O governo abriu um precedente interessante de seguir. José Magalhães - quem diria - proferiu um despacho sobre dois processos disciplinares a sindicalistas da PSP, reformando-os compulsivamente. Um teria querido mandar o primeiro-ministro para o Quénia e o outro disse que o então director da polícia nem para escuteiro servia. Também José Miguel Júdice foi "julgado" na Ordem dos Advogados e ficou a falar sozinho quando o respectivo conselho superior abandonou a sala. Pelo caminho ainda teve tempo de dizer que o relator do seu processo não servia sequer para julgar "uma manada". Palavra de honra. Estes jogos florais, do foro jurídico-político, colocam um problema. O ex-ministro Freitas do Amaral chamou-lhe "licenciosidade", outros poderão pensar em "liberdade de expressão" e, outros ainda, referir as liberdades "sindicais". Como se tem abundantemente salientado aqui, vivemos num regime imaturo quanto às liberdades. No verdadeiro sentido da palavra, este é o país menos liberal que conheço. Para além disso, sofre cronicamente de uma gravitas despropositada que não corresponde à qualidade das suas instituições. Os sindicalistas da PSP em causa são pouco mais que broncos. Basta ouvi-los. Não têm, todavia, culpa disso. Emanam de um país, o "de Abril", com que José Magalhães, hoje orgulhoso membro do PS e do governo, foi solidário anos a fio ao lado do PC. Júdice pertence - e até já dirigiu - uma corporação muito ciosa das suas coisinhas e da preservação da preeminência do "direito" na sociedade e na política portuguesas. Por outro lado, é um magnata do mesmo direito, como sócio de uma das maiores sociedades de advogados do país. Como lhe competia, saiu em ombros do "julgamento". O actual Bastonário, coitado, é, afinal, "apenas" o filho de um polícia. Não sei se é por andar a ler os "antigos", mas cada vez mais me sinto "deles" e nada, mesmo nada, "moderno". Além de pirosa, conservadora e mal formada, a nossa sociedade - toda - tem pretensões de ser levada a sério. Ignora, na sua inconsciência, que faz tudo parte do mesmo pacote, o da "democracia". E que, por isso, estão - não me canso de o repetir - muito bem uns para os outros.
Bem aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia.