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"Os tempos são ligeiros e nós pesados porque nos sobram recordações". Agustina Bessa-Luís
João Gonçalves 30 Set 22
Na Praça Vermelha de Moscovo celebra-se a reunificação de quatro regiões ex-ucranianas com a Federação Russa. No Kremlin, Vladimir Putin produziu um discurso notável, nos termos geopolíticos estritos definidos pela Rússia pelo menos desde o começo deste século. Não se trata, pois, de valorizar o acto da assinatura da reintegração daquelas regiões na FR quanto de apreciar o que o presidente russo disse. E disse muito. Nomeadamente em direcção às atordoadas lideranças políticas ocidentais que distinguiu dos respectivos "povos". Não por acaso, a primeira reacção veio da presidente da Comissão Europeia que tem alguma dificuldade cognitiva em perceber as alterações geopolíticas em curso no mundo inteiro. Depois veio tudo a reboque, com a estafada ladaínha das sanções (mais sanções) cujos resultados se têm afigurado magníficos para o "lado de cá" europeu. Zelensky, esse correu a pedir uma adesão rápida à NATO (já realizou o tempo de espera longo quanto à UE) como se, apesar da ousadia da Aliança em se estabelecer praticamente nas circunvalações russas, ela estivesse disposta a um conflito global liderado de um lado pelos EUA e do outro pela Rússia e, em certo sentido, pela China. É que, a partir de agora, gostemos ou não, as quatro regiões reunificadas com a Rússia são território dela com tudo o que isso acarreta. "Ponto final", disse Putin. Eu não iria tão longe. Talvez seja mais prudente um "ponto final, parágrafo".
João Gonçalves 28 Set 22
Ora "esta lepra que nos mata" - a expressão é de 1943 e pertence à filósofa Simone Weil - como que "atacou" as democracias liberais ocidentais gerando, como referi, citando Manuel Maria Carrilho em "O que aí vem", esta imensa procissão de leprosos que carregam às costas o fardo da mediocridade das suas elites políticas e o seu próprio, agora famosamente inflacionado, quer no sentido económico do termo, quer pelas circunstâncias ocorrentes aceleradas, todas, no pior sentido em 2022. Carrilho lança na quarta-feira o seu segundo livro daquilo a que quero chamar "a tetralogia virtuosa", "A democracia no seu momento apocalíptico", precisamente sobre isto tudo. O "prólogo" será o "Pensar o que lá vem", de Janeiro de 2021.
A "primeira jornada, o "Sem retorno", de Setembro do mesmo ano. A "segunda jornada", este. E uma "terceira jornada" que se chamará, provavelmente, "Impensar". É tão raro pensar-se por cá o que interessa que continuo com Carrilho para a semana.
João Gonçalves 28 Set 22
"Há cada vez menos pessoas que defendem a democracia e cada vez mais pessoas que são indiferentes aos regimes autoritários. E isto passa-se, cada vez mais, com os mais jovens.
A espiral fatal do extremismo do centro?
É o modo de governo, é um modo que tira o poder aos cidadãos. Mas falo do apocalipse porque todos os processos que já referi levam a que tenhamos uma política de um pragmatismo sem qualquer visão, ninguém sabe o que vai acontecer. É tudo imediato, é tudo remendos, e o curto prazo é outro elemento fatal para a democracia. Se vivemos num regime de curto prazo não temos possibilidades de consolidar qualquer projeto.
A Europa tornou-se especialista em superar crises sem as resolver. Tivemos a crise da moeda, a crise da saúde, a crise da ciência e agora temos a crise da energia. Há todas estas ilusões de ir andando para a frente sem nunca se resolver aquilo que está para trás.
O que é que explica essa grelha de leitura permanente associada à crise?
É o não se assumir a crise. Como é que se sai de uma união que não funciona? Na verdade, sabemos como se sai, com união política, com harmonização fiscal e com o fim da desigualdade económica. Mas nada disto se fez, pelo contrário, todos estes fatores se agravaram, mas são negados. A Europa é um avião sem piloto. Ursula von der Leyen, penso que de forma imprudente, identifica a causa da Ucrânia com a causa da democracia.
Existem geringonças porque acabaram as ideologias, aumentou a fragmentação política e social e, portanto, a democracia transforma-se cada vez mais.
Em quê?
Deixa de ser um regime político ancorado nesta ideia da transformação das sociedades a partir da liberdade dos indivíduos e da sua força coletiva, para ser um simples modo de designação dos governantes. Aquilo que estamos a ver hoje em Itália, por exemplo, não tem nada a ver com o que se passou com Mussolini, isto é algo completamente novo. Temos é de descobrir o que é este novo.
Portugal continua a ser um país, a meu ver, atordoado e desvitalizado. Não há nenhuma visão, nem nenhum programa e é também rebocado porque desde a entrada na União Europeia, e particularmente nos últimos anos, anda a reboque. Nem esse reboque fazemos bem-feito, porque mesmo com todo o dinheiro que nos chega da Europa vemos que não há projetos ou que não há uso desse dinheiro. Há um guiché para as necessidades urgentes, mas não há visão global. A política vive num estado constante de conformismo patológico e isso faz muito mal à sociedade."
João Gonçalves 25 Set 22
Um momento da história bem conhecido, desta vez contado pelo outro lado, do qual falei oportunamente, na revista "Ler", quando o livro saiu. Todavia, descontando o passado do narrador, o bom do livro (que é de génio) é prover-nos com um narrador que é, afinal, o homem médio contemporâneo. Não, não somos todos nazis disfarçados de bons chefes de famílias numerosas ou monoparentais. O extremismo dominante agora é outro, como se apreende lendo nomeadamente "A democracia no seu momento apocalíptico", de Manuel Maria Carrilho, a ser lançado na próxima quarta-feira em Lisboa. É o extremismo de centro que trivializou distinções e liquidou a intransigência libertadora, com a rápida ascensão do pior individualismo societário em todos os níveis da actividade humana, a do indivíduo e a colectiva. Tudo se dilui na multidão indiferenciada de homens médios para quem tudo, salvo as funções vitais como comer ou evacuar, é facultativo porque ilimitado. O narrador foi um convicto abjecto, mas converteu-se a uma "aurae mediocritas" que fez durar a sociedade contemporânea sem grandes oscilações até à pandemia e a esta guerra. Dificilmente Littell escreverá outra coisa assim. Tão premonitória quanto "ahistórica". A vida anda a imitar demasiado a arte. Não se é bom.
João Gonçalves 22 Set 22
Excerto do texto sobre Michel Houellebecq que escrevi para o livro "Linhas Direitas", de 2019. O da fotografia é dele, em "O mapa e o território", numa magnífica tradução de Pedro Tamen. No (meu) título original, o ensaio intitulava-se "Houellebecq, o escritor de uma civilização danificada". Há três anos não podia adivinhar que o livro seguinte - estávamos no momento "Serotonina" - se iria chamar "Aniquilação". Em 2022, persiste o mais notável leitor do contemporâneo, precisamente quando a vida anda a imitar a arte da pior maneira.
Toda a literatura “houellebecqiana” é uma literatura reveladora do declínio, não se sei se irreversível, da noção de “Ocidente” tal qual o conhecemos até sensivelmente o final do Verão de 2001. Simultaneamente, representa a tentativa, entre o romanesco, o “ideológico” e o filosófico, da superação dessa queda pela ironia, o humor, a tristeza ou o amor, enfim pelo regresso ao sentimento sem um pingo de sentimentalismo folclórico.
As Esquerdas tenderão a ver ali um misógino egoísta, reaccionário e depressivo porque não percebem que ele é o Balzac possível do primeiro século XXI, sem demasiado proselitismo afectivo ou outro qualquer. E as Direitas podem rejeitá-lo por alegadamente promíscuo ou desrespeitador da “norma”, por sinal há muito não definida por elas.
João Gonçalves 19 Set 22
19 de Setembro de 2022. O fim de um tempo.
Isabel esteve sempre "por cima", sem nunca ter sentido necessidade de se vulgarizar, o que teria sido um desastre num reinado repleto de vicissitudes sociopolíticas e culturais. À semelhança da sua real antecessora, a homónima Isabel gozou sempre da afeição dos "Comuns", aqui no duplo sentido parlamentar e popular. Sem populismos. E, como ela, poderá dizer que "embora Deus me elevasse tão alto, no entanto conto como glória da minha coroa o ter reinado com o vosso amor". Descanse em paz que bem merece.
https://www.jn.pt/opiniao/joao-goncalves/amp/a-rainha-do-povo-15176698.html
João Gonçalves 16 Set 22
Passa hoje o 45º aniversário da morte de Maria Callas. Sem ela, o canto lírico contemporâneo - já estou a incluir este maldito século XXI - seria algo completamente distinto. A "regra" foi ela. Poderá mesmo dizer-se que a ópera (ou algumas óperas em concreto) naquela asserção do realismo do excesso (na magnífica expressão do Augusto M. Seabra a propósito de outro grande intérprete, também norte-americano como a Callas, Jon Vickers) que a caracteriza enquanto espectáculo total, como que foram "inventadas" para a Callas. É o caso de Bellini e de muito Donizetti. Toda a imensa gravitas, todo o pathos e todo o bathos do belcanto se fundiram, como um cadinho, na sua voz incomparável. Incomparável não exactamente por ser quimicamente pura - não era -, mas porque a aliança da respectiva extensão com uma extraordinária capacidade histriónica, fazia de cada apoteose, de cada recusa e, para o fim, de cada fracasso um momento único e irrepetível. Callas possuía a força das suas fraquezas, a grandeza das suas fragilidades, o sobre-humano da sua condição muito humana. Parecia que tinha uma vida fácil e frívola. Começou gordíssima e acabou estilizada. Posou moda. Entre o cume e o eclipse os anos foram demasiado poucos. Não há herdeiras para fenómenos destes que raramente acontecem. Callas persiste orgulhosamente solitária e fulgurante num universo que parece ter existido propositadamente para ela. E que, sem ela, trivializou-se e só por defeito brilha.
Foto: Callas em "Norma", de Bellini, na Ópera de Chicago.
João Gonçalves 14 Set 22
No "Tal&Qual" de hoje. Lá também encontram uma pequena "comparação" entre a presença de um alto dignitário do país nas comemorações do dia da independência brasileira a 7.9. 2004 - o então primeiro-ministro Pedro Santana Lopes a quem o então PR brasileiro, Lula da Silva, deu a esquerda - e a de Marcelo, há dias, para o bicentenário da coisa, espremido à esquerda de um amiguinho qualquer menor de Bolsonaro que este colocou entre ele e o nosso PR. As coisas são como são.
João Gonçalves 12 Set 22
Leio que morreu o professor Vítor Manuel Aguiar e Silva que, nas últimas obras, assinava Vítor Aguiar e Silva. Foi professor na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra da qual a estupidez oportunista "abrilista" o expulsou. Era exigente, como soía ser-se, mas, na opinião de um seu antigo aluno de lá - que passou para Lisboa onde acabou catedrático também -, e meu amigo, Joaquim Manuel Magalhães, foi o seu melhor professor em Coimbra. VMAS pertenceu a uma estirpe da crítica literária académica em extinção. "Dialogava", nos seus livros, com aqueles que analisava sem melindrar ninguém, e sem perder um átomo da argúcia interpretativa. Pegue-se, por exemplo, em "Camões - labirintos e fascínios", com Sena e Hermano Saraiva, ou somente com o primeiro, no notabilíssimo "Jorge de Sena e Camões". Explorou pioneiramente, podemos afirmá-lo sem hesitações, a teoria da literatura que desenvolveu em ensaios recheados de boas intuições na, agora, sua última e magnífica obra "Colheita de Inverno". Foi prémio Camões em 2020. O filistinismo atirou-se-lhe rapidamente por causa do "passado". Os brutos nunca leram, com certeza, nada de nada do Prof. Vítor Manuel de Aguiar e Silva. Mas foram logo a correr “lembrar” a sua passagem pela antiga Assembleia Nacional onde foi deputado. Não foi sequer ministro ou secretário de Estado, ao contrário de outros “professores doutores” que o actual regime “recuperou” em ministros, deputados, presidentes de partidos, “senadores” da República e membros do Conselho de Estado. Não. Aguiar e Silva, felizmente para ele e para os seus alunos e leitores, dedicou-se à sua obra virtuosa, que fez nossa, isto é, de quem não se fica por rodapés e indexes. Trabalhou ainda com a Universidade do Minho que estará certamente de luto. Eu, seu mero leitor atento, limito-me a curvar-me respeitosamente diante da sua obra e memória.
João Gonçalves 12 Set 22
Passaram todos, de Churchill a esta infeliz Truss, e Isabel ficava e observava. Como observava o Mundo com o seu refinado humor inteligente e austero. Não teve grande sorte com a família. Mesmo aí, ergueu-se sempre acima da circunstância e da vulgaridade. Não é preciso ser monárquico para reconhecer nesta Grande Mulher o símbolo de uma maneira de servir que inexiste, há muito, antes do seu desaparecimento físico. Nunca me interessou - e julgo que a ela também não - qualquer dimensão cor-de-rosa da monarquia que personificava. Um "tom" acentuado aquando da breve passagem de Diana Spencer pela família, e que um saloio e oportunista Blair cavalgou como pôde. A rapariga nunca esteve à altura daquilo para que tinha sido convocada pela vida, como escreveu Agustina. Infelizmente, nem tão-pouco alguns de sangue real. Mas Isabel colocou-se permanentemente acima disso. Combinou, com rara sensibilidade, razão e inteligência, tradição e "modernidade" sem nunca transigir no essencial. Aliás, outra coisa não seria de esperar de alguém que, ainda muito jovem, andou a pé pelas ruínas de Londres bombardeada pela aviação nazi. Esta gente que governa o Mundo não existe perto dela senão como ficção, e da má. Olhe-se, por exemplo, para a palhaçada em curso num Brasil há duzentos anos independente disto. Por triste coincidência, o nosso chefe de Estado estava no meio dela no dia em que Isabel nos deixou. Depois, é só comparar o incomparável e o impensável em que tudo, por todo o lado, se encontra. Isabel fazia evidentemente parte da minha paisagem desde sempre. Da primeira vez que estive em Londres, sozinho, com dezasseis anos, passava o jubileu dos vinte e cinco anos de reinado. Tive então o tempo e a paciência que já não tenho para tudo absorver. Isabel é morta. Que o seu espírito luminoso possa continuar connosco.
https://www.jn.pt/opiniao/joao-goncalves/amp/isabel-e-morta-15156722.html
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