenta anos depois. Aí explicou o seu "método de trabalho". «Reduziu-se aos quatro pontos seguintes: que cada Ministério se compromete a limitar e a organizar os seus serviços dentro da verba global que lhes seja atribuída pelo Ministério das Finanças; que as medidas tomadas pelos vários Ministérios, com repercussão directa nas receitas ou despesas do Estado, serão previamente discutidas e ajustadas com o Ministério das Finanças; que o Ministério das Finanças pode opor o seu «veto» a todos os aumentos de despesa corrente ou ordinária, e às despesas de fomento para que se não realizem as operações de crédito indispensáveis; que o Ministério das Finanças se compromete a colaborar com os diferentes Ministérios nas medidas relativas a reduções de despesas ou arrecadação de receitas, para que se possam organizar, tanto quanto possível, segundo critérios uniformes.» Mais adiante diria que «pouco mesmo se conseguiria se o País não estivesse disposto a todos os sacrifícios necessários e a acompanhar-me com confiança na minha inteligência e na minha honestidade – confiança absoluta mas serena, calma, sem entusiasmos exagerados nem desânimos depressivos.» Como? Salazar clarificava a coisa mais com a eloquência política do panfletário calculista do CADC do que como o "mago" das contas de somar e subtrair. «Eu o elucidarei [ao país] sobre o caminho que penso trilhar, sobre os motivos e a significação de tudo que não seja claro de si próprio; ele terá sempre ao seu dispor todos os elementos necessários ao juízo da situação. Sei muito bem o que quero e para onde vou, mas não se me exija que chegue ao fim em poucos meses. No mais, que o País estude, represente, reclame, discuta, mas que obedeça quando se chegar à altura de mandar.» Cerca de três anos após este discurso chegou "a altura de mandar" como Presidente do Conselho (de Ministros), isto é, absolutamente. Terminava aí a Ditadura Militar e começava o Estado Novo. O resto é conhecido.
João Gonçalves 20 Dez 12

João Gonçalves 22 Abr 11

João Gonçalves 9 Set 10
João Gonçalves 29 Ago 10

João Gonçalves 27 Jul 10

Salazar foi ditador de um país rural e pobre. E nas características deste país esteve sempre a maneira mais fácil de o despachar historicamente. Eduardo Lourenço, num texto da década de 1960, chamou-lhe “camponês letrado”. De facto, quem melhor do que o filho de “pobres” de Santa Comba Dão, ex-seminarista com sotaque provinciano, que quase não viajou para fora do país, que escrevia como um frade do século XVIII e levava a vida de um pároco rural do século XIX, com governanta, quintal e galinheiro -- quem melhor do que ele para corporizar o “atraso” e carregar a respectiva culpa?
O problema está em que, se quisermos ser exactos, teremos de admitir que foi precisamente com Salazar que Portugal começou a ser menos pobre, menos analfabeto e mais europeu. É verdade que mesmo alguns salazaristas se mostraram impacientes com a sua obsessão financeira. No entanto, os seus orçamentos equilibrados e inflação baixa, se adiaram gratificações, pouparam os portugueses às crises fiscais e da balança de pagamentos que, antes dele e depois dele, destruíram riqueza e frustraram expectativas. A partir da década de 1950 e até 1974, Portugal conheceu as taxas de crescimento mais altas da sua história. A estrutura da economia portuguesa mudou. E não, Salazar não tratou apenas de conter as reivindicações dos empregados e favorecer alguns empresários. Foram os seus governos que estabeleceram os primeiros sistemas de protecção social efectivos e que conseguiram escolarizar pela primeira vez uma geração inteira.
O Estado Social em Portugal foi salazarista antes de ser democrático. Tal como a integração atlântica e europeia, começada com as adesões à OECE (1948), à NATO (1949) e à EFTA (1960). Sem estes sucessos, Salazar não teria durado. Para muitos, o salazarismo viabilizara uma transformação económica e social que outros regimes tinham proposto, mas falhado. É isso que Salazar significa -- Um instrumento brutal de modernização? Mas é um erro reduzi-lo a um fenómeno sócio-económico.

Mas não nos devemos enganar. A ditadura de que Salazar esteve à frente desde 1932, quando assumiu a chefia do Governo, foi mesmo uma ditadura, com censura, tortura nas prisões, penas indefinidas e discriminações políticas. Pareceu “moderada”, porque, como explicou Manuel de Lucena, era meticulosamente “preventiva”. Todos em Portugal estavam à mercê do poder, sem real protecção jurídica. Num país pequeno e pobre, com um Estado centralizado e dirigista e uma sociedade civil fraca, não era difícil fomentar o respeito pelos “poderes constituídos”. Salazar não se propôs fundar, como outros ditadores, uma sociedade racialmente pura ou sem classes. Pôde assim aproveitar o efeito disciplinador das hierarquias estabelecidas. Aos eventuais revolucionários, faltou sempre as habituais massas de manobra: nem grandes populações operárias, nem camponeses sedentos de terras.

A última impressão que deixou, a do velho de 1968, faz esquecer a primeira impressão, que explica o seu sucesso: a do jovem de 1928, o professor universitário de 39 anos, disciplinado, trabalhador, realista, que não se parecia com ninguém na classe política. Muito magro, com uma voz ciciada, o ministro das finanças não era uma figura imponente, mas fez embasbacar toda a gente com o orçamento sem défice e a moeda estável. Os portugueses votaram com o dinheiro: na década de 1930, voltaram a pô-lo no país, donde o estavam a tirar desde 1910.
Salazar propôs-se “baixar a febre politica”, ensinar os portugueses a “viver habitualmente”. O seu poder assentou na garantia que, com ele, o governo nunca tomaria opções que compelissem todo um sector dos que apoiavam a ditadura a passar à oposição. O cepticismo que o impedia de acreditar nas piedades progressistas, também o coibia de fantasiar a possibilidade de restaurações de qualquer passado. Não haveria domínio da esquerda, nem da direita, mas um equilíbrio flutuante. Teve assim geralmente a seu favor, o presidente da república, o general Carmona, isto é, a hierarquia das forças armadas. Com a guerra civil de Espanha ao lado e depois a II Guerra Mundial em todo o continente, muitos portugueses apreciaram esta paz salazarista
E a liberdade? Não havia saudade de partidos, de eleições, de imprensa sem censura? Acontece que como Salazar explicou num discurso de 18 de Maio de 1945, “antes de nós e por dezenas de anos --- reconhecemo-lo com tristeza – as ditaduras foram a forma corrente da vida política e vimo-las alternar-se ou suceder-se quase ininterruptamente, sob formas diversas”. Em 1945, Salazar podia confiar em que os seus ouvintes se lembrassem do tempo em que, embora houvesse vários partidos, a rotação no poder só podia ser efectuada pelo Chefe de Estado (como no tempo da monarquia constitucional, antes de 1910) ou em que as oposições eram violentamente perseguidas (como durante o domínio do Partido Republicano, depois de 1910). Nunca, antes de 1926, as eleições, envolvendo apenas eleitorados restritos e tutelados, haviam sido consideradas genuínas ou livres. Ou seja, a separação entre o Estado Novo e os regimes seus antecessores não tinha a clareza da separação entre o Estado Novo e a actual democracia.
E havia, para a elite portuguesa, coisas mais importantes do que a liberdade. Ezequiel de Campos, deputado republicano e colaborador da Seara Nova, foi outro dos que se juntou a Salazar. Um dia, confessou ao seu amigo João Sarmento Pimentel, exilado, que sacrificara a sua “ideia de liberdade” para realizar os seus projectos de desenvolvimento. Salazar insistiu em apelar a “todos os homens, independentemente da sua origem e categoria, do seu credo religioso, de suas preferências de regime, de suas antigas filiações partidárias, para um trabalho de conjunto a bem da Nação”. Para dar cobertura a essa colaboração, o regime dispensou outras profissões de fé que não o “repúdio do comunismo” e apropriou-se eficazmente da cultura do patriotismo moderno desenvolvida por liberais e republicanos no século XIX. Utilizou a prioridade que todos atribuíam à tarefa de inverter o processo de suposta “decadência” nacional para pedir que o julgassem pelos resultados, não pelos meios. A cultura política das elites portuguesas, para quem a liberdade se tornara secundária em relação ao desenvolvimento, estava desarmada de argumentos, tanto à direita como à esquerda, perante uma ditadura bem sucedida. Significativamente, os momentos de maior contestação e incerteza do regime coincidiram com dificuldades financeiras, quando pareceu incapaz de proporcionar a prosperidade que prometia (em 1945-1949, por exemplo).

Entre 1928 e 1968, o poder de Salazar não foi sempre o mesmo, nem o pessoal que o rodeou. Mas o salazarismo conseguiu parecer, em vários épocas, simplesmente a organização das elites sociais e intelectuais portuguesas – baseadas numa administração autocrática e centralizada, secundada pela Igreja e pelas Forças Armadas, e na subalternização política da população, já praticada por todos os regimes anteriores – para administrar e desenvolver o país. É verdade que a decisão do regime se manter pela força fazia dele a via única para quem queria exercer influência ou fazer carreira. Mas contou também a habilidade de Salazar. Soube usar as máximas da Antiguidade clássica: o tirano podia ser suportável se desse ideia de que não dominava para interesse pessoal. O “bom tirano” era, em primeiro lugar, um tirano sobre si próprio. E foi assim que Salazar se apresentou – sacrificado ao bem público, privado de ócios, de prazeres, de liberdade ... Nunca ninguém contestou a sua honestidade pessoal. Ouvia muita gente. Fez do “equilíbrio de correntes” um princípio fundamental. Evitou sempre definir-se claramente em relação às questões que sabia serem fracturantes (por exemplo, a forma do regime).


E o tempo começava a não lhe perdoar. A 12 de Junho de 1968, “muito pálido, esmorecido”, Salazar repetiu num conselho de ministros a exposição que fizera no do dia anterior. Nenhum dos ministros lhe chamou a atenção. Tinha então 79 anos de vida e 40 de poder. Queixava-se já muitas vezes. Em Abril de 1966, desabafara com Franco Nogueira: “Estou perdendo faculdades. Não posso trabalhar como dantes. Já não acompanho os ministérios, e os ministros fazem o que querem”. No país, a transformação económica e social, de que o regime precisou para se legitimar, fazia desaparecer a velha sociedade rural e hierarquizada. Uma população escolar em expansão (o número de estudantes universitários duplicou então) protagonizou uma ruptura geracional de valores. O Vaticano II minou o clero mais conservador. Em 1970, 75% da população tinha nascido depois da subida de Salazar ao poder: a comparação que para essa gente tinha sentido não era com os regimes anteriores, mas com outros regimes europeus. O crescimento da inflação, depois de 1965, prenunciou desequilíbrios. Tudo começava a precisar de ser refundado, como Marcelo Caetano tentou fazer depois de 1968.
Numa quinta-feira de céu cinzento, a 25 de Abril de 1974, tudo foi derrubado como um cenário de papelão. Nenhum movimento político importante reivindicou, desde então, as ideias de Salazar. Em 2007, a sua vitória num concurso televisivo foi mais um sinal de iconoclastia, contra o velho antifascismo oficial, do que de saudosismo. Valem-lhe os antifascistas para o conservar ameaçadoramente “vivo”. Terá ele imaginado este fiasco final? Nos seus últimos anos de vida, entre 1968 e 1970, não lhe disseram que fora substituído no governo, mas, como notou Adriano Moreira, ele também não perguntou. Nunca quis saber o resto da história.

João Gonçalves 27 Jul 10

João Gonçalves 27 Jul 10
João Gonçalves 26 Jul 10
João Gonçalves 25 Jul 10

Primeiro tem de me explicar o que é isso do “desta...
obviamente nao é culpa do autor ter sido escolhi...
Estou de acordo. Há questões em que cada macaco se...
Fui soldado PE 2 turno de 1986, estive na recruta ...
Então António de Araújo foi afastado do Expresso p...