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portugal dos pequeninos

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José Hermano Saraiva

João Gonçalves 20 Jul 12

 

Estava a almoçar quando o plasma à minha frente, na RTP1, noticiou a morte de José Hermano Saraiva. Era a cores mas Hermano Saraiva apareceu pela primeira vez na minha vida aí pelos idos de 1971,1972, quando frequentava o ciclo preparatório no Externato da Luz em Lisboa. Os meus pais tinham uma televisão que era um móvel bonito, da Philips, e H. Saraiva surgia uma vez por semana num programa chamado O Tempo e a Alma. A preto e branco, com um olhar profundo em direcção do espectador, Saraiva iniciava-me na nossa história sem preocupações de erudição ou de academismo pueril. Ele comunicava e nós comunicávamos com ele. Mais do que o historiador de ideias ou o periodista histórico, Hermano Saraiva era sobretudo o divulgador excepcional. Excepcional porque sabia "fazer" televisão. Histriónico, actor imenso como poucos que denotam a profissão, Saraiva "era" o programa de televisão e, essencialmente, serviço público dela. Porventura seria melhor jurista que historiador mas ficamos a dever-lhe  a memória mediática de um País enquanto retrato físico de si mesmo. Havia excesso e fábula? Havia seguramente. Todavia nenhuma sociedade sobrevive sem um módico de "realismo mágico" ou de imaginação que era aquilo que Saraiva transmitia como ninguém. Nem mesmo o irmão, o cosmopolita exilado e enorme historiador da cultura nacional, Antonio José Saraiva, conseguiu, anos depois, na mesma ainda descolorida RTP, prodigalizar esses momentos únicos de televisão. Em 1985, numa sala escurecida da Academia das Ciências, passei uma tarde inteira a entrevistar - como se não tivesse sido sempre ao contrário - José Hermano Saraiva para o Semanário, talvez a pretexto da sua muito discutida Vida Ignorada de Camões. Aquele iconoclasta ironista - fisicamente pequeno e grande na sua fala, nos seus gestos, na sua generosidade contida - estava sozinho comigo e com o meu bloco de notas e falava como se à sua frente estivesse uma multidão. Nunca sentiu necessidade de bajular o regime saído do 25 de Abril ao contrário de outros que ele tão bem descreve nas suas "memórias" que o semanário Sol devia agora reeditar em um livro só. E nunca renegou Salazar a cuja memória seguramente permaneceu fiel até à manhã de hoje, ao arrepio de alguns prosélitos notórios que ainda segregam a ridícula "vergonha" freudiana por terem servido o "Pai". José Hermano Saraiva talvez não fosse um "democrata" como muitos soit-disant que vão aparecer por aí para o carpir ou insultar. Pouco importa. Isso nunca impediu os dois irmãos - o anti-salazarista António e o salazarista José - de se amarem profundamente como a correspondência e os gestos o atestam. O que revela um Homem. Chega-me.

 

Adenda: A RTP, através de uma entrevista realizada ainda este ano por Fátima Campos Ferreira a José Hermano Saraiva, esteve à altura de um serviço público de televisão que foi, afinal, o que Saraiva protagonizou durante quatro décadas praticamente sem interrupções. Bela recordação do irmão António: «a outra metade da minha alma.»

5 comentários

De Samuel Vieira a 20.07.2012 às 17:21

(se achar pertinente)

Era por volta dos anos 90. Tinha 13 anos, talvez 14 ou 15... não recordo com exactidão . Falava-se muito na altura da vinda do Cristóvão Colombo à Azambuja, onde se encontrara com D. João II, e, ao que parece, ainda tivera tempo de deambular pelo Cartaxo! Com o mesmo impulso reclamava-se uma vez mais nesta vila o acontecimento de Ourique. Era então, eu, um petiz apaixonado e muito curioso destes assuntos. Se o Colombo me soaria a estranho, o que faria ele ali, já D. Afonso, o Henriques, não! Habituado a que estava desde menino que fora ali, ali, no poço de S. Bartolomeu que o rei dera de beber água ao seu cavalo… (ele, as suas hostes e os seus cavalos e cavalgaduras). Também fora ali numa capela que o quasi-rei-de-Portugal ouvira missa com os seus oficiais antes da dita batalha. Outros pormenores se seguiriam, o acampamento e o milagre. Mas, aqui o que interessava ao povo era só que o rei viera combater a moirama em Ourique e antes disso ali matara a sede. E isto, não era por ele inventado. Resultava de um panfleto do general Vitoriano José César e as suas conclusões mitificadas pelo orgulho do povo eram contadas como verdades acérrimas do tempo dos mouros e que distinguiam a antiguidade daquela muito antiga aldeia. Acrescentava o general que depois da batalha as hostes aclamaram D. Afonso pela primeira vez como rei, num processo que se tornou comum sempre que destes acontecimentos, conquistas ou escaramuças patrióticas havia. Catequizado nestas lendas e mitificações, vivia fascinado com a nobreza dos assuntos. Foi neste contexto que viera ao Cartaxo o prf . José Hermano Saraiva, dar uma conferência à escola onde estudava sobre o supra pertinente Cristovão Colombo. Fascinado e petrificado pelo avistamento de um homem que só da televisão conhecia, ouvi. Falou-se de Colombo e falou-se de Ourique. Mas da minha perturbação nada. Imbuído em esclarecer tudo encaminhei-me para o professor. E foi na porta da escola que tudo se passou. Determinado perfurei muralhas de pessoas que o envolviam. Diante dele, num ato de pouca pertinência para uns, e gloriosa coragem para outros, agora, envergonhado e corado, quase tremendo a voz, mas cheio de vontade em esclarecer a minha curiosidade militante, perguntei-lhe:
- Sr. prof . diz-se que foi aqui que D. Afonso Henriques foi aclamado rei de Portugal, a propósito e depois da batalha de Ourique!
- (Colocando o seu braço no meu ombro, responde) Sabe, D. Afonso Henriques gostava muito das terras do Ribatejo, é provável que por aqui tenha sido já que para ele este era um lugar admirável.
Da sua figura, não muito alta, meus olhos, naquele tempo, recordo quanto era radioso o seu semblante de onde parecia emanar paixão e tudo quanto dele conhecemos. Nada foi um acaso. Bem-haja!

Samuel Vieira

De Isabel de Deus a 21.07.2012 às 15:23

Recebi o maior elogio de toda a minha vida profissional, quando um aluno me disse que as minhas aulas lembravam os programas de José Hermano Saraiva. Modestamente reconhecendo o abismo que me separa dele em erudição e muitos outros parâmetros, fiquei feliz. Ainda ontem lhe admirei a sinceridade com que respondeu a um jornalista que lhe tinha perguntado se era bom ter 92 anos. A resposta foi sonora e imediata: NÃO! Depois explicou que não pode ser bom ver-se a perder faculdades e pessoas queridas. Mais uma grande lição! Espero que tenha recuperado tudo o que perdera e chegado a um mundo melhor.Quem me dera ter disso a certeza!

De Nuno Castelo-Branco a 21.07.2012 às 21:12

Dei-me ao trabalho de coçar a minha proverbial preguiça e fui dar uma espreitadela aos blogs dos "humanistas da esquerda". O regozijo pela morte de JHS é tão palpável como o descarado estalinismo iezhovista que propalam sem nojo e vergonha. Lembrei-me logo do foguetório atirado ao ar pelos autarcas "APU" da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, precisamente naquela noite de Dezembro de 1980, a invernosa noite de Camarate. Mas, convenhamos, eles são sinceros. Ssabemos que com eles no poder, contaremos o desfiar da vida por dias ou meses. Ali não há lugar para evoluções, novos caminhos, regenerações e muito menos ainda, rupturas. Vivem alegremente no seu trogloditismo de antanho.

De António Viriato a 22.07.2012 às 01:32

Apreciei o depoimento, condigno com a figura ora desaparecida, um homem de forte personalidade, no essencial, bom e dotado de um enorme poder de comunicação, que encontrou na História o seu terreno de eleição para animar os Portugueses, reconciliando-os com a sua História, os seus Heróis e as suas Tradições. Só por isso, já mereceria a nossa consideração.

De S.Guimarães a 22.07.2012 às 16:05

José Hermano Saraiva,foi um Homem com um perfil extraordinário, tendo por esse facto passado incólume de todas as "tratantadas" dos novos senhores da política.
Homem leal, nunca precisou de se arvorar em novo-democrata como tantos outros, que necessitaram desse estatuto para se "amesendarem" no conforto do politicamente correcto. Contador de historias genial, improvisador por excelência, JHS até em feliz coincidência, tem nas iniciais do seu nome algo de sagrado. Homem de cultura ímpar, sempre me fascinou, a sua morte deixou-me pesaroso, tanto como se fora um parente que vi partir.
Sinto que Portugal perde um dos melhores Homens da cultura dos últimos dois séculos.
Aqui lhe presto com o devido respeito, o preito da minha admiração e homenagem.
Que descanse em Paz
S. Guimarães

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