
«A degradação a que a nossa classe média chegou não se cura com menos de uma catástrofe», escreve Pulido Valente no Público. Como aperitivo catastrófico, o orçamento para o qual ele tem vindo a recomendar "viabilização", sugerindo sevícias públicas ao dr. Passos e ao prof. Cavaco por não serem mais explicitamente coniventes com Sócrates, serve perfeitamente. Num país com a nossa dimensão material e ética, "público" e "privado" confundem-se amiúde. Salvo uma outra raríssima excepção, o "privado" e a "sociedade civil" sempre floresceram à conta do Estado e da mão estendida. Para não irmos mais longe, veja-se a mais recente procissão banqueira à oposição e ao governo, por esta ordem. "Dissolver" o Estado é fechar o país. Não é que se perdesse grande coisa mas julgo ainda necessário um esforço intelectual para não alinhar com a matilha acéfala que passa a vida a falar da função pública como da lepra medieval. Nunca vi ninguém enriquecer na função pública - não me refiro, como é óbvio, a cargos de nomeação política ou associados. Se, por milagre de coluna de jornal ou de aparição televisiva, o Estado acabasse amanhã, de que viveriam os grilos falantes do regime? Das suas extraordinárias pessoas e feitos? De uma sociedade fictícia, inteiramente "privada", como uma "casa de segredos"? Quando Pulido Valente, nos seus livros, agradece nomeadamente ao Instituto de Ciências Sociais "a situação excepcional" que lhe "permitiu trabalhar em paz" ou que lhe deu "tempo, espaço e liberdade" para escrever, está a agradecer a quem?
Com total conivência do Bloco Central governante, incompetente e irresponsável, e instalado nos lugares de responsabilidade da própria Administração.
Deliberadamente, diz-se que "o Estado é mau gestor", sem esclarecer que os gestores do Estado são os governos, e os gestores nomeados pelo mesmo, segundo critérios de interesse estritamente partidário.
Os serviços e os funcionários dos serviços e da administração, são obrigados a trabalhar no caos gerado pelos títeres políticos. Na "legalidade" e impunidade com que a conivente Assembleia da Republica os sustenta.
Irresponsabilidade, incompetência e interesse ganancioso, patenteada em inúmeros episódios, entre o trágico, o tristemente cómico, e em reformas sempre para pior.
O trágico: porque caiu a Ponte de Entre os Rios, depois da desastrada reforma da JAE, cozinhada pelo Cravinho, para defender apaniguados, e esconder a corrupção?
Trágico-cómico: o novo aeroporto, na Ota ou na outra banda, tanto faz, as pontes e o TGV, uma espiral de milhões, gastos sem um plano nacional, devidamente fundamentado, sem dinheiro nem sustentação, uma dança de gente louca por dinheiro do Estado, a mando da banca e das construtoras...
Com a canalha que o Bloco Central escolhe e selecciona para nos governar.
Com a maioria na AR, e os Governos, transformados em lobbies do capital selvagem.
Com os serviços públicos entregues a incompetentes técnicos.
Com os serviços públicos formatados para "aceitar sem pensar" e "justificar tecnicamente", todos os disparates de lesa pátria que os políticos impõem à Nação.
Com os serviços e funcionários públicos desacreditados diariamente
na comunicação social.
Não podia ser de outro modo.
Está claro que "as políticas são correctas" e "o Estado é mau gestor"...!