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portugal dos pequeninos

Um blog de João Gonçalves MENU

Acabou a festa

João Gonçalves 23 Fev 16

 

Passados quase três meses sobre a entrada em funções do "Governo de iniciativa do PS" ou, na versão épica do PC, "patriótico e de esquerda", o Parlamento começa finalmente a discutir o orçamento para o ano em curso. As papeletas que vão ser apreciadas já não são as originais. Depois de Bruxelas, do Conselho Económico e Social, da Unidade Técnica de Apoio Orçamental, apareceu uma "errata" substantiva (e não apenas com vírgulas e pontos finais) que as mudou. Mesmo o "binómio papeletas-errata" conhecerá modificações até ao derradeiro instante. Um orçamento é uma previsão financeira e económica que, por natureza, é sobretudo um documento político. Se uma maioria "estável e coerente" tem sempre dificuldades em fazer entrar em vigor no dia 1 de Janeiro uma previsão "estabilizada" (os orçamentos estão inapelavelmente "desactualizados" quando entram em vigor), como é que uma maioria "instável e incoerente" pode dar sossego aos seus concidadãos, e aos vigilantes externos, com as "exigências" ideológicas do PC e da extrema-esquerda? Mesmo assim, vai ser este desconchavo parlamentar a aprovar este orçamento "rectificado antes de o ser". Até agora, tinha sido mais ou menos um festim nu com muitas palmas e comoções palermas. Derrubar Passos, ignorar o maior grupo de deputados, aprovar legislação "correctíssima", humilhar Cavaco, mostrar em suma a "força" do segundo governo deste primeiro-ministro e que é liderado no hemiciclo de São Bento pelas mocinhas do Bloco. Daqui para diante, a conversa será outra. A "novidade" é, por um lado, o compromisso do PC e da extrema-esquerda com um austeritarismo corrigido e, nalguns aspectos mais subtis, aumentado. E, por outro, o do PS com declarados adversários da "moderação" que, de uma forma geral, junta socialistas e sociais-democratas europeus aos seus congéneres das direitas, governativas ou não. A questão fundamental não é a opção política do PS pelas suas esquerdas com a bênção, entre outros, de algum bispado ortodoxo de outras bandas como o soturno dr. Pacheco Pereira. O problema é que esta opção não passou pelo crivo eleitoral como, por exemplo, Tsipras passou duas vezes com um referendo pelo meio. Costa entrou pela secretaria e tem de tratar de tudo na secretaria com os seus parceiros, antes de aparecer com "soluções" diante do povo ou em Bruxelas. Todavia, há que respeitar esta brilhante opção e tirar dela todas as consequências políticas. A primeira das quais, quanto ao PSD e ao CDS, é votar contra o orçamento.

 

Jornal de Notícias, 22.2.2016

O negociador

João Gonçalves 2 Fev 16

 

Até aqui não se pode afirmar que Costa não tivesse tido sucesso nas negociações internas. Apesar da soberba peralvilha das raparigas do Bloco e  do compromisso "patriótico e de esquerda" do PC, a verdade é que o governo em funções é aquele que Costa quis, as pessoas que ele quis e os lugares dependentes do governo para as pessoas que o PS quer. Nem mais nem menos. Para recorrer a linguagem da história diplomática, Costa garantiu a sua soberania na ordem interna. Falta-lhe agora demonstrar que também a assegura na ordem externa sem beliscar a que decorre dos papéis assinados à sua esquerda. O embate das propostas orçamentais com Bruxelas serve parta testar as capacidades negociadoras, ou seja, políticas de Costa com os donos do Tratado Orçamental. Não creio que seja útil para o país - independentemente de se criticar o exercício e, mesmo, de o rejeitar na altura adequada no parlamento - aplaudir de fora para dentro, ou de dentro para fora, a "Europa" contra o governo. Uma coisa é deixar Costa e os seus aliados, como aliás ele reclamou, sozinhos defenderem a sua dama. Outra bem diferente é dizer mal da dama diante de terceiros. O palco é todo do negociador.

E os nomeados são

João Gonçalves 19 Dez 15

 

Quando entrou em funções o governo de Passos Coelho alguém achou por bem, em nome da "transparência", colocar no portal do Executivo as nomeações para os respectivos gabinetes. Entre o Verão de 2011 e até há umas escassas semanas assim foi em nome desse ditoso escrúpulo. O que valeu, desde respeitáveis órgãos de comunicação social até às chamadas redes sociais, uma atenção permanente às pessoas em causa. Sobretudo valeu a alguns dos nomeados uma exposição inusitada na qual toda a gente parecia "mais igual" do que o comum dos cidadãos. Estava tudo: nome, idade, cargo no gabinete e vencimento bruto. Como não se podia andar a explicitar caso a caso, houve "casos" em que os ditos eram sovados volta não volta. Eu próprio, dias depois de ter ido para a Gomes Teixeira, andei na capa de um jornal, em blogues e nas redes profusamente "apontado" por causa de uma imagem com uma alforreca. E por ter escrito "horrores" a propósito do homem com que fui trabalhar. Em ambos os casos só serviu para reforçar a confiança mútua e lealdades políticas, e até pessoais, indisputáveis. Fosse porque "ganhavam" muito, fosse porque eram muito novos ou não sabiam nada a não ser na "escola" do partido, os membros dos gabinetes dos governos da coligação estiveram sempre sob a mira dos patrulheiros. Raramente houve o cuidado de separar o trigo do joio, ou seja, quem já tinha uma carreira (na administração pública ou no sector privado) de quem, por assim dizer, era "profissional de gabinete" sem nunca ter feito nada de substantivo na vida. Sabiamente o PS acabou, para já, com isso. Ignoramos, até aparecer no Diário da República, quem é quem nos gabinetes ministeriais. Todavia nota-se uma preocupação "escrupulosa" com a comunicação naquela muito batida adaptação democrática do "em política o que parece é", uma coisa em que actual "primeiro" é especialista. Algo, pelo contrário, que não se sente nos "meios" que tanto apreciavam policiar os dois governos anteriores mais em ardente e alucinada coscuvilhice do que por dever estritamente deontológico. Agora não interessa?

As frentes de Costa

João Gonçalves 2 Dez 15

 

Tomou posse e entrou em funções, para recorrer à consabida expressão do PC, o Governo de António Costa. A propósito, passou despercebida uma alusão curiosa de António Lobo Xavier. O PC teria vetado a entrada do Bloco no Governo e acabaram todos por concordar no minoritário do PS. Junte-se a isto a entrevista de Jerónimo de Sousa ao "Expresso", na qual o secretário-geral afirma desconhecer a ideologia do Bloco e sugere, até, que Catarina Martins anda sempre de dedinho no ar: "primeiros". Uns "primeiros", aliás, que fizeram questão de o sublinhar no plenário parlamentar da passada sexta-feira com intervenções e votações subsequentes geridas por eles. O que nos conduz à "húbris" de António Costa. O homem formou um Governo "moderado" de altos funcionários públicos e de pessoal politicamente fiel recrutado no partido e na Câmara de Lisboa. Recuperou as chamadas funções de soberania do Estado quando o hierarquizou: Negócios Estrangeiros, Defesa, Administração Interna e Finanças. Incluiu o Ministério da Cultura na primeira metade do Executivo e não na cauda, como tem sido costume desde Manuel Maria Carrilho. Compôs, em suma, um ministério político onde ele é indisputavelmente coordenador e chefe. Sucede que tem a apoiá-lo, na frente parlamentar, um híbrido desconchavado que já não deixa margem para dúvidas: também quer governar. O que obrigou Costa a "formar" um desdobramento governamental na Assembleia da República presidido por César e Pedro Nuno Santos. Não é fácil gerir um condomínio que vai desde quem pretende discutir a qualidade da alpista dos periquitos, ou a correcção política das trelas dos cães, até às famosas ténias de Céline que zelam pela moral e pelos bons costumes "progressivos". Pelo meio pairam os dispensáveis deputados do PC (se eles se abstiverem, ou estiverem contra, qualquer milho a pardais fideliza o senhor do PAN) cujos objectivos "terrenos" sempre foram claros e ligados pelo umbigo ao "movimento social", um eufemismo para o sr. Arménio. A "técnica" consiste em "baixar à especialidade" e às comissões tudo de que desconfia a vanguarda parlamentar. Aí, avança a dupla César-Pedro Nuno Santos, numa primeira fase, e depois (talvez mesmo durante) sobe tudo fatalmente até Costa. Se, como afirmou Nuno Morais Sarmento, ele agiu sempre nos limites da moralidade política até ser indicado primeiro-ministro, então daqui para diante não pode actuar muito diferentemente com os acólitos. É que eles não o vão poupar.

 

Jornal de Notícias, 30.11.2015

Oposição

João Gonçalves 26 Nov 15

 

 

No Jornal de Notícias de 26.11.2015

 

As eleições legislativas de 4 de Outubro findam esta semana com a posse do governo de António Costa. Está, pois, aberto um outro "ciclo" que, ironicamente, encerra o aberto pelo 25 de Novembro de 1975. A "originalidade", uma palavra muito em voga até àquela data, regressou à política portuguesa pela mão do campeão civilista da luta pelas liberdades públicas, o PS. Costa é o mandatário exclusivo de um entendimento político-partidário até agora negativo. Qualquer "desvio" social-democrata ser-lhe-á devidamente apontado pelo radicalismo dos seus dois outros pilares parlamentares. A mínima tergiversação financista "europeia" também. O deve e o haver fica, como tem estado, por conta de Bruxelas porque aqui não existem desculpas planetárias para derrapagens orçamentais ou para frivolidades com a receita e a despesa. O primeiro-ministro, tacticista e habilidoso, sabe melhor do que nós tudo isto. Quando algum apoio dos prometidos fatalmente lhe falhar, ele será o primeiro a reclamar em eleições a maioria absoluta da "vítima". Aí concorre com o PSD e o CDS que apenas em coligação, e entretanto atraindo outras franjas não limitadas ideologicamente e descontentes com a deriva esquerdina do PS, pode aspirar à vitória inequívoca que lhe escapou antes desta "revolução de Outubro". Daqui em diante não há lugar a qualquer confusão. Os consensos governativos estão encontrados e legitimados pelo nosso inigualável regime semipresidencial. De um lado está o executivo minoritário do PS pela primeira vez suportado integralmente pelas esquerdas. E do outro estão o PSD e o CDS, exclusivamente na oposição, sem tergiversações oportunistas que lhes seriam fatais. Porque este governo, mais coisa menos coisa, destinar-se-á no essencial à preparação da próxima campanha eleitoral do PS e a manter até ao limite a precariedade do equilíbrio parlamentar maioritário. Sobra pouco espaço para impulsos reformadores. O que confere mais responsabilidades e uma extraordinária oportunidade à oposição (não há outra) liderada por Passos e Portas, apanhados de surpresa pelas artes de prestidigitação política do adversário. Não basta o Parlamento e jamais se deve ficar sentado à espera do novo Godot presidencial. A fractura exposta do regime precisa de consequências democráticas como é adequado a sociedades adultas. Não pode ser ignorada depois de aberta às escâncaras pelo estulto primeiro-ministro do PS. O tempo é de ficar do outro lado. Por todo o lado e bem à vista.

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