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"Os tempos são ligeiros e nós pesados porque nos sobram recordações". Agustina Bessa-Luís
João Gonçalves 19 Nov 14
Por andar quase sempre de volta de Jorge de Sena - ou de voltar a ele por causa de outras coisas de que se anda à volta - ocorreu-me que este país, tão "generoso" na atribuição de veneras ao primeiro paspalhão "empreendedor" ou ao último "gestor" panorâmico e internacionalizado, nunca distinguiu Mécia de Sena pelo trabalho único feito em prol da publicação e divulgação da obra de seu Marido. Sem Mécia, sem a sua persistência e o seu amor (sim, é de amor que se trata), o prematuro e injusto desaparecimento de Jorge de Sena antes dos sessenta anos de idade poderia ter impedido gerações e gerações de tomar contacto com um dos poucos grandes vultos da chamada cultura portuguesa do século XX. Sena é daqueles portugueses cosmopolitas que nunca nos envergonham. E que, pelo contrário, nos chama permanentemente a atenção para a possibilidade de, no caso dele pelo vencimento lúcido e luminoso das suas palavras, sendo desgraçadamente "daqui" não ser ao mesmo tempo. Está, pois, mais do que na hora de o Estado - mesmo no estado de rebaixamento a que chegou - homenagear Mécia de Sena que fez durante décadas e décadas mais pela literacia nacional do que os exércitos de académicos, proto-académicos, poetastros e escrevinhadores de centros editoriais-comerciais alguma vez poderão fazer, até por se tratar de um impedimento intelectual e moral básico dessas torpes condições.
João Gonçalves 9 Jun 14
O porta-aviões do dr. Portas, denominado "Exportações", abrandou e entrou em velocidade de cruzeiro. O consumo interno subiu um bocadinho. E, tudo visto e ponderado, o PIB baixou um "nadinha" no país em que, por enquanto, todos os dias é "17 de Maio". Da Guarda - onde jamais poderá superar o 10 de Junho de 1977 por onde passaram Eanes, Vergílio Ferreira e, por cima deles e destes todos, Jorge de Sena - o senhor Presidente da República recomendou que se abandone o medo e se recupere a esperança. No estado a que isto chegou, parece um oxímoro político. Razão, pois, a Jorge de Sena naquele inesquecível momento da Guarda que seguramente nada terá a ver com a "apagada e vil tristeza" em que se comemora o de 2014. «Democrata como sou, eu não falo em nome de ninguém, sem ter recebido um expresso mandato para tal. Eu fui convidado por Lisboa e de Lisboa, o que é uma honra, mas Lisboa não tem o direito de nomear representantes de nada ou de ninguém. Esse vício centralista da nossa tradição administrativa – um dos vícios que Camões denunciou e castigou nos seus Lusíadas – deve ser eliminado e banido dos costumes portugueses, sem perda da autoridade central que deve manter unido um dos povos mais anárquicos do mundo e menos realistas quando de política se trata. Porque os portugueses são de um individualismo mórbido e infantil de meninos que nunca se libertaram do peso da mãezinha; e por isso disfarçam a sua insegurança adulta com a máscara da paixão cega, da obediência partidária não menos cega, ou do cinismo mais oportunista, quando se vêem confrontados, como é o caso desde Abril de 1974, com a experiência da liberdade. Isto não sucedeu só agora, e não é senão repetição de outros momentos da nossa história sempre repartida entre o anseio de uma liberdade que ultrapassa os limites da liberdade possível (ou sejam as liberdades dos outros, tão respeitáveis como a de cada um) e o desejo de ter-se um pai transcendente que nos livre de tomar decisões ou de assumir responsabilidades, seja ele um homem, um partido, ou D. Sebastião.»
João Gonçalves 21 Mar 14
Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso.
É possível, porque tudo é possível, que ele seja
aquele que eu desejo para vós. Um simples mundo,
onde tudo tenha apenas a dificuldade que advém
de nada haver que não seja simples e natural.
Um mundo em que tudo seja permitido,
conforme o vosso gosto, o vosso anseio, o vosso prazer,
o vosso respeito pelos outros, o respeito dos outros por vós.
E é possível que não seja isto, nem seja sequer isto
o que vos interesse para viver. Tudo é possível,
ainda quando lutemos, como devemos lutar,
por quanto nos pareça a liberdade e a justiça,
ou mais que qualquer delas uma fiel
dedicação à honra de estar vivo.
Um dia sabereis que mais que a humanidade
não tem conta o número dos que pensaram assim,
amaram o seu semelhante no que ele tinha de único,
de insólito, de livre, de diferente,
e foram sacrificados, torturados, espancados,
e entregues hipocritamente â secular justiça,
para que os liquidasse «com suma piedade e sem efusão de sangue.»
Por serem fiéis a um deus, a um pensamento,
a uma pátria, uma esperança, ou muito apenas
à fome irrespondível que lhes roía as entranhas,
foram estripados, esfolados, queimados, gaseados,
e os seus corpos amontoados tão anonimamente quanto haviam vivido,
ou suas cinzas dispersas para que delas não restasse memória.
Às vezes, por serem de uma raça, outras
por serem de urna classe, expiaram todos
os erros que não tinham cometido ou não tinham consciência
de haver cometido. Mas também aconteceu
e acontece que não foram mortos.
Houve sempre infinitas maneiras de prevalecer,
aniquilando mansamente, delicadamente,
por ínvios caminhos quais se diz que são ínvios os de Deus.
Estes fuzilamentos, este heroísmo, este horror,
foi uma coisa, entre mil, acontecida em Espanha
há mais de um século e que por violenta e injusta
ofendeu o coração de um pintor chamado Goya,
que tinha um coração muito grande, cheio de fúria
e de amor. Mas isto nada é, meus filhos.
Apenas um episódio, um episódio breve,
nesta cadela de que sois um elo (ou não sereis)
de ferro e de suor e sangue e algum sémen
a caminho do mundo que vos sonho.
Acreditai que nenhum mundo, que nada nem ninguém
vale mais que uma vida ou a alegria de té-la.
É isto o que mais importa - essa alegria.
Acreditai que a dignidade em que hão-de falar-vos tanto
não é senão essa alegria que vem
de estar-se vivo e sabendo que nenhuma vez alguém
está menos vivo ou sofre ou morre
para que um só de vós resista um pouco mais
à morte que é de todos e virá.
Que tudo isto sabereis serenamente,
sem culpas a ninguém, sem terror, sem ambição,
e sobretudo sem desapego ou indiferença,
ardentemente espero. Tanto sangue,
tanta dor, tanta angústia, um dia
- mesmo que o tédio de um mundo feliz vos persiga -
não hão-de ser em vão. Confesso que
multas vezes, pensando no horror de tantos séculos
de opressão e crueldade, hesito por momentos
e uma amargura me submerge inconsolável.
Serão ou não em vão? Mas, mesmo que o não sejam,
quem ressuscita esses milhões, quem restitui
não só a vida, mas tudo o que lhes foi tirado?
Nenhum Juízo Final, meus filhos, pode dar-lhes
aquele instante que não viveram, aquele objecto
que não fruíram, aquele gesto
de amor, que fariam «amanhã».
E. por isso, o mesmo mundo que criemos
nos cumpre tê-lo com cuidado, como coisa
que não é nossa, que nos é cedida
para a guardarmos respeitosamente
em memória do sangue que nos corre nas veias,
da nossa carne que foi outra, do amor que
outros não amaram porque lho roubaram.
João Gonçalves 10 Fev 14
Não leiam delicados este livro,
sobretudo os heróis do palavrão doméstico,
as ninfas machas, as vestais do puro,
os que andam aos pulinhos num pé só,
com as duas castas mãos uma atrás e outra adiante,
enquanto com a terceira vão tapando a boca
dos que andam com dois pés sem medo das palavras.
E quem de amor não sabe fuja dele:
qualquer amor desde o da carne àquele
que só de si se move, não movido
de prêmio vil, mas alto e quase eterno.
De amor e de poesia e de ter pátria
aqui se trata: que a ralé não passe
este limiar sagrado e não se atreva
a encher de ratos este espaço livre
onde se morre em dignidade humana
a dor de haver nascido em Portugal
sem mais remédio que trazê-lo n’alma.
João Gonçalves 9 Fev 14
Que adianta dizer-se que é um país de sacanas?
Todos os são, mesmo os melhores, às suas horas,
e todos estão contentes de se saberem sacanas.
Não há mesmo melhor do que uma sacanice
para poder funcionar fraternalmente
a humidade de próstata ou das glandulas lacrimais,
para além das rivalidades, invejas e mesquinharias
em que tanto se dividem e afinal se irmanam.
Dizer-se que é de heróis e santos o país,
a ver se se convencem e puxam para cima as calças?
Para quê, se toda a gente sabe que só asnos,
ingénuos e sacaneados é que foram disso?
Não, o melhor seria aguentar, fazendo que se ignora.
Mas claro que logo todos pensam que isto é o cúmulo da sacanice,
porque no país dos sacanas, ninguém pode entender
que a nobreza, a dignidade, a independência, a
justiça, a bondade, etc., etc., sejam
outra coisa que não patifaria de sacanas refinados
a um ponto que os mais não são capazes de atingir.
No país dos sacanas, ser sacana e meio?
Não, que toda a gente já é pelo menos dois.
Como ser-se então nesse país? Não ser-se?
Ser ou não ser, eis a questão, dir-se-ia.
Mas isso foi no teatro, e o gajo morreu na mesma.
João Gonçalves 31 Jan 14
«Com uma das mais importantes e válidas poesias que o século XX português conseguiu produzir, Jorge de Sena constitui um momento cimeiro numa linha nem sempre ascendente, ou motivante — “A poesia portuguesa é pobre de poetas”, disse em Da Poesia Portuguesa (1959). Numa luta permanente contra o óbvio e o marasmo, contra a ignorância e a pequenez, a sua obra ergueu, por entre a indiferença e a perfídia, um dos monumentos mais perduráveis da cultura portuguesa — “Se a miséria e a pobreza/ fossem o vómito que deviam ser postos em palavras,/ a imaginação possuída e vomitada que deviam ser,/ viria a liberdade por acréscimo,/ sem palavras, sem gestos, sem delíquios.” (p. 501) Uma obra que se afirma como um ponto fulminante no escuro que domina tanta da cultura portuguesa: pela sua novidade (abalo de estruturas retóricas convencionais, poderio imagético, servido pelo afinco da disciplina formal), pela força irreprimível de uma inteligência que era nervo. Cultura e vida raramente estiveram tão unidas, e não é raro que Sena se refira aos seus poemas como “vividos”. Estava tão consciente das tensões (se não das contradições) circulantes na sua obra — “Tão acusado de intelectualismo, tão adversário da chamada ‘inspiração’, nada escrevi que de uma vez não escrevesse e não considerasse escrito de uma vez para sempre” (p. 728) —, como da coesão que a sustentava — foi o próprio quem notou a “grande continuidade de inspiração, ainda que de evolutivo estilo, naturalmente, desde Perseguição a Fidelidade” (p. 735).»
João Gonçalves 25 Jan 14
Dois novos livros com Jorge de Sena dentro: a junção da sua poesia publicada em vida num único volume agora intitulado "Poesia 1", organizado por Jorge Fazenda Lourenço, e a correspondência com Carlo Vittorio Cattaneo numa edição preparada por Mécia de Sena, Joana Meirim e Jorge Fazenda Lourenço, com traduções do Jorge Vaz de Carvalho. Espero ter alento para começar brevemente a escrever uma biografia de Jorge de Sena já que, quanto à "actualidade", estamos mais ou menos como no desabafo do autor de "Evidências" dirigido a Cattaneo, em 1972: "Aquilo, meu filho, é um país de filhos da puta que sempre andaram pelo mundo a fazer filhos em putas (...) E tudo, meu caro, deve ser medido por esta triste verdade, que, como estudioso de Portugal, V. deve ter sempre em mente: aquilo foi sempre um país de filhos da puta, apenas com algumas honrosas excepções, entre as quais me conto. Puta que os pariu, com perdão de algumas senhoras decentes que não tiveram culpa de dar à luz os cabrões que deram. Podre, irrecuperavelmente podre, é que aquilo é."
João Gonçalves 23 Ago 13
Alertado pelo meu amigo João Melo, comprei o JL porque tem um trabalho (fraquinho) com Mécia de Sena e algumas outras coisas sobre Jorge de Sena. Mécia tem 93 anos e, a avaliar pela fotografias, persiste indemne. Desde 1978, ano da morte do autor de Sinais de Fogo, que Mécia tem sido a incansável organizadora dos papéis do marido e a fidelíssima testamentária da sua herança intelectual. No pequenino mundo literato e académico nacional, Mécia nunca encontrou muito mais "apoio" do que Jorge de Sena antes e depois do "25 de Abril". Tem no acervo, no acto de amor que representa também a sua dedicação e devoção pela memória de Sena, excessos e porventura algumas injustiças. Mas na conta-corrente dos encontros, desencontros, rasuras e traições, o balanço é favorável aos Senas como ainda há dias se pôde constatar num texto publicado por Arnaldo Saraiva - um dos primeiros candidatos a "viúvos" académico-editorial-literatos de Sena que, não obstante, tem um trabalho muito posiitivo sobre o espólio do escritor a quem a dita academia nunca perdoou ter sido engenheiro de terceira classe na Junta Autónoma de Estradas antes de mandar isto tudo à merda, em 1959,para se dedicar primeiro no Brasil e depois nos EUA, em exclusivo, à literatura e ao seu ensino - no suplemento Actual do Expresso. Fica-se a saber que Mécia, fora a organização e edição de mais correspondência - com inexplicáveis dificuldades editoriais decorrentes da vil ignorância rapace do glorioso "mundo" editorial doméstico cada vez mais apostado em promover analfabetos e analfabetas mediáticos -, entende que o seu trabalho terminou com as Entrevistas recentemente publicadas. Apercebi-me muito cedo da importância da existência de Jorge de Sena na minha vida. Acompanha-me quase diariamente desde que o vi, em directo da Guarda na televisão, a falar sobre Camões e sobre nós, graças ao empenho do Presidente Eanes e de Vasco Pulido Valente. Em 1971, numa carta inédita a Ruy Belo que o JL publica, Sena escreve: «Trabalho... tenho muito para fazer e pouca vontade de tudo - a minha depressão e reduzida resistência concomitante dão-me tudo por inútil, quanto eu faça é para cair no poço da pulharia lusitana, o que não me dói por mim, mas pelo que sei que os meus ignorados contributos valem, ao lado da maioria dos arrotos nacionais.» Nestas, como em quase todas as matérias, não mudámos um átomo de 1977 para cá. A pulharia cresceu com os arrotos e os arrotos cresceram com a pulharia. Não saímos disto.
João Gonçalves 21 Jul 13
Estive, até há pouco, a acabar de ler a excelente colectânea de entrevistas de Jorge de Sena editada pela Babel/Guimarães. Numa de 1977, a Manuel Poppe, Sena cita Unamuno numa frase nunca impressa por cá - Portugal, numa das suas múltiplas visitas, deu-lhe a impressão de" um país de anões todos na ponta dos pés para parecerem muito altos". Podia ter sido hoje. No mesmo livro, Sena mostra-se favorável, como um dos poucos portugueses verdadeiramente livres e independentes que jamais existiram, à prostituição. "Eu sou a favor da prostituição. Há pessoas, aliás, que não têm vocação para outra coisa." Boa noite e boa sorte.
João Gonçalves 27 Jun 13
Estou a ler o livro de entrevistas de Jorge de Sena editado pela Guimarães, agora Babel, numa magnífica edição (embora com uma gralha aqui ou ali) preparada por Jorge Fazenda Lourenço. São trinta anos de entrevistas com destaque, talvez, para a de Abril de 1968, à revista O Tempo e o Modo que lhe dedicou um número inteiro. O que Sena afirma a propósito do chamado "meio literário" doméstico podia ser dito sobre a nossa pequenina vida pública em geral, capelista e corporativa (no sentido rasca do "corporativo", normalmente um ajuntamento de ressabiados estúpidos e anónimos), como se fosssemos todos iguais por baixo. Pois não somos, graças a Deus. Somos mais isto que o Sena descreve à distância higiénica da geografia e do nojo. «Tenho horror de falsas modéstias, de facto. Mas tenho ainda maior horror da mediocridade que se compraz em recusar-se a reconhecer o que a excede. Não, não sou um dos meus mais seguros admiradores. Se o fosse, seria como a maioria dos membros da vida [literária] portuguesa, tão satisfeitos de si mesmos [que escrevem sempre um livro pior que o anterior]. O problema não está em eu me considerar muito grande - mas sim em os outros serem, na maioria, tão pequenos. (...) O mais que fazem é louvar às vezes um medíocre ou desenterrar um morto, com medo da sombra que lhes seja feita. A diferença entre mim e eles é que não temo o juízo do futuro, e não procuro tapar o sol com uma peneira. Não: a minha segurança é total e absoluta: ninguém pode destruir-me senão eu mesmo.»
Primeiro tem de me explicar o que é isso do “desta...
obviamente nao é culpa do autor ter sido escolhi...
Estou de acordo. Há questões em que cada macaco se...
Fui soldado PE 2 turno de 1986, estive na recruta ...
Então António de Araújo foi afastado do Expresso p...