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portugal dos pequeninos

Um blog de João Gonçalves MENU

O carteio

João Gonçalves 4 Dez 14

 

Na semana passada, a propósito de uma primeira carta, defendi que o "procedimento" talvez não fosse mau para desencarcerar de vez a opinião pública portuguesa de "convicções indesmentíveis" venham elas de onde vierem. Qual Laclos, Sócrates insiste no carteio. Desta vez é mais acutilantemente subtil. Parece que não apreciou a blindagem retórica, em nome de coisas como (e cito-o) «as instituições estão a funcionar» ou «deixem a justiça funcionar», perpetrada pelo seu próprio partido durante o último fim de semana na FIl. Ou pela maioria da opinião que se publica e se faz ver e ouvir que, de uma maneira geral, é oriunda da "política" no poder ou na oposição: «o "sistema" vive da cobardia dos políticos, da cumplicidade de alguns jornalistas; do cinismo das faculdades e dos professores de Direito e do desprezo que as pessoas decentes têm por tudo isto.» Aos poucos Sócrates vai-nos "falando" do cárcere como Mme. de Merteuil através de Laclos: "je puis dire que je suis mon ouvrage". Esperemos pela próxima.

O essencial

João Gonçalves 28 Nov 14

 

«Nunca gostei da personagem política “José Sócrates”, desde a campanha para secretário-geral do PS (em que ele prometeu não aumentar impostos que, de facto, aumentou) até à sua ascensão a primeiro-ministro, muito ajudado por Pedro Santana Lopes e pela reputação de autoritário que entretanto adquirira. Não tranquiliza particularmente ser governado por um indivíduo que se descreve a si mesmo como um “animal feroz”, nem por um indivíduo que prefere a força política e legal à persuasão e ao compromisso. Se o tratam mal a ele agora, seria bom pensar na gente que ele tratou mal quando podia: adversários, serventes, jornalistas, toda a gente que tinha de o aturar por necessidade ou convicção. Sócrates florescia no meio do que foi a sufocação do seu mandato. O dr. António Costa quer hoje separar os sarilhos de um alegado caso criminal do seu antigo mentor da política do Partido Socialista e do seu plano para salvar a Pátria. O que seria razoável, se José Sócrates não encarnasse em toda a sua pessoa o pior do PS: o ressentimento social, o narcisismo, a mediocridade, o prazer de mandar. Claro que, como qualquer arrivista, Sócrates se enganou sempre. Começou pelos brilhantíssimos fatos que ostentava em público, sem jamais lhe ocorrer se as pessoas que se vestiam “bem” se vestiam assim. Veio a seguir a “licenciatura” da Universidade Independente, como se aquele papel valesse alguma coisa para alguém. E a casa da Rua Braamcamp, que é o exacto contrário da discrição e do conforto e último sítio em que um político transitoriamente reformado se iria meter. Depois de sair do Governo e do partido, Sócrates mostrava a cada passo a sua falsidade, não a dos negócios, que não interessam aqui, mas da notabilidade pública, por que desejava que o tomassem. Resolveu estudar em Paris, para se vingar da humilhação do Instituto de Engenharia e da Universidade Independente, e resolveu fazer um mestrado em “Sciences Po”, sem perceber que o mestrado é uma prova escolar de um estatuto irrisório. Em Paris, viveu no “seizième”, o bairro “fino”, como ele achava que lhe competia, e, de volta a Lisboa, correu para a RTP, onde perorava semanalmente para não o esquecerem: duas decisões ridículas que só serviram para o prejudicar, embora estivessem no seu carácter. Como o resto do país, não sei nem me cabe saber se o prenderam justa e justificadamente. Sei – e, para mim, chega – que o homem é um fingidor.»

 

Vasco Pulido Valente, Público: "Um fingidor"

Já se esqueceram?

João Gonçalves 25 Out 13



«Para José Sócrates a classificação de quem o contraria é simples. O PSD é um conjunto de "pulhas" e de "filhos da mãe" (calculo que a expressão foi, por assim dizer, mais vernácula) e em geral "a Direita é hipócrita". Santana é um "bandalho". Teixeira dos Santos teve "uma atitude horrível connosco", ou seja, com ele. Schäuble, o ministro das Finanças da Alemanha, é um "estupor". E por aí fora. De resto, ele, Sócrates, quando falhou (e, na opinião dele, quase não falhou) não teve nunca a mais vaga responsabilidade ou culpa: a verdade está em que grupos de "pistoleiros", incluindo a Casa Civil do Presidente da República, tentaram sempre impedir que ele governasse e espalharam infames calúnias para "atacar" o seu impoluto "carácter". Apesar de primeiro-ministro, não passou de uma vítima. Vale a pena repetir o que toda a gente já sabe? Vale, porque este "chefe" (como ele mesmo se descreve) e este acrisolado democrata (como ele se declara) saiu do assento etéreo onde subira, com um saco de ressentimento e ódio, que excede, e excede por muito, o de qualquer político desde que existe um regime representativo em Portugal. Ninguém, por exemplo, disse como ele que não queria voltar a "depender do favor do povo", a quem atribui uma larga parte das suas desventuras. Dar uma réstia de poder a semelhante criatura (visto que Deus não parece preparado para o ungir) seria inaugurar uma campanha de represálias contra Portugal em peso: contra a "aristocracia" do PS (que ele se gaba de ter "vencido"), contra a Direita, contra o velho Cavaco, hoje apático e diminuído, e principalmente contra o povo, que não votou por ele em 2009. Ora Sócrates, protestando o seu desinteresse pela vida pública e as suas novas tendências para a filosofia, com a convicção de um adolescente analfabeto, só pensa em abrir o caminho para um memorável ajuste de contas. Uma entrevista justificatória na RTP, um programa de "opinião" também na RTP e, agora, o lançamento de um "livro", para inaugurar um estatuto de "intelectual", a que nem sequer faltou Mário Soares, Lula da Silva e uma assistência de "notáveis", seleccionados por convite. O supracitado "livro", absolutamente desnecessário, é de facto uma prova escolar (uma "tese" de mestrado), sem uma ideia original ou sombra de perspicácia, que assenta na larga citação e paráfrase de - vá lá, sejamos generosos - 30 livros, que se usam pelo Ocidente inteiro, e em algumas fantasias francesas (Sciences Po oblige). O extraordinário não é que Sócrates se leve a sério, o extraordinário é que o levem a sério. Mas claro que o "lançamento" não foi de um "livro".»

 

Vasco Pulido Valente, Público

Um café e um moderado

João Gonçalves 19 Out 13

 

Acompanhado por um café e de uma garrafa de meio litro de água, estive a ler o texto de Clara Ferreira Alves, no Expresso, baseado numa conversa com José Sócrates. Retive três coisas. Sócrates leu pelo menos dez vezes uma obra de Kant apesar de se declarar um adepto da contingência. É um moderado - é uma "merda", nas suas palavras, ser um moderado e um adepto do "compromisso". E tratava, até 2005, altura em que pelos vistos deixou de falar com ele, Miguel Relvas por "tu". De resto aguardo que alguém me ofereça o livro. Fiquei interessado.

O que faz correr Sócrates?

João Gonçalves 22 Set 13

 

Depois da entrevista e dos comentários semanais na RTP, José Sócrates vai publicar a sua tese de mestrado em Outubro. É "apadrinhada" e prefaciada por Lula da Siva que vem cá a expensas de uma empresa de construção civil. O que não deixa de ter a sua graça quando falamos de filosofia política. Mas isso não me interessa nada para o efeito. Afinal, o que faz correr Sócrates? A "vontade" de participar no debate público é curto. As audiências também são curtas. A presença na comissão de honra de Costa em Lisboa ainda mais curta é. Não. Sócrates quer "testar-se" numa altura em que os tempos políticos passaram a viver sob o signo do curto-termismo. E quer "testar-se" na frente externa e na frente interna. Um cargo internacional - na Europa, eventualmente -, indicado pelo PS, sozinho ou num governo de "compromisso nacional", podia ser uma hipótese. Mas uma candidatura presidencial ("tecnicamente" afastada numa entrevista a um jornal moçambicano) talvez seja tentadora perante o desvanecimento político e instiitucional em curso. Sobretudo se for assumida com um recorte presidencialista e de ruptura com a "praxis" minimalista em vigor. Os proto candidatos das direitas e das esquerdas que para aí andam, ou contentam-se com o perfil constitucional do PR ou até não desdenhavam diminui-lo um pouco mais. Quando chegarmos às vésperas das eleições presidenciais, se nada de extravagante se passar entretanto e a nação ainda for viva, o país estará exangue e farto das "instituições" e dos seus jogos florais. Os candidatos a candidatos que intuírem que é preciso "outra coisa" talvez obtenham a graça de ser ouvidos. E, com sorte, de ser seguidos nem que seja pela "felicidade" do esquecimento. Nenhuma das eleições previstas até às presidenciais de 2016 apresenta a priori condições para um valente murro na mesa democrática. Não estou a dizer que Sócrates possa, queira ou deva sequer aparecer nelas. Estou apenas a tentar perceber por que "corre" mesmo que, por fim, acabe por não sair do mesmo sítio.

"Tomar a palavra"

João Gonçalves 28 Mar 13

 

Há dois momentos "fortes" na entrevista de José Sócrates. O primeiro, o único erro que assumiu: ter aceitado formar um governo minoritário, em 2009, depois da perda de 500 mil votos e ter continuado como se vivesse em maioria absoluta. Depois, quando chamou à colação a necessidade de trazer a política para o debate público e para o "comando" e para a "direcção" políticas. Foi só isso, aliás, que ele praticou, com método e proficiência, durante cerca de uma hora. Não vem mal algum ao mundo, como se verá, Sócrates ter decidido "tomar a palavra" mesmo contra os seus previsíveis ódios de estimação. Mas em democracia, como costumo dizer, quem bebe pelo gargalo compra a garrafa. De resto, se o país não continuar a "viver habitualmente" será sempre apesar dele. E não por causa da decisão dele em falar.

A "novidade"

João Gonçalves 24 Mar 13

 

A "concorrência" de Sócrates, o comentador, já se pronunciou praticamente toda sobre o exercício. Faltou, porém, dizer uma coisa fundamental. Nem o governo nem a oposição souberam (ou quiseram), neste "intervalo", trazer a política para o centro das ponderações e das decisões. Não basta suspirar entre portas por melhores dias (ou melhores pessoas), intrigar a favor ou contra este ou aquele, preencher cargos, apresentar moções, discursos ou gráficos numa novilíngua qualquer para prodigalizar uma política. Não. É mesmo preciso "fazer" política a sério, a famosa velha senhora que, dizem, tem horror ao vazio. Foi precisamente por ter pressentido esse vazio (como calculam, não falei com o homem sobre o assunto) que Sócrates decidiu aparecer para, uma vez mais, separar, suscitar o conflito, o cerne (custa mas é assim) da democracia. Mesmo com um passivo e uma história que o desfavorecem e execram, Sócrates arrisca. Só esse gesto "é" política pura. Dir-se-á que não é um programa que muda a natureza das coisas e que a vergonha, em geral, não abunda. É verdade. Sócrates, aliás, pode acabar, como tantos outros, capturado pelo estúdio de televisão, sem consequências. Só que mais do que a sua vontade - ou a alheia de quem o contratou e consentiu nessa contratação -, é como resposta, (imagino que entre o divertido e o decidido) ao vazio e ao torpor instalados que (pasme-se) Sócrates emerge como uma antiga "novidade". É bem feito. Boa noite e boa sorte.

Um retrato luso-francês

João Gonçalves 26 Jan 12

«Conheci José Sócrates em 1995, quando ambos integramos o governo liderado por António Guterres, ele como secretário de Estado do Ambiente, pasta então entregue a Elisa Ferreira. Mantive sempre com ele relações de regular e frontal atrito, a começar numa lista de nomeações que ele queria que eu, como ministro da Cultura, fizesse em Castelo Branco, e a acabar, como se sabe, com a minha recusa em aceitar que Portugal apoiasse para a liderança da UNESCO um facínora com largo cadastro que lhe tinha sido sugerido pelo seu "amigo", o então ditador egípcio Hosni Mubarak, que ameaçava queimar todos os livros da cultura judaica ... Pelo caminho, as fricções foram muitas e quase sempre do mesmo tipo.  Devo dizer que nunca vi em José Sócrates convicções socialistas - no sentido europeu de "social-democrata" - mas antes uma atração pela paródia em que infelizmente o socialismo tantas vezes se tem tornado, deslumbrado com o capitalismo financeiro, as novas tecnologias e os malabarismos da comunicação. Vivendo sempre perto do mundo dos negócios e dos futebóis, e desprezando acintosamente o conhecimento, a cultura ou a educação, com o mais perigoso dos desdéns, que é o que se alimenta do ressentimento e da inveja.(...) Em 2004, quando José Sócrates disputou com Manuel Alegre e João Soares a liderança do PS, escrevi o que pensava e avisei: "Tudo pode acontecer, mas seria grave que o PS pudesse ser conduzido por alguém que anda por aí com um currículo em parte surripiado, em parte escondido." (Público, 07.09.2004) Os socialistas decidiram o que entenderam e os portugueses escolheram o que pensaram ser melhor. Opções que, naturalmente, respeitei, com esperança que a responsabilidade do poder viesse a ter algum efeito benéfico. Foi uma esperança vã. A história fala por si, e dispensa comentários: o desnorte com o caso da licenciatura em 2007, a total incompreensão da crise em 2008, a aguda mitomania de 2009 e 2010, a bancarrota em 2011. Pelo meio, um tratado de Lisboa inútil, que só veio reforçar o poder alemão, e um reformismo esfarelado que raramente passou dos anúncios. Na grande história do Partido Socialista, o "socrazysmo" foi um período atípico, que deixou um longo rasto de oportunidades perdidas, de casos estranhos, de histórias mal contadas e de encenações inúteis. Em seis anos de governação nem tudo foi mau, e seria injusto esquecê-lo. Mas sejamos claros: foram anos sem alma, numa constante deriva de valores e de convicções. Não tirar daqui nenhuma lição seria, no mínimo, estúpido.»

 

Manuel Maria Carrilho, DN

O EMBLEMA DA DECADÊNCIA

João Gonçalves 31 Dez 11


Durou até ao dia 21 de Junho. Se dependesse dele e dos seus acólitos, ainda hoje durava. Parecia qualquer coisa e acabou em coisa nenhuma. Sobraram dele uns quantos devotos medíocres acolitados em diversas instâncias de poder formal e informal. Dá-se por alguns (pelo seu confrangedor exibicionismo mediático que tem tanto de estúpido como de perigoso precisamente pela estupidez que exala) e dá-se menos por outros o que não quer dizer que sejam menos perigosos que os primeiros. A manha tem tantas fórmulas (más, evidentemente) como as do diabo. Pacheco, o Pacheco que tem dias, resume-o: «à volta dele o desastre absoluto», «mestre da propaganda, mestre no voluntarismo despesista, mestre no dolo, mestre na arrogância autoritária», «o seu nome tornou-se um insulto, cujo pathos ele renova com convicção e zelo, como nas declarações sobre a "gestão da dívida".» E Pulido Valente também: «o que admira neste homem é ele ter chegado a chefe de um grande partido e a primeiro-ministro. Tudo o resto se explica: a ignorância, a irresponsabilidade, o autoritarismo e a noção de que a política era uma forma de teatro. Mesmo assim, ganhou a confiança de gente que devia saber mais e os portugueses só correram com ele no último momento. Irá com certeza ficar como o emblema da decadência do regime.»

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