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portugal dos pequeninos

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Álvaro Cunhal 1913-2013

João Gonçalves 10 Nov 13

 

Há um século nascia Álvaro Cunhal. Quando visitei a exposição que o PCP organizou para esta comemoração, retive as suas últimas disposições, datadas de Dezembro de 1999, que resumem uma vida nunca derrotada nos "ideais" mas inevitavelmente pela história: «a todos desejo que, vida fora, realizem os seus sonhos». Cunhal confunde-se com a "biografia" política do país, no século XX, à semelhança de Salazar. Cunhal "aceitou" a democracia e fez do PC o partido mais respeitador dos seus rituais, das suas normas, das suas defesas: a derradeira "conquista" é sempre a melhor da que dantes não prestava. O "colectivo" foi sempre a sua maneira de dizer "eu" embora, aqui ou ali, sobretudo nas derradeiras entrevistas, deixasse transparecer o homem.. "Despersonalizo, portanto...", diria a Maria João Avillez. "Eu não adivinho, batalho", "eu não alimento nada, tenho apenas a minha maneira de viver". Cunhal poderá ter-se tornado incompreensível à luz dos "valores" vigentes na Europa e no mundo. Este "modelo político" representa tudo o que Cunhal intelectual e intimamente desprezava. Não aludo a questões puramente ideológicas mas a coisas mais profundas que se prendem com a própria "natureza" humana. Cunhal era demasiado elegante para poder suportar a ascensão planetária da vulgaridade pequeno-burguesa sem um sorriso malicioso e, sem dúvida, amargo como revela Avillez no livro Conversas com Álvaro Cunhal. «Era o último encontro, mas eu não sabia. A derradeira vez que eu via aquele homem doente («eu estou a ver muito mal, não vale a pena mostrar-me isso, não vejo, não consigo ver...») que durante quase trinta anos me fez sempre partir com precipitação e os sentidos alerta para um segundo andar da avenida António de Serpa e, depois, para um gabinete descarnado e nu da rua Soeiro Pereira Gomes. Um homem envelhecido que agora sorria mais tristemente, agarrado à sua "convicção" («sim, a convicção foi e é, fundamentalmente, o segredo da resistência e dos combates».) E se eu disser a palavra "derrota"?, perguntei-lhe subitamente nesse dia, mas quase a medo, diante do gravador ainda ligado (e detestando-me por selar aquela longa conversa com uma única palavra que, afinal, lhe cabia por inteiro): Uma derrota ... "amarga", Dr. Cunhal? «Amarga é uma palavra muito pequenina para o que foi.» E foi. Aquando da sua chegada triunfal ao aeroporto de Lisboa, era, ainda, um mistério. As primeiras imagens e as primeiras palavras recortavam todavia a figura definitiva que a "revolução" e a democracia iriam consagrar. O porte aristocrático, o olhar da “noite do mundo”, o discurso cortante, a mordacidade evasiva, a concentração obsessiva, o messianismo do “colectivo”, tudo isso emergiu imediatamente. Era o único que sabia perfeitamente ao que vinha. E no seu “sentido único”, Cunhal foi de uma verticalidade rara. E, por aí, um homem raro. A sua visão do “pacote” da democracia era radicalmente diferente daquele que nós, par delicatesse, aceitamos. Respeito a memória de Álvaro Cunhal cem anos depois do seu nascimento. Tive familiares que estiveram detidos em Peniche ao mesmo tempo que o “camarada Duarte”, um dos  seus pseudónimos na clandestinidade. Tive e tenho familiares que  foram sempre comunistas. Eu parti muito cedo, e definitivamente, numa outra direcção. Faltava-me tudo o que eles possuiam: acreditar no "homem" e na sua "salvação doutrinária", a disciplina férrea, a "felicidade pela coerência" e, sobretudo, a “história” de um "Portugal dos Grandes" entretanto desaparecido.

 

Foto: Público

2 comentários

De só elogios? a 11.11.2013 às 14:35

Decerto a coerência,a determinação e o sacrifício foram constantes em Cunhal.Com que fim? A salvação cunhalista do Homem foi experimentada no século XX.Talvez chegasse.Há quem pense que não,que se deve retomar sob "rectificação dos erros".Voltem a ler os textos fundadores do comunismo(Marx e Lenine) e o balanço das vítimas.

De fado alexandrino a 11.11.2013 às 17:38

Salazar só morrendo saiu de cena. Cunhal também. Foram ambos dois ditadores. Não sei porque é que um insultado todos os dias nos jornais e ao outro pouco falta para o colocarem num altar.

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