Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

portugal dos pequeninos

Um blog de João Gonçalves MENU

A plataforma Facebook e o Direito

João Gonçalves 15 Mar 23

1193F353-AD6A-47E4-8DFB-C79122232726.jpeg

Em menos de um ano, a plataforma digital do grupo Meta, o Facebook, censurou-me, proibindo-me de tudo menos de ler, três vezes por trinta dias. A última "restrição", como a máquina e os seus operadores lhe chamam, termina daqui a umas horas. Este será o primeiro post que os meus presumíveis leitores de lá verão. Ou seja, terão de vir aqui, ao blogue, para o ler na íntegra, o que se agradece ao "Sapo" que me aguentou sempre, mesmo quando estive parado por troca com a dita plataforma (e por preguiça). 

Desta vez, a plataforma entendeu que tinha violado "os padrões da comunidade" (dela) quanto a nudez (das outras vezes era "ódio", de acordo com os ditos "padrões). Como das outras duas vezes, procurei um espaço na plataforma para me queixar e explanar o meu argumentário. Escrevi a mesma coisa,  mesmo usando palavras distintas, mas nunca tive resposta da plataforma em lado algum. Primeiro, era por causa da pandemia e da escassez de quem respondesse. Depois, ainda fui parar a uma espécie de comité central da plataforma, em inglês, que recolheu as minhas respostas (em inglês) e nada disse de volta.

Agora, fiz o mesmo, em português e em várias direcções - a plataforma está persistentemente a convidar-nos a "denunciar" tudo, e eu até acabei por "denunciá-la" a si própria, mas o "feedback", já sem a desculpa da pandemia, foi nulo, ou, quando muito, à mínima tentativa de reagir nas minhas duas páginas, a máquina respondia que estava "restringido".  Todavia, agradecia o "Feedback" pois ia "ajudar a melhorar o serviço as nossas decisões no futuro". Podia rir-me da ironia implícita, mas a acefalia cibernética não me dá vontade de rir.

E que "nudez" era aquela que ofendia a cibernética da plataforma? Nada mais, nada menos que um "print screen" do trailer da série " O crime do padre Amaro", da RTP1, cansadinho de passar e repassar então na tv pública, no qual os actores principais estavam nus na cama. Escuso de referir a quantidade de nus, artísticos ou não, que vi passar na plataforma neste mês de punição. A nudez era lateral e não existia a menor exibição de órgãos sexuais, a não ser pernas e nádegas lateralizadas que talvez a plataforma, entregue a si mesma e libertina "a contrario", tome por órgãos sexuais. 

Se eu montar uma plataforma deste jaez, e fixar as "regras do jogo" unilateralmente, posso sempre surpreender os meus utilizadores (a "comunidade") com elas e sacar-lhes a liberdade de expressão, violando privadamente direitos fundamentais, "públicos" pela natureza deles. 

O que quero signficar é que a plataforma Facebook, ou outra, não pode permanecer impune ao exercício discricionário da autoria e interpretação dos seus "padrões da comunidade". Aliás, o título é enganador uma vez que não são "padrões da comunidade" - são "padrões desta plataforma do grupo Meta chamada Facebook". Isto é que é claro e distinto. Os utilizadores são facultativos.

Não sendo clara e distinta, a plataforma deve sujeitar-se à aplicação do Direito já que, desde isto até às interdições sem contraditório, a plataforma é um convite permanente à auto-censura, à denúncia anónima e à automaticidade dessa coisa chamada "algoritmo". 

Os excertos do artigo do professor Carlos Blanco de Morais, que cito livremente, são concludentes a este respeito. A plataforma precisa da "prosa do mundo", que era o que Hegel chamava ao Direito, seja sob a forma arbitral (a sugerida no artigo “Digital Democracy”: A Threat to the Democratic System or Oxygenation of Representative Democracy and Free Speech?", cit. e inserido no livro da fotografia do post), seja sob a forma judicial propriamente dita. Não confundir nada disto com sugestões de controlo pelo poder político como as feitas abundantemente pelo fatal Santos Silva, presidente da AR, cuja densidade democrática é tão estreita como o colarinho das gravatas desabusadas que costuma usar. 

"The implementation in each platform of bureaucracies with ideological vigilantism of posts may lead to a private governance of cyberspace and of networks combined with an autocratic and abusive power over the users, which tends to became dangerously transnational."

"The creation by Facebook of a net of “vigilantes” of extreme and hate speech (concepts defined in an excessive flexible manner) activated by complaints that are very often concerted by ideological or religious groups, followed by an arbitrary and intense activity of removal of posts and disabling webpages (including those of some members of German parliament), is a reason of concern on the lack of limits of this outsourcing form of censorship. For instance, in 2018, Facebook’s page of Ms. Marlene Weise was disabled for 30 days by this platform, for having posted a photograph in the seventies of Iranian women from the volleyball team dressed with t-shirts and shorts, next to another taken nowadays, with the team using the Islamic hijab. A court in Berlin convicted Facebook to restore the post and end the suspension under penalty threat of a fine of Euros 250,000 being applicable. This was the first judicial intervention occurred since the entry into force of NetzDG Law of June 2017 and, healthily, was favourable to freedom of expression threaten by private controllers, linguistically and culturally unprepared and obliged to decide shortly upon complaints against messages. Anyway there is ground to expect that future changes in that law can restore some sort of balance between users and platforms, with the creation or the reinforcement of procedures of mediation or arbitration before the conflict should climb to the courts."

"In view of the impossibility of a daily scrutiny of millions of messages by platforms, some already speak of an automatic system of control, based on algorithms linked to words or expressions proscribed in an index, creating, prior or in real time, some sort of censorship of posts. By occurring such possibility, we would be heading to an acephalous, robotised and liberticide system of control of free speech, incompatible with Democracy and our constitutions, including Portuguese Constitution which, in art 37􏰀-2, forbids any form of censorship."

Convido todos os leitores, utilizadores ou não da plataforma Facebook, a partilhar este post. 

Boa noite e boa sorte. 

 

 

 

 

Pesquisar

Pesquisar no Blog

Últimos comentários

  • João Gonçalves

    Primeiro tem de me explicar o que é isso do “desta...

  • s o s

    obviamente nao é culpa do autor ter sido escolhi...

  • Anónimo

    Estou de acordo. Há questões em que cada macaco se...

  • Felgueiras

    Fui soldado PE 2 turno de 1986, estive na recruta ...

  • Octávio dos Santos

    Então António de Araújo foi afastado do Expresso p...

Os livros

Sobre o autor

foto do autor