(...) e agora, mais de trinta anos na cabeça e no mundo, e não, não um dr. mas mil drs. de um só reino, e não se tem paciência para mandar tantas vezes à merda, oh afastem de mim o reino, afastem-nos a eles todos, atirem-lhes aos focinhos o que puderem dela, sim até se acabar a mirífica montanha, ó stôr não me foda com essa de história literária, o stôr passou-se da puta da mona, a terra extravaza do real feito à imagem da merda, e então vou-me embora, quer dizer que falo para outras pessoas, falo em nome de outra ferida, outra dor, outra interpretação do mundo, outro amor do mundo, outro tremor, se alguém puder tocar em alguém oh sim há-de encontrar alguém em quem toque, dedos atentos atados à cabeça, luz, um punhado de luz, cada lenço que se ata a própria seda do lenço o desata, a luz que se desata, aí é que se ouve a gramática cantada, imagine-se, cantada para sempre sem se ver a quem, baixo ressoando, alto ressoando, mexendo os dedos nas costuras de sangue entre as placas do cabelo rude, rútilo cabelo e o sangue que suporta tanta rutilação, tanta beltà, beauty, que beleza! diz-se, fique aí onde está dr. porque para si já se reservou um quilo, uma tonelada, desculpe, estou com pressa, alguém lá fora dança na floresta devorada, alguém primeiro escuta depois canta através da floresta devorada, desculpe dr. mas já desapareci como quem se abisma num espaço de hélio e labaredas, eu próprio atravesso o incêndio imitando uma floresta, fui-me embora pela floresta infravermelha fora, não estou para essas merdas floresta vermelha fora Herberto Helder: A Faca Não Corta o Fogo - Súmula & Inédita. Assírio & Alvim
A Primavera colorida
tanto tarda em aparecer,
há muita gente tão ferida
com o orgulho a perecer.
São tantas nuvens por dissipar
neste país escurecido,
ficando o sol por destapar
para um povo carecido.
Um novo fulgor reforçado
deve ressoar concludente
neste Portugal repassado
por um regime decadente.