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portugal dos pequeninos

Um blog de João Gonçalves MENU

Força

João Gonçalves 10 Out 15

 

No dia 23 de Janeiro de 1983 o então Presidente Eanes dissolveu a AR e convocou eleições para 25 de Abril. Estava em funções o VIII Governo Constitucional, chefiado por Pinto Balsemão, e a AD, maioritária no parlamento, desagregava-se. Naquelas eleições, o PS ganhou sem maioria e foram encetadas negociações para a constituição do chamado "bloco central" com o PSD de Mota Pinto. O governo subjacente a este acordo tomou posse a 9 de Junho de 1983, ou seja, praticamente seis meses depois da dissolução parlamentar. E o governo de Pinto Balsemão esteve praticamente outro tanto em gestão. O caos até agora calmo que se instalou no regime por causa dos resultados do passado domingo - com o principal derrotado à chefia do próximo governo e a a sua fiel oligarquia partidária entregues a jogos florais irresponsáveis com a desculpa que é preciso "conversar" com tudo e todos sobre tudo e todos como se o sufrágio pudesse ser lido de cima para baixo e de baixo para cima exactamente da mesma maneira - pode ter como desfecho uma situação parecida com a que descrevi. Nada impede o XIX Governo Constitucional de permanecer em funções de gestão política do Estado até estarem criadas as condições jurídico-políticas para o novo Presidente poder dissolver o parlamento votado há uma semana. É tão verosímil como os "cenários" que correm por aí, um dos quais tem Jerónimo de Sousa como maior entusiasta na sua qualidade de líder da quinta força partidária mais votada. Querem tempo para "falar"? Têm seis meses pela frente. Força.

O PS perdeu a Fonte Luminosa

João Gonçalves 7 Out 15

 

Para descaso de alguns prosélitos, no meio dos quais se incluem formas de vida moderadamente inteligente, Portugal não é uma democracia popular. A Constituição, por muito que lhes custe, fundou uma democracia representativa. A seguir os partidos - com destaque para o PS, o então PPD e o CDS conforme os primeiros actos eleitorais - ajudaram a "estabilizar" essa democracia representativa. O presidente Eanes também. Mais rapidamente do que se supunha, o Centro-Direita representado na AD de 1979 integrou-se sem mácula no regime. Ficou logo claro que os adeptos da democracia popular não "passavam" no teste das urnas. Assim voltou a acontecer no passado domingo. O "povo" foi votar e ditou o que queria: o dr. Passos como primeiro-ministro e a coligação PSD/CDS a suportar um Governo minoritário no Parlamento. Não quis decididamente maiorias absolutas, muito menos do PS, nem maiorias fictícias alicerçadas na rejeição da democracia representativa. Foi um belo esforço, o das meninas do Bloco e de Jerónimo de Sousa, mas menos de 20 deputados em ambos os casos não é exactamente o mesmo que mais de 100 ou de 80. O PS pagou cara a factura da ambiguidade e do tacticismo. Costa sofreu uma dupla derrota: interna e no país. Alcandorou-se a candidato a primeiro-ministro e a secretário-geral, atropelando uma pessoa e dois sucessos partidários nacionais, para quase nada. Nem sequer conseguiu mais deputados do que o PSD "separado" do CDS. Arranjou um sarilho doméstico que o obriga a disputar a legitimidade da liderança no momento em que as circunstâncias exigem conversa democrática séria e estabilidade. A fractura do PS dá nota de um ponto de chegada sem ponto de partida à vista. Em certo sentido o PS perdeu a Fonte Luminosa e estatelou-se humilhantemente à conta do seu pior adquirido e do lixo acumulado nos derradeiros anos. A situação de maioria relativa estipula um ónus quer para a coligação quer para o PS. A coligação já sinalizou a sua inequívoca percepção da realidade. Costa, não contente com o desastre, persistiu na ambiguidade apesar da recusa de "maiorias negativas". Sucede que o lastro do PS da Fonte Luminosa nunca hesitou entre a democracia representativa e a popular. Enquanto for secretário-geral, Costa tem pelo menos a obrigação moral e política de não desonrar esta história antes que o PS "vire" dois: um para acomodar a tralha e outro para servir o país.

 

Jornal de Notícias

 

Nota: Mais no Facebook.

 

Votos certos e incertos

João Gonçalves 30 Set 15

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Há um ano, mais coisa menos coisa, o antigo cinema Roma, presentemente a sede da Assembleia Municipal de Lisboa, recebia em euforia o ainda presidente da Câmara. O homem tinha acabado de remover António José Seguro da liderança do PS após vencer as "primárias" abertas a "simpatizantes". Este demitiu-se de tudo e, com a maior dignidade, saiu de cena para que Costa pudesse exibir em paz todo o seu esplendor bonapartista. O novo chefe ignorou-o, e aos três anos precedentes da história do partido, sem um vestígio de consideração ou agradecimento. Seguro, o "poucochinho", sempre tinha arrebatado o poder autárquico para o partido e as "europeias". Mas isso não interessava nada porque só Costa podia redimir as hostes da humilhação de 2011, justamente a partir daquele excitado serão na Avenida de Roma. Na segunda-feira, uma pequenina parte do delirante apostolado juntou-se ao candidato a primeiro-ministro do PS em nome da "cultura" e da soberba "moral" que os justifica. Era, no essencial, a velha guarda cortesã do antigo presidente de Câmara cujas qualidades enquanto relações públicas alguns dos presentes - sempre atentos, venerandos e obrigados - notabilizaram como sempre a pensar no futuro deles. Se evoco estas peripécias é porque elas resumem eloquentemente a deslocação da campanha do PS, e eventualmente do destino próximo do partido, numa direcção incerta que a perdeu. Costa e os seus "estrategas" erraram ao pensar que "isto" era o mesmo que Lisboa. Bastava dominar o "meio", menorizar a outra esquerda e contar com meia dúzia de tresmalhados da "situação" para a coisa funcionar. Não bastava. Pelo contrário, preparou-se mal para o embate com a realidade, não estudou o programa que pediu, convocou o pior jacobinismo para as arengas demagógicas e, sobretudo, não logrou incutir um "poucochinho" de confiança num eleitorado que a coligação acabou, pelos vistos, por reconquistar. António Costa, a desilusão desta campanha como Catarina Martins o apelidou, chega a domingo num caos voluntário e a prometer por ele. Impreparado, inseguro e falaz, Costa dá sinais de ter dividido o PS para muito pouco ou nada. O país não lhe agradecerá a frivolidade do exercício. Passos, para já, ganhou a batalha da estabilidade, da confiança e da moderação "natural" sem precisar dar saltos, falar demasiado alto ou afogar-se num mar de inconsistências e de bem-aventuranças improváveis. É, pelo menos, um voto certo.

 

Jornal de Notícias, 30.9.2015

 

Nota: Passei a privilegiar, para já e por preguiça, o Facebook. Lá está, no fundo, tudo o que nao escrevi.

 

A campanha

João Gonçalves 27 Set 15

 

Sob o espectro de uma relativa indiferença, a campanha eleitoral propriamente dita anda por aí. O "meio" - televisões, rádios, jornais e redes sociais - bem se espreme por tornar intrusivo um debate eleitoral que concorre todos os dias, mesmo no da eleição, com a bola. Só os fiéis, e os obrigados por natureza de função, comparecem. As mobilizações populares de 1986 a 1991 desapareceram. Confia-se que a cibernética comunicacional faça o resto. A "rua" talvez venha a ter uma relevância que não tem tido até agora, salvo numa ou outra conversa ou barulho filmados pelas televisões. Como os programas têm de ser suficientemente vagos para não serem demasiado comprometedores, sobram os jogos florais em torno de um ou dois temas "sérios" com manifesta supremacia para os números da segurança social. É, aliás, nesta "base" que os dois candidatos à chefia do governo "dialogam" surdamente um com o outro a partir dos respectivos comícios e refeições partidárias. Todavia há uma diferença que os leigos não terão deixado de notar. O primeiro-ministro Passos Coelho que, por dever de ofício, é obrigado a saber com o que conta, deixou desarmado o candidato do PS ao conseguir surpreendê-lo com o seu próprio programa: percebeu-se que Costa o leu mas não logrou assimilá-lo. Seguiu-se a fuga em frente com uma tão inútil quanto irresponsável "promessa" a juntar às diárias perpetradas a torto e a direito em razão das circunstâncias de modo, tempo e lugar: votar contra um eventual próximo orçamento de Estado preparado pela coligação se esta vencer. Costa provavelmente não se deu conta da rasura que causou na "confiança" e no crédito que pede. As campanhas eleitorais não se medem apenas pelo que as sondagens, as "tracking pools" ou as acções personalizadas contam. Existe um elemento psicológico associado a estes instrumentos de análise que puxa para baixo ou para cima quer os candidatos quer o eleitorado. Neste campo julgo que Passos Coelho está "à frente". O tandem com Portas funciona e a mensagem é parecida com a de Cavaco em 1987: "Portugal não pode parar". Costa errou ao optar, na campanha e nos propósitos, pela imoderação e pela instabilidade. Lembra Fabrizio del Dongo, em A Cartuxa de Parma, depois de ter andado perdido em Waterloo ao lado, julgava ele, de Napoleão. "A carreira militar para Fabrizio é a vida do esquilo na gaiola que anda à roda: muito movimento para nenhum progresso".

 

Jornal de Notícias, 23.9.2015

 

Nota: Alguns leitores amáveis perguntam-me por que é que o blogue "parou". A todos respondo com sinceridade: por falta de paciência. E porque passei a privilegiar, por preguiça, o Facebook. Lá está, no fundo, tudo o que nao escrevi.

Uma entrevista inteligente

João Gonçalves 14 Ago 15

 

Marcelo a Nuno Saraiva no Diário de Notícias. Alguns excertos de uma entrevista inteligente.

A questão da notoriedade já não se coloca, não há quem não o conheça.

Coloca-se em termos muito diferentes. Estando há 14 anos sistematicamente na televisão e com as audiências que tenho tido, há um reconhecimento relativamente generalizado de quem sou. De vez em quando, ainda tenho esse bálsamo, essa alegria que é ir a um sítio em que há uma pessoa ou duas que não me conhecem. E isso é um bálsamo porque, quando me conhecem, isso significa a pessoa ter o dever de falar, ouvir, aconselhar, partilhar e, quando são várias pessoas ao mesmo tempo, de fazer selfies… Enfim, tudo aquilo que imagina. E não me resguardo, o que é um comportamento muito diferente de outras pessoas que conheço e que estão na política ou estão, por exemplo, na televisão; não é que não façam uma vida normal, mas não se expõem tanto.

Com a capacidade de mobilização que toda a gente lhe reconhece porque é que adia para outubro a decisão sobre as presidenciais?

Não se é candidato por uma questão de notoriedade. Se fosse por isso, teríamos aí uma série de figuras a quererem ser candidatos à Presidência da República. Só a referi no caso de Lisboa [autárquicas de 1989] porque era dramaticamente baixa. Não havia a televisão que há hoje, não havia internet. Era tudo mais lento em termos de ganhos e, do outro lado, estava uma pessoa [Jorge Sampaio] que tinha notoriedade porque aparecia todos os dias como líder da oposição. Mas não basta. A pessoa quando avança para uma candidatura tem de ponderar uma série de factores importantes. Há uns que são intemporais. A visão que tem do país, da Constituição, do Presidente da República. Mas não basta, porque há muita gente com uma visão sobre o país – é natural que tenha, cada um tem a sua –, há até alguma gente, menos, com uma visão sobre a Constituição, implica conhecê-la. E há alguma gente, bastante, com uma visão sobre o que é o Presidente. Mais difícil é ver o que é o Presidente na Constituição. Depois isso cabe ou não no perfil constitucional? Isso não se muda do pé para a mão e o Presidente sozinho não a muda. Quem muda são os partidos por revisão constitucional, e exigindo um amplo acordo. Há outros factores importantes e entre eles a noção de que, no quadro das hipóteses disponíveis num determinado momento, há um dever de avançar por se considerar que se está em melhores condições para desempenhar o cargo. E isso implica apreciar o quadro das várias hipóteses disponíveis, implica comparar, implica também fazer uma autoavaliação: como é que a pessoa está fisicamente? E psicologicamente? E a sua disponibilidade familiar? Imagine-se os filhos ou os netos, no meu caso, que estão num país muito distante. Há vários factores ponderados em conjunto. Além destas razões todas, há uma outra, a meu ver muito importante, que é não misturar eleições. As legislativas são eleições para o governo do país. Embora se elejam deputados, acaba por se querer eleger um primeiro-ministro e um governo. Eleger um Presidente é coisa diversa. Misturar as duas traria a tentação de sobreposição de discursos. Por um lado, os partidos estarem a concorrer e, ao mesmo tempo, falarem da Presidência da República, do tipo de Presidente ou do candidato a Presidente. Por outro lado, os candidatos presidenciais, às tantas, ficarem com tiques de primeiros-ministros, quase sentindo a obrigação de ter programas de governo para justificar o porque é que estou agora a lançar-me? Porque vou mudar isto e aquilo e aqueloutro. Às tantas, uma parte do que se diz é o que o governo ou o Parlamento podem fazer, mas o Presidente não pode. Se já é complicado votar à saída da crise, com a Europa com uma série de indefinições, se já é complicado ter duas eleições practicamente coladas, entendi sempre que não valia a pena aumentar a complicação em termos de discurso e de candidaturas. Sendo dois filmes que eram sucessivos no tempo mas diferentes entre si.

O facto de ter o seu capital de notoriedade ajuda a que possa protelar o mais possível essa decisão.

Não, até vou dizer mais sobre isto. Um dos riscos grandes da sobreposição das candidaturas era aprisionar os candidatos presidenciais. E os candidatos presidenciais, na letra da Constituição, são independentes, embora vários deles, resultantes de áreas dos principais partidos, tenham tido o apoio desses partidos. Nesta situação concreta da vida portuguesa, entendo que há um anseio na opinião pública que é justificado no sentido de reduzir ao mínimo a ligação entre os partidos e as candidaturas presidenciais. O ideal seria não haver qualquer ligação entre uma candidatura presidencial e um ou vários partidos políticos. E como é que isso se materializa? O candidato presidencial pode dizer, embora agradecendo as manifestações de partidos para o apoiar, que prescinde porque não é apenas desnecessário como não desejável esse tipo de vinculação.(...)

Que perfil tem de ter o próximo Presidente da República?

Tem de ser resultado, por um lado, da Constituição e, por outro lado, da conjuntura vivida. A Constituição é o que é, não vejo que seja fácil – até por aquilo que é a conjuntura vivida – haver um acordo de revisão que mexa no sistema de governo, presidencializando- o . Era útil se isso acontecesse? Não. O que está na Constituição está bem. Há pontos a rever e a retocar mas, genericamente, está bem. Neste quadro, tem de caber na Constituição o que o próximo Presidente deve ser e deve fazer, mas não pode ignorar o país que temos. É um país que está a sair de uma crise, uma saída que pode ser mais rápida ou mais lenta e que não é homogénea. Há sectores sociais que saem mais depressa do que outros. Vai ser assimétrica, desigual. Há uma forte probabilidade de instabilidade e de mais difícil governabilidade nos próximos anos. Porque não haverá maiorias absolutas. A esta distância das eleições legislativas, parece muito difícil o salto de 37% ou 38% para 44% ou 45%. Num lado ou noutro. O que obriga a um esforço de, não apenas convergência de regime – e essa tem conhecido um recuo nos últimos anos.(...) Vai ser preciso que o próximo Presidente, até porque provavelmente vai coexistir com mais do que um governo, seja capaz de fazer pontes, de dialogar com os vários interlocutores, que esteja numa posição central para o poder fazer porque o diálogo vai fazer-se essencialmente ao centro, uma vez que os dois principais partidos estão um no centro-esquerda, para a esquerda, e outro no centro-direita, para a direita. E que tenha, se possível, alguma experiência nesse tipo de actuações. O perfil anda por aí. Quando vejo divagações teóricas sobre o que deve ser o Presidente... Não é que o Presidente não tenha uma ideia sobre o sistema político. Participei em revisões constitucionais em que isso foi um tema muito tratado, como a de 1997 que abriu para a redução do número de deputados, para a mudança do sistema eleitoral. Não é que um Presidente não deva ter um papel importante, pensando sobre domínios das políticas sociais ou da administração pública ou da justiça. Mas o que se espera do Presidente é o que cabe na Constituição: antes do mais, trabalhar para a governabilidade, para a estabilidade e para as convergências de regime. (...)

Sendo um crente assumido, tem medo da morte?

Não. Não. É a dimensão, no fundo, mais importante da minha vida. E digo-lhe que num caso de dúvida, numa decisão, o que vai fazer pesar para um lado ou para o outro, é aquilo que entendo que um cristão deveria preferencialmente fazer. A morte é uma passagem, mesmo. E é uma passagem que começa a preparar-se desde sempre, que começa a preparar-se durante a vida. Não se prepara apenas no momento da aproximação à morte. Muitos não crentes que se convertem, ou não se convertem mas fazem essa tentativa de aprendizagem de preparação para a morte, e muitos crentes que têm o temor da morte e têm de aprender a lidar com a morte, deixam isso para a última hora. Um crente, na minha visão, está preparado para morrer a qualquer momento.

E isso não é um paradoxo em alguém que é hipocondríaco?

É um bocadinho paradoxal. Como é um bocadinho paradoxal se há alguma pessoa que é considerada muito cerebral e muito racional ter uma fé muito bruta e prevalecente. A hipocondria, se quiser, é o sucedâneo do médico que gostaria de ter sido, mais do que uma coisa obsessiva que realmente domine os meus comportamentos. A morte vai-se preparando no dia-a-dia. Porque a morte é vida, também ela, à sua maneira. É a passagem para outro tipo de vida. É evidente que não acredito no Céu no sentido clássico de ser o lugar ideal onde todos nos encontramos – que seria difícil, os biliões e biliões de seres humanos e andarmos à procura “onde é que está o fulano tal?” Mas acredito no Purgatório. Acho que há um Purgatório, há uma punição por aquilo que é o saldo negativo do haver-dever, do que deixamos de dar aos outros. É isso que vai sendo essencialmente julgado, o que é que demos aos outros comparado com aquilo que, egoisticamente, demos a nós mesmos. Os pecados todos são pecados de egoísmo. E, portanto, nessa avaliação, há os que têm um percurso mais longo porque olharam para si mesmos de mais e de menos para os outros. E outros têm um percurso mais curto, alguns mesmo nulo ou instantâneo. Aqueles infelizes, aquelas crianças que nasceram e morreram num clima de guerra ou de fome, sem serem ouvidos nem achados, em que as pessoas se perguntam onde é que esteve Deus no momento daquele nascimento ou daquela morte. Pois esses vão directos para o Céu. Não há Purgatório para eles.

Nunca teve dúvidas relativamente à sua fé?

É evidente, pois se a Madre Teresa de Calcutá e se os santos todos tiveram dúvidas, um pobre pecador tem imensas dúvidas. Há uma fase da vida, a adolescência, em que é da lógica das coisas ter muitas dúvidas. Coincidiu, felizmente, com o Vaticano II, que foi uma forma de avançar para além das dúvidas. Mas, permanentemente, colocamo- nos dúvidas. E a fé é uma fé que não é irracional. É uma fé que é feita de admitir que há dúvidas e há realidades difíceis de explicar mas, ainda assim e para além disso, acredito. E, portanto, a morte sucederá. A minha última construção sobre a morte é a seguinte: a morte surgirá quando – porque sou também, o que é curioso para alguém que é muito racional, providencialista – estiver esgotada a missão que posso cumprir. E, muitas vezes, o próprio não é o melhor juiz. E só se aperceberá mais tarde ou nunca se aperceberá desse juízo, que é um juízo divino. E aí, esgotada essa missão, a pessoa morreu. E, portanto, não é uma realidade que me angustie.

Só lá para Outubro

João Gonçalves 18 Jul 15

 

Confesso que os mais recentes "desenvolvimentos" europeus, a par com as exibições políticas caseiras por via da pré-campanha legislativa, empurraram-me para uma maior indiferença relativamente ao desfecho das eleições deste ano. Expliquei isso, em parte, no Jornal de Notícias. As sondagens, aliás, vêm confirmando que o "problema" não é apenas meu e que não há princípio da caridade que salve os principais protagonistas. De tal forma que estou propenso a concordar com o chefe da campanha do dr. Costa, Ascenso Simões, quando descortina algumas virtudes numa maioria relativa. Quando o dr. Passos, numa entrevista, afirmou ser-lhe indiferente que a maioria lhe pertença, ou ao dr. Costa, desde que seja absoluta para que o tratado orçamental vigore enquanto programa de governo, então mais vale guardar as bandeirinhas para outras legislativas precoces. Daí as presidenciais poderem ter mais interesse. Pelo menos para mim. Mas só lá para Outubro.

Do que a casa gasta

João Gonçalves 21 Jun 15

 

«Depois da catástrofe por que passou, o país não quer ser sujeito a uma nova experiência de engenharia financeira ou social, que nada lhe garante que possa emendar (se correr mal) ou parar a tempo (se não lhe convier). A oposição jura pelos planos que nos pretende aplicar. Só que esses planos são vastos demais, pormenorizados demais, dependentes demais de factores que a oposição não controla: e Portugal, embora frustrado e pobre, não precisa de aventuras. O PS talvez consiga ainda alguma gravidade burguesa e juntar à volta de Costa um grupo de indivíduos com um verdadeiro currículo de eficácia e prudência. Como hoje se exibe, nem lhe falta tirar a gravata ou armar um espalhafato por essas televisões. Já se percebeu do que a casa gasta.»

 

Vasco Pulido Valente, Público

Da natureza das coisas

João Gonçalves 20 Jun 15

 

Entre ontem e hoje, os órgãos de comunicação social que a encomendaram (RTP, DN e JN) têm estado a divulgar os resultados de uma sondagem da Católica. Para as legislativas a sondagem empata tecnicamente a Coligação com o PS, com ligeira vantagem para a primeira (recordo que nas "europeias" outra, da Aximage, a dada altura também deu um resultado parecido). E revela que 55% dos inquiridos não entende que a oposição seja propriamente uma alternativa. Isto somado desfaz a mitomania sebástica do dr. Costa, e dos seus aliados um pouco por todo o lado, de que bastava ele aparecer e a Pátria, reconhecida, seguiria atrás respeitosa e trémula de fervor salvífico. Não segue (ou segue tanto como seguia nas sondagens com Seguro) apesar de 54% dos questionados "achar", contra 32%, que o PS chega à frente no sufrágio. Mas o mais impressionante, e não menos simultaneamente óbvio, é 65% não acreditar que saia dali qualquer maioria absoluta o que aponta, como sempre suspeitei, para a necessidade de novas legislativas em 2016. O que torna, repito-me, as presidenciais mais interessantes do que pareceriam à primeira vista. Tudo visto e ponderado nesta matéria pela sondagem, Marcelo Rebelo de Sousa emerge como o único candidato natural e transversal. Ou seja, como aquele que pode, logo numa 1ª volta, crescer suficientemente do seu "espaço natural" para o país e ser eleito. É claro que os resultados das legislativas irão determinar muitos movimentos ainda imprevistos. Todavia, fique à frente quem ficar, Marcelo deverá ter condições para, no seu último comentário televisivo que coincidirá com a noite desse acto, afirmar-se candidato simplesmente com uma ou duas palavras. Em 1988, a semanas da eleição presidencial, Mitterrand estava numa entrevista numa televisão. Às tantas perguntaram-lhe, estilo "e já agora", se era recandidato ao Eliseu. Ele disse que "sim". "Naturalmente", acrescentou.

A "vontade transformadora"

João Gonçalves 23 Abr 15

 

Francisco Assis é indiscutivelmente uma forma de vida inteligente no meio da nomenclatura oficiosa do PS, sensivelmente a mesma há décadas. Pensa por si, não é oportunista, tem um módico de biografia que lhe permite ser lido ou escutado com alguma atenção contrariamente a algumas e alguns cristãos-novos partidários velhíssimos em sabujice rasca e videirinha. Todavia é pueril quando fala na "vontade transformadora" do PS. Na realidade, quer para as eleições legislativas, quer para as presidenciais onde já pôs (com complacências várias que a seu tempo se tornarão clarinhas como água) a sua marioneta vaga em exercícios de aquecimento, o PS não pretende "transformar" nada mas, sim, manter  o que for possível manter do regime sem o reformar. Um ou outro rosto novo, uma ou outra "ideia" mais agradável, um ou outro "ajustamento" distinto do "ajustamento" dos outros não fazem exactamente uma primavera. É que faz agora ainda muito pouco tempo que o PS não queria "transformar" nada e tão somente "ficar" por "ficar". Até Teixeira dos Santos se espantou com tamanha lata como recentemente reconheceu numa entrevista à TVI. Costa já informou, com a sua delicadeza habitual, que o documento que encomendou não é a "bíblia". E só corre para ter mais um voto, quer lá saber de "transformações". Quem se se esquecer disto, não entende nada do que se vai seguir.

A HERANÇA ENVENENADA

João Gonçalves 9 Jun 11


«Pela primeira vez em Portugal, um primeiro-ministro eleito perdeu umas eleições legislativas. E isso aconteceu com o pior resultado que o PS teve nos últimos vinte anos. Sócrates despediu-se depressa, tinha preparado no teleponto um longo discurso em que, mais uma vez, procurou negar a verdade e fugir às evidências - sobretudo a de que deixa um país encurralado e à beira da ruína e um PS embalsamado e com os seus valores patrimoniais fundamentais muito abalados. O que o discurso revelou - apesar do que dizia o teleponto - foi, por um lado, um Sócrates aterrorizado com o juízo da história e com o lugar que ela certamente lhe reserva, associado à bancarrota de 2011. E, por outro lado, a obsessão em condicionar o natural debate interno sobre as lições que há que tirar deste desaire, que se traduziu na perda, em seis anos, de um milhão de votos. Tudo indica que a vida não vai ser fácil para o Partido Socialista, que fica agora à mercê de uma diabolização política que não vai tardar, em previsível resposta ao funambular optimismo dos últimos tempos. É que Sócrates deixa nos braços do PS uma herança envenenada, que é a de ter que "ser oposição" a um programa que ele próprio assinou. O socratismo corre, assim, o risco de se tornar numa verdadeira maldição para o PS. Isso só não acontecerá se houver, desde já, lucidez e coragem para reconhecer que, com este julgamento dos portugueses, o tempo dos álibis acabou e se abre agora um tempo de debate e de balanço. Um tempo de debate, porque infelizmente a capacidade de ouvir, de pensar e de debater, que deve sempre acompanhar o exercício democrático do poder, foi um défice constante, e crescente, destes seis anos. E um tempo de balanço, porque só com efectivo espírito de responsabilidade, mas também com verdadeiro sentido patriótico, será possível reconquistar a credibilidade perdida. Em suma, o PS precisa, antes do regresso ao combate político, de dar ao País um forte sinal político, mas também ético, feito de humildade e de verdade. Este vai ser, sem dúvida, o maior e o mais imediato desafio da sua próxima liderança. Com a vitória da "coligação" PSD/CDS, o País entra agora numa nova fase. Se se trata de um novo ciclo político ou, apenas, de uma nova legislatura, só o tempo o dirá. Mas seria bom ter consciência que a crise em que Portugal tem vivido traduz, no essencial, um prolongado e difícil impasse, constituído por um cerrado nó de problemas que esta primeira década do século XXI, em particular nos últimos dois anos, agravou pesadamente. E estes problemas são fundamentalmente três: o problema cultural, o problema económico e o problema financeiro. O primeiro decorre da falta de valores e de visão estratégica que permita pensar com consistência um rumo para o País, capaz de se afirmar ao mesmo tempo no quadro europeu, no âmbito lusófono e na globalização. É isso que pode dar aos portugueses uma ideia global de si próprios como sociedade e como nação, dotados de convicções e de projectos colectivos. Só com este problema bem equacionado se poderão definir as audazes apostas que é preciso fazer para resolver o problema económico, de modo a conseguir essa articulação tão difícil, que é a de se atingir um crescimento significativo do País, aumentando o emprego para os portugueses, nomeadamente para as qualificadas novas gerações. E só com estas bases é que o problema financeiro virá a ter outra solução que não seja a dos habituais cortes atrás de cortes, amparada num constante aumento de pressão fiscal. Incapazes de, até ao momento, equacionar e resolver este nó de problemas, acabámos nas mãos de uma troika que o fez à sua maneira, segundo um "memorando" cujo cumprimento nos condiciona em tudo no imediato, sem, contudo, garantir nada a prazo, como de resto a tragédia grega bem tem mostrado nesta últimas semanas. Com um dado novo, que merece muita atenção: é que agora o que está em causa não é o incumprimento, por parte da Grécia, do plano estabelecido, mas - o que é bem diferente - o facto de a sua concretização não ter conduzido ao resultado previsto pela troika há um ano. O que só pode reforçar as mais sérias apreensões sobre o caminho e o destino da União Europeia.»

M.M. Carrilho, DN

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