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portugal dos pequeninos

Um blog de João Gonçalves MENU

A responsabilidade de falar

João Gonçalves 4 Fev 15

 

Numa outra ocasião escrevi que Sócrates, ao "falar", acaba por prestar um serviço ao universo daqueles que não pensam que o "dever ser" do direito processual penal se destina, a final, a produzir uma sociedade "moralmente" pura onde só haja lugar para os "honestos" definidos a partir do "apuramento" desse importante ramo do direito das liberdades. Mais. Talvez Sócrates, o antigo agente político, tenha mesmo um "dever de falar", a responsabilidade de falar. Foi legislador e executante de legislação ao contrário dos restantes cidadãos que, neste momento, estão também sujeitos a medidas de coacção. Nesta parte não comete, até porque ele inexiste, qualquer delito de opinião. Permite, aliás, que se debata o "estado da arte" do procedimento processsual penal em Portugal quando o falacioso "segredo de justiça" anda todos os dias, e em letra de forma, pelos becos da amargura. Começo a pensar que o melhor é acabar, de jure e de facto, com ele.  E acompanho João Lisboeta Araújo: «Aquilo de que me queixo não é das notícias. É do facto de serem tendenciosas e mal informadas. Normalmente com desprezo pela verdade, porque não são factuais, são opinativas. O caso justifica ser amplamente divulgado, o problema é que as notícias visam a destruição, a degradação de uma pessoa e isso aborrece-me. Muito do que foi dito é crime mas eu agora não tenho tempo de me ocupar disso. A seu tempo... Talvez seja pela minha idade, mas fui educado por um outro código, que já não vigora. Que código? O de que não se bate numa pessoa que está caída, não se goza com um preso, não se brinca com um doente, não se ri de um soldado coxo na formatura. Foi o que aprendi. Mas o que assisto é a um bacanal contra uma pessoa que está presa e não se pode defender. Está sujeito a toda a maledicência, à fantasia, a falsidades e algumas coisas verdadeiras, mas não tem possibilidade de se defender. Acha que na hierarquia do Departamento Central de Investigação e Acção Penal tem havido conivência com a violação do segredo de justiça? A violação do segredo de Justiça é um crime. Como é ao Ministério Público que compete perseguir os criminosos e eu não tenho visto grande sucesso nisso, não digo que haja um conivência, mas há, pelo menos, uma tolerância evidente. Esses factos são criminosos…»

 

Durante o consulado "socrático" - no qual muitos se colocaram em bicos dos pés para ultrapassar o próprio Sócrates e "mostrar serviço" - várias vezes levantei aqui (e no livro homónimo) questões relacionadas com a liberdade de expressão. Perdi amizades que, a dada altura, decidiram ser complacentes com o absolutismo democrático que então se manifestava nos mais variados níveis. Critiquei sem temores reverenciais essas derivas absolutistas. E pugnei pela substituição democrática de Sócrates em 2009 e em 2011. Por tudo isso, e por profunda convicção, considero deplorável a decisão administrativa de impedir José Sócrates, em concreto, de conceder entrevistas. A posição do director-geral dos serviços prisionais baseou-se, segundo o seu comunicado, num parecer por ele pedido ao Tribunal Central de Instrução Criminal e ao Ministério Público. Não consta, porém, que tivesse feito "subir" a solicitação do arguido à ministra da justiça para esta se pronunciar enquanto tutela dos serviços prisionais e de reinserção social. A medida de coacção "prisão preventiva" terá subjacente alguma estatuição não escrita que, para além da privação da liberdade física do arguido, proíba a liberdade de expressão e a constitua indirectamente em potencial delito de opinião? E, mesmo que assim fosse, a justiça não teria meios para reagir se o uso dessa liberdade de expressão violasse o chamado "segredo de justiça" apesar de, no caso em apreço, ser reiteradamente violado sem punição ou vergonha? Há dias, numa sentença de 1ª instância que cominou 10 anos de prisão, foi escrito que a opinião pública não compreenderia que a pena determinada para aquele réu não fosse tão dura como a efectivamente aplicada. No dia em que o senso comum, a opinião pública e a opinião que se publica fizerem parte da previsão da norma penal e processual penal, mesmo sem lá estarem, o Estado de Direito fica em causa. Se o Estado de Direito não pode ser capturado pelos "poderosos", sejam eles o que forem, também o não pode ser pela "visão do mundo e de si próprios dos magistrados que decidem" (a expressão é de Francisco Teixeira da Mota no livro A liberdade de expressão em tribunal, FFMS, 2013). 

A nova ecologia

João Gonçalves 17 Fev 14

 

O Pedro Santana Lopes já estará esquecido da "nova esperança" dos idos de 80, do tempo em que o PSD era vivo? Ou do que o seu muito justamente idolatrado Sá Carneiro dizia da "casa" antes do famoso congresso do "Cinema Roma"? Ou das cartinhas do prof. Cavaco ao então líder e 1º ministro Balsemão, normalmente enviadas politicamente via "nova esperança"? Ou do entra e sai libérrimo de pessoas como o próprio Sá Carneiro, Mota Pinto ou o actual MNE Machete? Que "ecologia" quer PSL para o PSD? A da Coreia do Norte?

"Negros" hábitos

João Gonçalves 12 Fev 14

 

Mais ou menos na mesma altura em que se soube da expulsão de António Capucho do PSD (e de mais umas boas centenas de militantes por causa das autárquicas de Setembro), o parlamento, por unanimidade em comissão, decidiu adequadamente não discutir uma petição com cerca 180 mil assinaturas que visava remover José Sócrates do comentarismo político na RTP. É lamentável que, quarenta anos após o "25 de Abril", se continue a "valorizar" a opinião alheia como "delito de opinião" e que, no caso de Sócrates, quase duzentas mil pessoas achem normal limitar a liberdade de expressão. Em ambos os casos, estou à vontade. A eminência parda que Capucho supõe representar nunca me foi particularmente cara e presumo ser insuspeito de "socratismo". O "ponto" é diverso e mais preocupante. Em cada português, "militante" seja do que for, subsiste um lastro consciente ou inconsciente de uma Inquisição que fomos oficialmente dos últimos a extinguir já em pleno século XIX. E um bocadinho de inveja freudiano-policial, à mistura com uma pavorosa iliteracia instintual, que encontra ainda hoje farto eco no anonimato, na bufaria e no receio doentio do outro. Para além do mau gosto, perpetuar estes "negros" hábitos prova que ainda estamos longe de ser, se alguma vez lá chegarmos, uma democracia adulta.

Nem tudo foi mau

João Gonçalves 6 Fev 14

O uso da capa de um exemplar do DN indispôs a detentora do jornal com a editora do livro. Independentemente disso, a resolver porventura em outra sede, o conteúdo deste decerto contribuirá para tentar perceber o denominado PREC e o papel conspícuo de algumas pessoas "conhecidas", por exemplo, por mais "nóbeis" motivos. Muito antes do PREC, todavia, o tradutor e editor José Saramago prestou bons serviços à cultura portuguesa como Jorge de Sena atesta em carteio vário da época. Falta, pois, publicar, também em livro, a correspondência Sena-Saramago. Nem tudo foi mau.

A via espanhola do dr. Portas

João Gonçalves 1 Fev 14

O senhor vice PM foi produzir um auto-elogio numa coisa do PP do sr. Rajoy. Em espanhol, e em português entremeado com espanhol, o dr. Portas abundou no nosso alegado "milagre" desta vez sem referir o glorioso ano de 1640. Na primeira fila, Rajoy aplaudia e acenava com a cabeça. A mesma que ajudou a "derrubar" o director do jornal El Mundo. O antigo jornalista Paulo Portas devia escolher melhor as suas companhias para arengar.

O país do respeitinho

João Gonçalves 27 Ago 13

Num dos seus "jornais das 9", da sicn (o único que é verdadeiramente iconoclasta e liberto da síndrome da "redacção única" mesmo quando não temos de concordar com  tudo), Mário Crespo falou com o advogado Francisco Teixeira da Mota a propósito do seu livrinho A Liberdade de Expressão em Tribunal. Li-o num ápice. Os nossos tribunais superiores, em matéria de liberdade de expressão e de informação, e salvo honrosas excepções, têm produzido acórdãos que, as mais das vezes, pura e simplesmente ignoram que há uma coisa chamada Convenção Europeia dos Direitos do Homem e outra que dá pelo nome de Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Por outro lado, as pessoas em causa, os juízes, não podem ser "desligados" da circunstância em que foram formados e, sobretudo, da sociedade (na prática anti-liberal) em que vivem. A qualidade de uma democracia mede-se pela qualidade da sua justiça e, por consequência, ainda estamos muito longe de ser uma democracia liberal na qual, por exemplo. a liberdade de expressão e de informação é, e passo a citar, "vezes de mais cerceada injustificadamente". E porquê? Porque persiste, independentemente da vontade do corpo jurisprudencial, uma mentalidade geral que é "conservadora ou paternalista" que se caracteriza, desde tempos imemoriais, pelo respeitinho e pelo temor reverencial, "quando não servilismo perante as figuras do poder e uma enorme deferência pelo statuo quo social." Somos, escreve T. da Mota, "um país de pequenos mas importantes doutores e não gostamos de ser criticados". Tudo é levado a peito, tudo é "pessoal", tudo coloca em causa a nossa extraordinária "honra": «temos uma honra do tamanho do mundo» e «não gostamos do debate público, de expressões claras, francas directas ou agressivas». Se os tribunais nos vêem como "pessoas incultas, primárias, acriançadas e despidas de espírito crítico - só lêem os títulos, só percebem o que é evidente -, que é necessário proteger, evitando-lhes o confronto com opiniões ou informações polémicas, agressivas e contundentes sobre as figuras do poder já que são incapazes de pensar por si próprias e tudo o que lerem ou que ouvirem tomam como verdadeiro", a culpa é dos tribunais ou é nossa e das nossas gloriosas "elites"? Ainda ontem Mário Crespo começou o "jornal" com a reprodução de imagens captadas numa prisão em Luanda de uma violência que, no mínimo, têm forçosamente que incomodar quem julga viver numa democracia liberal.  Alguém, a começar pela sic "generalista", "pegou" mais naquilo?

Os "padrões"

João Gonçalves 26 Mai 13

Eduardo Cintra Torres também reparou. «A justiça decidiu que Mário Crespo não será julgado por difamação ao ex-director do Jornal de Notícias. Para os juízes, seria censura os tribunais passarem a definir "os padrões jornalísticos do que seria uma crónica". Tendo eu sido "condenado" pela tralha socratinista da ERC em 2006 com base no que ela queria que fosse um artigo de opinião, saúdo a decisão do tribunal.»

Bom senso jurídico

João Gonçalves 24 Mai 13

Já foi há alguns dias mas vem perfeitamente a tempo salientar a posição do Tribunal da Relação do Porto em sede de liberdade de expressão. O "caso" opunha a direcção de um jornal (Jornal de Notícias) e um seu cronista (Mário Crespo) que afirmou ter sido alvo de um acto de censura por parte da primeira. «O TRP diz ainda que seria um acto de censura se os tribunais passassem a definir “os padrões jornalísticos do que seria uma crónica”.» De vez em quando o bom senso jurídico manifesta-se.

A "moda"...

João Gonçalves 19 Fev 13

Agora é cantar a "Grândola" contra a liberdade de expressão? Tinha ideia que não era isso que estava na cabeça do seu autor. E, muito menos, na daqueles que a usaram como "senha" no "dia inicial inteiro e limpo / Onde emergimos da noite e do silêncio / E livres habitamos a substância do tempo", de que falava Sophia.


Adenda: «Lá vem a Grândola, os democratíssimos punhos odiosos lembrando malfeitorias de outros tempos, a exigência da queda do governo e de novas eleições; como sabemos, tudo práticas correntes naquelas defuntas sociedades de antanho que foram o sol radioso - a aurora dourada, o sendeiro luminoso - que se afirmavam paraísos para trabalhadores, mas onde não havia nem pão, nem liberdade, e onde em cada esquina a igualdade era desmentida por um bufo, um polícia da secreta ou uma loja exclusiva para os apparatchik do partido. Esta matulagem não é, convém lembrar, o quarto estado, a fome estampada no rosto, os ventre-ao-sol minados pela tísica. Não, trata-se da tal "classe média" convocada por sms, arrebanhada pela sede local do partido, transportada e alimentada pela indústria do protesto para estas bravatas. Sintoma claro da metadona, do fim do Estado à Guterres (com Ferro Rodrigues e Milícias oferecendo o que não era nem deles nem nosso) e, sobretudo, a absoluta incapacidade para oferecer uma molécula alternativa ao descalabro de décadas. Lá está o velhote de fato e colete (há sempre um profiteur de jeunes) nostálgico de um tempo [que felizmente não voltará] em que tudo o que se lhes opusesse era liminarmente apodado de "fascista".»

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