
Há horas felizes. Quem tropeçar na prosa mais recente de Gonçalo M. Tavares ("Água, Cão, Cavalo, Cabeça" (Caminho, 2006), na página10 depara-se com esta "pérola":
"Dois soldados, em vez de enterrarem os cadáveres dos seus amigos mortos em batalha, escaparam às ordens, e num pequeno bar, ainda com o uniforme manchado, mandam vir uma mulher – uma prostituta – e os dois sobem com ela para um quarto e fornicam-na. Um colando-lhe o pénis na boca e o outro fornicando-a por trás como fazem os cães às cadelas e os homens às mulheres ou a outros homens."
Nacos como este evidenciam duas ou três coisas muito simples sobre alguns rebentos "literários" em voga. Desde logo, a maior parte deles não tem "mundo". Só quem não tem "mundo" é que escreve "fornicar" - caramba, a literatura não é santa nem se guia pelos Evangelhos - ou "colando-lhe o pénis na boca". Nenhum escritor, nem ninguém que se preze, jamais "colou" um pénis a uma boca ou vice-versa. Só a palavra "pénis" afasta prudentemente qualquer "boca" do que quer que seja, já que lembra uma consulta de planeamento familiar em Chelas. Por outro lado, Gonçalo desconhece que, entre os animais, particularmente entre os cães, o sexo dos bichos conta pouco para a actividade mencionada. Da mesma forma que entre pessoas não existem "posições" exclusivas para, como ele pudicamente escreve, "fornicar". O tempo em que o Príncipe Fabrizio Salina produzia filhos sem nunca ter visto o umbigo à mulher, acabou há muito. Experimente Gonçalo M. Tavares, por exemplo, ler a
biografia de Mary Wesley e vai ver como aprende muita coisa. Para já, só lhe peço para não nos fornicar mais o juízo com prosa deste gabarito.
Estou em crer que o rapaz nem chegou a ler essa parte antes da publicação...