Morreu Saramago. As "elites" não cessam de perorar sobre o Nobel. Enquanto bebia um café e comia um pastel de nata, desfilavam na tv, ao vivo e ao telefone, derramando sobre o dito cujo tanto quanto nunca se derramou sobre escritores maiores do que Saramago como, por exemplo, Jorge de Sena. Há uns anos Saramago entrou nos curricula liceais do regime e varreu a possibilidade de os meninos e de as meninas conhecerem literatura portuguesa aproveitável ou sofrível para além da dele. A "oficialização" cultural de Saramago começou quando, estupidamente, lhe proibiram um livro num concurso qualquer. O Nobel, festejado pela paróquia provinciana como uma vitória internacional no futebol, acentuou o carácter quase místico da figura que, daí em diante, passou a tratar abaixo de cão qualquer poder politico que não o bajulasse adequadamente. O que afinal subsistiu em relação a Saramago foi o velhinho temor reverencial de um país com lamentáveis "tradições" culturais que, entre outros, fez de Saramago um "símbolo". E é esse que vai ser exibido por estes dias. Poucos ou nenhuns recordarão o pequeno tirano do Diário de Notícias, a seca vaidade vingativa da criatura ou o homem que eliminou de edições posteriores à emergência da afamada Pilar as dedicatórias a Isabel da Nóbrega. "A morte absolve tudo", como ensinavam os latinos, mas nem tudo é absolvível pela morte. Paz à sua alma.
Adenda: O governo vai decretar - mediante conselho de ministros "extraordinário" - luto nacional. Ainda mudam o 10 de Junho de 1580 para o 18 de Junho de 2010. País de pequeninos parolos deslumbrados sem a menor noção da verdadeira grandeza.
Que Deus o guarde. Saudades não deixa.