Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]

portugal dos pequeninos

Um blog de João Gonçalves MENU

Ubaldo para todos os dias (1941-2014)

João Gonçalves 18 Jul 14

 

«Explicar que sou um grande homem e não digo que sou uma grande mulher pela mesma razão por que não existe onço, só onça, nem foco, só foca, tudo isso é um bobajol de quem não tem o que fazer ou fica preso a idiossincrasias da língua, como aquelas cretinas feministas americanas que queriam mudar history para herstory, como se o his do começo da palavra fosse a mesma coisa que um pronome possessivo do gênero masculino, a imbecilidade humana não tem limites. Sou um grande homem fêmea, da mesma forma que os grandes homens machos são grandes homens machos, fica-se catando picuinha porque o nome da espécie é por acaso masculino e não neutro, como é possível que seja em alguma outra língua, como se a gramática resolvesse alguma coisa nesse caso. Explicar isso, não existem grandes homens e grandes mulheres, existem grandes homens machos e grandes homens fêmeas. Não há nada mais ridículo do que galeria de grandes mulheres isso e aquilo, fico morta de vergonha. A espécie é humana, como Panthera uncius, Panthera leo, um onça, no feminino por acaso, outro leão, no masculino por acaso, questão de língua, exclusivamente. Explicar isso como quem explica a um marciano. A um terráqueo. Escuta aqui, terráqueo, deixa de ser débil mental.»

A ascensão da insignificância

João Gonçalves 9 Abr 12

«Os escrevedores que me perdoem mas talento é fundamental. É preciso que haja um barco bêbedo, um erro de gramática, uma mulher de quem se possa dizer: Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis (ou então que a mão confesse com lucidez etílica: no se puede vivir sin amor). É preciso que o sentimento não se dirija ao coração mole das pessoas sensíveis que não são capazes/ de matar galinhas... É preciso lembrar Wilde: “A sentimentalist is simply one who desires to have the luxury of an emotion without paying for it”. É preciso que o artificio não mate o pacto narrativo e que o lirismo não desculpe os “cagalhões líricos que por aí andam, passeiam e triunfam”. Talento é fundamental (não confundir a sordidez de Celine com a vulgaridade de Houellebecq). Mundo é fundamental (não confundir ter mundo com descargas confessionais). Imaginação, precisa-se. Distanciamento, exige-se. Oficina, idem mas sem oferta de garantia (“o estilo é uma dificuldade de expressão”). Quanto ao que faz a coisa literária, permanece um “je ne sais quoi” cuja receita é tão ou mais secreta do que a dos pasteis de Belém. O maior mistério, contudo, é escrever-se “valter hugo mãe” no Google e em poucos segundos surgirem 468 mil referências e fazer o mesmo para Herberto Helder e não se ir além das 77 700. Lê-se a poética do primeiro (“… algo em ti me puxa/ sempre ao sentimento, mesmo antes de/ te conhecer, lembras-te, uma propensão para/ te tratar bem, cuidar, vulnerabilizar os meus/ modos…”), depois o segundo (“Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra/ e seu arbusto de sangue. Com ela/ encantarei a noite…”) e só Camões nos impede de cortar os pulsos: UM MILHÃO E VINTE MIL entradas.»

 

Ana Cristina Leonardo, Meditação na Pastelaria

GENET OU CANTO FÚNEBRE DO AMOR

João Gonçalves 19 Dez 10


No suplemento "cultural" do Expresso, em língua brasileira, um cronista recorda os cem anos do nascimento de Jean Genet, a 19 de Dezembro de 1910. O autor de Diário de um ladrão teve uma vida complicada que os seus livros - quase todos autobiográficos, mesmo os versos - retratam cruelmente. Genet não se poupou no "realismo" das metáforas literárias e acabou produzindo das mais poderosas páginas da literatura francesa do século XX. Apesar de "maldito", marginal e "escandaloso", foi publicado pela prestigiada Gallimard/NRF, tendo Jean-Paul Sartre "apadrinhado" a edição das suas obras completas com o monumental e famoso "prefácio", Saint Genet, Comédien et Martyr, das melhores coisas que jamais escreveria até sobre si próprio. Nos anos setenta, dedicou-se a causas que parvamente se chamam agora de "fracturantes", nos EUA, em França e noutros sítios, como os "Panteras Negras" ou a "causa palestiniana" talvez atraído, dizem os que receiam nomeá-la, pela beleza física dos negros e dos árabes. No segundo volume das memórias do escritor espanhol Juan Goytisolo (En los reinos de Taifa) há umas quantas páginas dedicadas a Jean Genet que vale a pena ler, bem como a biografia de Edmund White (Genet, a biography), a única coisa de jeito que deu à estampa. Ao contrário de Rimbaud, Genet, par delicatesse, não "perdeu a vida". Pelo contrário, era um verdadeiro "condenado à morte", título de poesia sua, porventura uma intuição certeira para o que são, de facto, poetas e escritores. Didier Eribon escreveu, a meu ver, o melhor ensaio possível sobre Genet para os dias de hoje (Une morale du minoritaire - variations sur um thème de Jean Genet, de 2001) em que uma hagiografia literata gay - as mais das vezes cretina, analfabeta e maricas - domina, contaminando os chamados estudos universitários de "género" em boa hora desmontados pela insuspeita Camille Paglia. Genet provavelmente tê-los-ia desprezado como eles merecem porque foi sempre da crueldade - afectiva e sexual - que falou e não de uma qualquer pretensa beatitude associada ao "amor", um "sentimento" que não existe a não ser na mariquice desses literatos, independentemente do mais ou menos hetero ou homo que são ou julgam ser. Talvez, aliás, Pompas Fúnebres seja o verdadeiro nome do amor, o Canto dele de Genet.

Foto: Richard Avedon

A REPRESENTAÇÃO FALACIOSA DA VIDA

João Gonçalves 9 Dez 10



«Seríamos piores do que somos sem os bons livros que lemos, mais conformistas, menos inquietos e insubmissos e o espírito crítico, motor do progresso, nem sequer existiria. Tal como escrever, ler equivale a protestar contra as insuficiências da vida. Quem procura na ficção aquilo que não possui, afirma, sem necessidade de o afirmar ou sequer de o saber, que a vida tal como é não chega para preencher a nossa sede de absoluto, fundamento da condição humana que deveria ser melhor do que aquilo que é. Inventamos as ficções para podermos viver de alguma forma as muitas vidas que gostaríamos de ter tido quando apenas dispomos de uma (...). A literatura cria uma fraternidade na diversidade humana e elimina as fronteiras que a ignorância, as ideologias, as religiões, os idiomas e a estupidez criam entre homens e mulheres (...). A literatura é uma representação falaciosa da vida que, todavia, nos ajuda a entendê-la melhor, a orientarmo-nos através do labirinto em que nascemos, percorremos e no qual morremos. Ela redime-nos dos reveses e das frustrações que nos inflige a verdadeira vida e, graças a ela, conseguimos decifrar, pelo menos parcialmente, o hieróglifo que costuma ser a existência para a maioria dos seres humanos, principalmente para aqueles de nós que alimentamos mais dúvidas do que certezas e que confessamos a nossa perplexidade perante temas como a transcendência, o destino individual e colectivo, a alma, o sentido ou o sem sentido da história, o que está aquém ou para além do conhecimento racional.»

Vargas Llosa, Estocolmo,
7.12.10

GRANDES ENTREVISTAS

João Gonçalves 29 Jul 10






Agora que está na moda apresentar "grandes entrevistas" diárias com a pequenina gente caseira - e quase sempre a mesma gente basbaque, por sinal - atente-se na sagacidade irónica deste extraordinário escritor. Para quem confunde escritores com palermas que se imaginam escritores, a altíssima exigência intelectual de Céline não serve. É, tipicamente, outra coisa.

O ÓDIO À IMAGINAÇÃO

João Gonçalves 14 Jul 10



O analfabetismo literário traduzido neste post é revelador dos lugares-comuns que vagueiam na cabeça de muito pobre monárquico português. Donatien Alphonse François, mais conhecido por Marquês de Sade, passou a maior parte da vida atrás de grades, vítima da inveja do costume, de inimigos pessoais e de ódios políticos. "Morou" anos a fio na Bastilha, onde, aliás, se encontrava encarcerado (e não "enjaulado" como sugere o subtil autor do post) na data que hoje se comemora em França. Dias antes do "prec" local invadir a prisão, Donatien lançou da janela da Bastilha uns panfletos escritos à mão onde descrevia as degradantes condições a que estava sujeito. Depois dirigiu-se à multidão recorrendo a uma espécie de megafone artesanal. Após ter sido solto, escolheram-no como "presidente" da respectiva "junta de freguesia", dando início a uma campanha anti-religiosa que ajudou a radicalizar a Revolução. Todavia, opôs-se ao "Terror". Quando os seus sogros, responsáveis por muitos dos anos que passou na prisão, foram condenados à morte como contra-revolucionários, Donatien impediu a sua execução. Esta fraqueza custou-lhe, de novo, a liberdade. A jacobinagem mais boçal prendeu-o - era um perigoso "moderado" - e condenou-o à pena máxima. Esperou um ano pela guilhotina. Entretanto acabou libertado com o fim do "Terror" e, daí em diante, viveu na mais horrível das pobrezas. Quando veio Napoleão, Sade não resistiu a escrever uma sátira sobre o corso. Novo azar. Foi condenado a passar o resto da vida num asilo para doentes mentais. D. A. F. de Sade é um grande escritor em qualquer parte ou tempo do mundo. Tout le bonheur des hommes est dans l'imagination, dizia. Tudo o que a maior parte das pessoas, tipicamente, não tem.

TENTATIVA E ERRO

João Gonçalves 14 Jul 10


«Getting people right is not what living is all about anyway. It's getting them wrong that is living, getting them wrong and wrong and wrong and then, on careful reconsideration, getting them wrong again. That's how we know we're alive: we're wrong. Maybe the best thing would be to forget being right or wrong about people and just go along for the ride. But if you can do that - well, lucky you.»

Philip Roth, American Pastoral (via Rui Passos Rocha, A Douta Ignorância)

QUEM PODE ADIVINHAR A ETERNIDADE?

João Gonçalves 20 Jun 10


«Somos fracos juízes do nosso tempo, sobretudo quando pretendemos adivinhar a eternidade no pedaço de história em que nos coube viver. (...) No início do século XXI, o panorama literário de Portugal é dominado por duas figuras quase intangíveis, tão longe se estende o seu prestígio nacional e internacional. José Saramago e António Lobo Antunes são as incontestadas eminências das nossas letras contemporâneas, os autores mais vendidos, os mais autopsiados pela academia, os mais consagrados pela crítica. Não se vê ninguém que lhes denigra o mérito nem alguém que lhes pise o manto da preponderância.»

José Navarro de Andrade, É tudo gente morta

O QUE VALE...

João Gonçalves 19 Jun 10

Um prémio Nobel da literatura? E «o que unirá estes (...) escritores? Leo Tolstoy; Fernando Pessoa; Jorge Luís Borges; [Thomas Mann]; Marguerite Duras; James Joyce; Iris Murdoch; Salman Rushdie; Ian McEwan; Jorge Amado; Rafael Alberti; Mario Vargas Llosa; Andrè Malraux; Marcel Proust; Ezra Pound; Vladimir Nabokov; August Strindberg; Henrik Ibsen; Émile Zola; Mark Twain; Anton Chekhov; Eugène Ionesco. Nenhum deles conseguiu ganhar o Prémio Nobel.»

Pesquisar

Pesquisar no Blog

Últimos comentários

  • João Gonçalves

    Primeiro tem de me explicar o que é isso do “desta...

  • s o s

    obviamente nao é culpa do autor ter sido escolhi...

  • Anónimo

    Estou de acordo. Há questões em que cada macaco se...

  • Felgueiras

    Fui soldado PE 2 turno de 1986, estive na recruta ...

  • Octávio dos Santos

    Então António de Araújo foi afastado do Expresso p...

Os livros

Sobre o autor

foto do autor