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portugal dos pequeninos

Um blog de João Gonçalves MENU

Património

João Gonçalves 26 Jan 13

 

No Público, Cristina Fernandes pergunta se "o São Carlos ainda tem uma temporada". O ano passado o único teatro lírico português tinha um orçamento de cerca de 14,5 milhões de euros, dos quais 850 mil euros afectos à produção lírica propriamente dita e 500 mil ao bailado uma vez que a Companhia Nacional de Bailado foi "incorporada" no Teatro num dos muitos momentos desvairados da gestão Pires de Lima. Provavelmente em 2013 terá menos e, como desde há muitos anos, o grosso da verba destina-se a manter o "funcionamento"", ou seja, vencimentos e estrutura da casa propriamente dita. Imagino que existam dívidas básicas como, por exemplo, a bombeiros cuja presença em espectáculos é obrigatória. À semelhança do que sucede lá fora, seria importante (até para elas) que as nossas maiores empresas se associassem a sério ao Teatro de São Carlos por forma a que voltasse a ser a "sala de visitas de Portugal", sem a conotação salazarista do termo, de par com o que melhor se faz em qualquer parte do mundo . Foi-o, efectivamente, durante e depois da Segunda Guerra Mundial, quando os grandes teatros líricos europeus estavam encerrados. E assim continuou, entre maiores ou menores intermitências e infelicidades, com as direcções de Freitas Branco, João Paes, Serra Formigal, Ribeiro da Fonte, Ferreira de Castro e Pinamonti. No ano em que por todo o lado se comemora a obra de Verdi e de Wagner (e pelo palco do São Carlos passaram sempre os maiores intérpretes de ambos os mestres sob a direcção musical de grandes maestros), a coisa não pode ficar reduzida às chamadas três óperas populares do primeiro (Il Trovatore, Rigoletto e La Traviata) em regime caseirinho e de puro desenrascanço. Atingiu-se um inimaginável patamar em que está em causa, como escreve Cristina Fernandes, a "dignidade de uma instituição ímpar da cultura portuguesa". Se há 42 milhões de euros para pagar a indemnização compensatória da RTP, este ano, e outro tanto para a "reestruturar" em dois, como é que um património tangível  e intangível (que devia estar integrado nas redes internacionais operáticas) como o Teatro Nacional de São Carlos acede, a custo, a pouco mais do que um terço disso, impedindo-se de manter uma temporada digna desse nome? Ser cosmopolita e ter mundo também passa por saber responder a isto.

6 comentários

De observador labrego a 28.01.2013 às 00:24

Não vale chorar sobre o leite derramado e importado.

Para poder chorar, teriam de ir comummente às recitas das escolas de música, amadores e afins, comenta-las e não ver resultados disso.

Fora disso, não vale chorar sobre o que não se promoveu ....

De Marques a 28.01.2013 às 01:40

Supunha que o S.Carlos,com a fúria anti-elitista = anti cultural dos últimos governos,já estivesse definitivamente encerrado,conclusão lógica do populismo primitivo que tem caracterizado a gestão recente do país nestas matérias. Referiu-se bem ao passado relativamente recente do Teatro. Faltou dizer que no pós-guerra havia uma temporada no Coliseu,com os mesmos cantores do S.Carlos,mas com preços baixos,e com o maior sucesso e frequência genuinamente popular. Os "responsáveis" encarregaram-se de exterminar o gosto popular pela ópera,anulando as temporadas do Coliseu. Dizia um meu estimado professor da Faculdade,que não se surpreendia que certas pessoas tivessem cursos superiores,mas sim que tivessem concluido a instrução primária. É o caso dos autores do assassinato do S.Carlos e do gosto pela ópera em Portugal. Não sabem,porque nasceram ontem,que a ópera,alem de ser uma das mais altas e completas expressões da cultura,pode ser e é extremamente popular em muitos países,como era em Portugal. Restam-nos apenas sombras e memórias? Parece que sim. O trabalho dos bárbaros e filisteus foi desta vez concluido com sucesso.

De Costa a 28.01.2013 às 10:35

"Ser cosmopolita e ter mundo", entre nós, significa - significava, naqueles tempos de abastança artificial - viajar a crédito até ao Brasil (o clima é quente, os cenários das telenovelas estão por lá e a lingua é suficientemente parecida para que nos façamos entender, dentro das necessidades básicas; o facto daquilo estar cheio de sinais da nossa história é, convém notar, absolutamente irrelevante para o cosmopolitismo do português médio, em regra, aliás, ansioso de ser mais brasileiro do que os brasileiros).

Significa também, apanhar um avião para ir ver a "nossa selecção" (seja isso o que for), ou o clube, jogar - e em regra perder - algures num país qualquer, numa cidade que rapidamente se esquece qual seja. Apanha-se o avião, segue-se directo para o estádio, cumpre-se o sagrado ritual ululante, e daí de novo para o avião. E regressa-se ao "nosso Portugal", onde a bifana, a "sande" de courato e a "mine", comidas no meio da lama, por entre carros parqueados sem lei, algures perto do estádio que é o templo, são muito patrioticamente iguarias únicas e irrepetíveis.

Em que país se passou isso, o que há por lá de relevância histórica, cultural ou natural, de nada interessa. Interessa sim apurar a precisa medida em que o árbitro tenha sido um grande filho da p... (e em regra são-no reiterada e copiosamente). A fiel leitura de um ou mais dos três (três!) jornais diários de futebol, consolará as almas em função da sua devoção específica. O serão oferecerá adicional liturgia, sob a forma de vários senhores - de uso circunspectos doutores ou engenheiros - quase diariamente perdendo, à vista de milhões, o mais elementar sentido do decoro e dos bons modos.

Como é próprio do culto em causa.

É este o nosso cosmopolistismo. O resto, se de pouco ou nada interessava em tempos de vacas gordas, de que interessará agora onde, literalmente, a fome regressa e os sonhos, os mais básicos sonhos de mobilidade social ascendente (no pátuá do tempo que vivemos), são irreversivelmente rechaçados?

É pena, mas é assim.
Costa

De Marques a 29.01.2013 às 01:39

Quanto ao comentário do "Observador"(sobre o resto,ele lá sabe) referente ao "importado",gostaria de lembrar que um espectáculo de ópera em Portugal movimenta uma grande maioria de recursos portugueses:o teatro e os seus funcionários,a orquestra,o coro,e diversos cantores,só se usando algumas "estrelas" estrangeiras. De resto alguns portugueses têm brilhado em grandes palcos internacionais,como actualmente Elisabete Matos,e antes Tomás Alcaide,para não recuarmos a Luísa Todi. A ópera é um espectáculo naturalmente internacional,foge dos nacionalismos bacocos,pois a cultura normalmente floresce onde não há barreiras, e abomina a mesquinhez patrioteira.

De observador labrego a 30.01.2013 às 00:32

Terá muita razão no que diz!

Esclareço que o que quis focar é que só vejo comentar doutos espectáculos em S. Carlos e/ou Gulbenkian, e pouquíssimo mais.

Ora parece-me que, para termos espectáculos com bom nível e sustentado devíamos ver amiúde comentários sobre simples recitas onde aparecessem os novos talentos e se prepara a nova fornada de talentos, até para se separarem o trigo do joio, sabermos para onde vai e o uso do dinheiro que metemos nas escolas de música (articulado obligé) .

Se isso não é feito, não se lamentem do estado do S. Carlos, do fim dos do Coliseu, do fim da Festa da Música e etc.

PS - Já agora, não se esqueça da Suggia , manas Sá e Costa, etc.

De Marques a 30.01.2013 às 18:36

Para "Observador"
Felizmente que a benevolência do Dr. Gonçalves nos permite um espaço que por vezes se assemelha às desaparecidas tertúlias. Agora dou-lhe razão na lamentável ausência de cobertura noticiosa ou de reportagem quanto à actividade de conservatórios,escolas de música ou academias regionais,onde estudam,treinam e se estreiam futuros concertistas,cantores,etc, que poderiam e deveriam dar maior contribuição à definhada vida musical do país extra-Lisboa e Porto. Claro que isso não é incompativel com o mínimo de atenção que devia ter sido dado ao S.Carlos,que até podia subsistir em regime de jejum e abstinência,mas com inteligência e relações,como o maltratado Pinamonti demonstrou. Mas suponho que isso tem tambem a ver com a obsessão anti-elitista dos "responsáveis" e dos media,que estùpidamente supõem que os jovens só podem apreciar rock,punk,metal,e semelhantes. Ignoram por exemplo que em quase todas as Universidades e muitos liceus americanos há uma orquestra clássica,e que se há algo de positivo na Venezuela é o sucesso do programa musical nacional que traz para a prática musical jovens de bairros e regiões desfavorecidos,com resutados como o Gustavo Dudamel e a sua Orquestra Juvenil.
Finalmente não me esqueço certamente da Suggia e das Sá e Costa,mas naquele contexto falávamos de ópera e cantores,e não da "outra" música. Infelizmente nunca ouvi a Helena,por quem tenho o respeito de saber que foi discípula e participante em concertos com um dos maiores pianistas do século,o grande Edwin Fischer. A Suggia,julgo que pouco se apresentou em Lisboa,e eu era muito novo nessa altura. E não falemos só do S.Carlos e da Gulbenkian,tambem há a Casa da Música,apesar dos cortes. E vou pensando que os pesados problemas que a Arte Musical defronta neste triste país resultam mais da falta de inteligência,imaginação e sensibilidade dos dirigentes responsáveis ou irresponsáveis,do que pròpriamente do dinheiro.


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