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portugal dos pequeninos

Um blog de João Gonçalves MENU

SOBRE AS RUÍNAS DO TEMPLO ABATIDO

João Gonçalves 28 Mar 10


Rui Ramos recordava ontem, no Expresso, Alexandre Herculano. Nasceu há duzentos anos. Agora que não há ninguém que não seja "liberal", Herculano - que o foi literal e visceralmente -, fosse ele vivo, ia fartar-se rir com os seus "descendentes", esta pobre elite caseira e videirinha que vagueia pelos partidos, pelos jornais, pelos blogues e pelas corporações do regime, sempre a cascar no Estado, mas sempre dele mamadora enquanto falsa e tosca "sociedade civil". Provavelmente esta "elite" não verá nele mais do que um pacóvio, um escritor "datado" e ilegível, um chato. E Herculano porventura olharia para ela, com desprezo e ironia, recomendando que «os pontapés ou arrochadas são sempre eficazes e salutares.» O alegado "poder espiritual" que exerceria sobre a nação, como sugeria Teófilo Braga, não serviu de nada nem a um nem à outra. Não se pode exercer poderes dessa natureza sobre broncos crónicos. Oliveira Martins percebeu-o perfeitamente. «E quando, ele que observara impenitente o velho Portugal, abandonado ao lodo utilitário os seus coevos, via também a mocidade mediocremente respeitosa por essa religião do Indivíduo que era a sua; quando via as tendências centralistas e socialistas - confessas ou inconscientes - dominarem nos governos e oposições, nos partidos conservadores e nos revolucionários, ele chorava, outro Isaías, sobre as ruínas do templo abatido, sem reconhecer que as pedras desse edifício derrubado já começavam a formar um novo monumento.» O "monumento" é esta miséria instintual e material e esta pequena burguesia de espírito a que chegámos por via de duas ditaduras e de um regime pseudo-democrático fundado há trinta e seis anos.«Isto dá vontade de morrer», murmurou Herculano, em Vale de Lobos, antes do fim. Nunca teve tanta razão.

DA DELIBERAÇÃO

João Gonçalves 4 Out 09


«Há uma cousa em que supponho que ate os meus mais entranhaveis inimigos me fazem justiça; e é que não costumo calar nem attenuar as proprias opiniões onde e quando, por dever moral ou juridico, tenho de manifestá-las», Alexandre Herculano citado pelo José Adelino Maltez. Estamos de acordo. Falta acrescentar uma coisa aprendida num avião de Bruxelas para Lisboa com o José Medeiros Ferreira. Salazar terá dito algures algo parecido com isto: "decididos até onde ir, não devemos ir mais além.» Desta maneira o Herculano fica, por assim dizer, completo.

CONTRA AS ABSTRACÇÕES

João Gonçalves 5 Set 09

«Herculano foi, talvez, até hoje, o nosso melhor pensador político, pelo menos o que pensou com mais força e empenho. Lê-lo é sempre estimulante. E sobretudo foi um homem que não se rendeu ao chamado "processo histórico" (a expressão não se usava no seu tempo, mas a ideia existia), que avançou no sentido da industralização, da centralização, do conformismo, da carneirização conhecida pelo nome de "democracia". Considerou igualmente detestável a tirania do número e a do chefe. Odiou visceralmente o Estado. Nunca aceitou o dinheiro como promotor da actividade humana, mas apenas como seu modesto auxiliar. E sonhou as pequenas comunidades autogovernadas, ao serviço de pessoas e não de abstracções.»

António José Saraiva, Setembro de 1977

UM HOMEM QUE NÃO COUBE NO PAÍS

João Gonçalves 2 Set 09


Esta cama pequenina é o leito de morte de Alexandre Herculano, em Vale de Lobos. O quartinho foi mantido intacto pelos donos da casa. Estava assim em 1877, também era Setembro. Perguntamo-nos com é que o corpo de um homem grande - sim, Herculano era discutível como todos os homens grandes são - cabia ali. Só não coube no país que provavelmente o não mereceu. Há muito que Portugal não está dimensionado para gente alta. Como recordou ontem, ali mesmo, o José Pacheco Pereira, «Herculano lutou pela liberdade com as armas na mão, lutou pela liberdade intervindo na acção política, lutou pela liberdade exercendo funções públicas, lutou pela liberdade defendendo a divulgação do saber, lutou pela liberdade dando-nos uma história que se pretendia sem mitos nem milagres e, por isso, reforçava a cidadania, lutou pela liberdade salvando a nossa memória do passado e salvando livros, lutou pela liberdade escrevendo.» Já não se fabrica disto.

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