«Aparece um indivíduo afirmando-se cumulado de títulos e funções (ex-bolseiro da Gulbenkian, consultor do Banco Mundial, coordenador mandatado pelo Secretário-Geral da ONU, professor universitário), desdobra-se em entrevistas à imprensa, a reuters certifica-o, senta-se nas mesas redondas das intermináveis parlapatanices televisivas, é orador convidado em jantares promovidos pelas mais desvairadas instituições - umas sérias, outras nem tanto - ganha respeitabilidade sentando-se com Bagão e Maria Barroso, é coqueluche de blogues.O país rende-se-lhe, ouve-o, exulta com o tom de milagre no ar das boas novas que debita. A crise não existe, a dívida é uma ilusão, quem tem culpa é o governo. O Cagliostro de trazer-por-casa, o Rei da Ericeira, o novo pasteleiro do Madrigal continua, alarga-se a multidão de seguidores. Para mais, é de esquerda, cidadão empenhado, abaixo-assinante em tudo que envolva amanhãs cantantes, senador da esquerda revolucionária, defende um onírico "ministério da Felicidade; tudo aquilo que faz pergaminhos e confirma brasão e título. O português, maioritariamente semita ou berbere, acredita em elixires, em sinais e presságios, curas milagrosas. É contra tudo e de tudo duvida, não ouve a razão, desdenha da clareza, mas se lhe surgir pela frente um António Conselheiro - e tantos têm sido os messias ao longo dos quarenta anos que levamos deste regime - transfigura-se, adere cegamente, não balbucia. O fim do mundo passou, e com o alívio do não cumprido armagedão, o falso Dom Sebastião é posto a descoberto. Seixas da Costa ainda protesta a presunção de inocência, outros descalçam as botas que ajudaram a fabricar para o novel marquês de Carabas. Mas para este caso não vai haver uma cela na Bastilha, uma galé ou uma carnificina no Paço da Ribeira. Isso era dantes. No paraíso da Dona Branca, de Vale e Azevedo, Alves dos Reis e Duarte Lima, permite-se que haja mágicos, conquanto seja apenas um de cada vez. Ao longo da vida todos temos conhecido a mais diversa casta de aldrabões, mentirosos e falsários aos pés dos quais são depostos os mais sonoros pachões e os mais cheirosos pivetes. Já o meu saudoso pai me advertia: "não te aproximes demasiado", "isto não é gente de confiança", "estão sempre prontos para todo o tipo de habilidades e, depois, paga quem foi ingénuo". É altura, caros leitores, de duvidarmos por princípio, duvidar sempre, até prova em contrário. Bom Natal no grande Rilhafoles em que se transformou Portugal !»
Adenda: O Miguel, de facto, diz o fundamental do enorme embuste que é a nossa vida mediática à qual bastou um pequeno episódio digno de circo de província para a casa vir abaixo (não vem porque não temos vergonha na cara). Por outro lado, é interessante - estou a ser benevolente por causa das tréguas natalícias - ver como os actuais magos da opinião que se publica e vê, mais encostada ao socratismo dos últimos dias e ao bota-abaixismo persistente em relação à "situação", se tentam desembaraçar do embaraço mediático provocado por um pantomimeiro qualquer que alegrou e certificou por magros dias as suas "certezas". Não se iludam. As nossas "elites" são mesmo assim - um híbrido sórdido entre o sistémico, o oportunismo puro e o lunar.
A amizade tem destas coisas; eu sei que o Artur levou tudo isto muito a sério, tão convincentemente acreditou em si próprio que os "pés-de-microfone" dos nossos "media" começaram logo a salivar, mas eu prefiro pensar (ou imaginar, também tenho esse direito) que o Artur quis pregar uma enorme partida (estavam a precisar),numa segunda edição da célebre encenação do Manecas Mocelek, do Michel e do Nicha Cabral e que teve o malogrado José Mensurado como vítima.
João, aceita um abraço e os votos de um Santo Natal para ti e todos os teus.