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"Os tempos são ligeiros e nós pesados porque nos sobram recordações". Agustina Bessa-Luís
João Gonçalves 18 Fev 18
Num fim de semana dominado pelas ameaças do presidente de um clube da bola à liberdade de imprensa e pelo lamentável congresso do PSD, o Expresso concluiu o seu ciclo de entrevistas aos antigos Chefes de Estado com Cavaco Silva. Das três - Sampaio, Eanes e Cavaco - esta é mais "política" de todas. E não o é por Cavaco responder mais ou menos directamente a questões da "actualidade" (vamos só ver uma de seguida) ou por apreciar "perfis" de protagonistas político-partidários.
Não houve uma palavra política no fim do congresso do PSD para a justiça, salvo a exibição de uma antiga bastonária da Ordem dos Advogados como vice presidente. O PSD precisava de uma populista fácil para se demarcar do passado recente? Acho que não. Rio tem sido demasiado ambíguo quanto a Joana Marques Vidal quando essa sua vice presidente não foi. Cavaco também não é. mas por bons motivos. "Não estou absolutamente nada desiludido em relação à sua actuação, tem dado um contributo para a dignificação da função judicial."
Cavaco, muito agradavelmente surpreendido por Macron, "desmonta" a falácia ideológica que, precisamente, alguns daqueles protagonistas usam no dia a dia da medíocre vida pública portuguesa.
Por exemplo, Costa resumiu tudo ao simplismo museológico da "esquerda vs. direita" quando precisa insultar, usando o artigo definido ("a" direita) como se estivesse a falar de uma praga medieval ou de um livro de uma verdade revelada. E com Rio no PSD parece que foi descoberta a roda, isto é, a social-democracia que pôs de lado "a longa noite neocon e neoliberal" de Passos que, só por acaso, salvou o país de uma bancarrota alarve deixada pelo partido que, em Portugal, representa a Internacional Socialista. Ora a história de ambos os partidos mostra que as lideranças bem sucedidas foram as que levaram a respectiva água ao seu moínho (cito Mário Soares) e não as que fizeram proselitismo "ideológico". Quando se vê e ouve adversários declarados do PSD, e da sua indisputável liderança do centro-direita (ao fim de 40 anos ainda há temores e tremeliques no pronunciar do termo direita), a elogiar o "recentramento" do partido e a babarem-se de hipocrisia porque o PSD "regressou" ao bom porto da social- democracia de Sá Carneiro - por acaso o primeiro a perceber, logo em 1979, que apenas uma frente política reformadora liderada pelo PSD tem condições de se opôr eficazmente ao domínio do Estado, e derivados, por um PS que nunca abandonou o "sonho mexicano" dos anos 70 -, percebe-se que entrámos em terreno pantanoso e falacioso. Em curtas horas, os delíquios comentadeiros porque Rio quer medir, e proventura confundir, a sua social-democracia com a de Costa são eloquentes. Os três mandatos de Rio na Câmara do Porto "social-democratizaram" mais a cidade do que os de outros social-democratas que tomaram conta da cidade antes de Gomes? Até o Bloco de Catarina já é praticamente um campeão da social-democracia, depois de 2015, do que do velho trotskismo dos fundadores. Se Rio quiser ser "original", é melhor ir procurar o "mambo jambo" a outro lado.
Aqui entra Cavaco. "Faz muito pouco sentido hoje, em matéria de governação, em particular, falar de direita ou de esquerda, principalmente num país que está integrado na União Europeia e na zona euro, em que a interdependência das economias e a integração dos mercados é muito grande". Ou seja, "o pragmatismo tem vindo a impor-se e a ideologia aparece acantonada em partidos mais pequenos que não são governo, principalmente no que respeita à parte económica". O PSD quer "acantonar-se" no seu breviário social-democrata? Acho que não.
Depois Cavaco explica muito bem a questão da dívida (e por que é um erro crasso falar na sua reestruturação, ignorando na posse de quem ela está maioritariamente) e o grande mito do crescimento. "Não faz sentido observar o crescimento do PIB em Portugal isoladamente" porque estamos aquém do verificado nos países que também tiveram ajustamentos, salvo a Grécia, pois "Portugal deve ao governo presidido pelo doutor Passos Coelho não estar numa situação não muito diferente" da Grécia onde "a produção caiu 25%, o desemprego ultrapasa ainda 20%, as áreas de empobrecimento aumentaram brutalmente, a degradação dos serviços públicos não tem nada de comparação com Portugal". "Não alinho nos foguetes que a comunicação social costuma divulgar quando sai um número do INE. Imediatamente vou ver os números dos países da UE, vou pensar se Portugal tem choques assimétricos positivos ou negativos, e depois vou ver o que tem a Espanha, nosso principal mercado, Chipre, Irlanda".
É que "Portugal está a beneficiar de uma envolvente externa extraordinariamente favorável: taxas de juros extremamente baixas, perto de zero, durante um período longo, como nunca se viu na história monetária portuguesa; deslocação de turistas de outros destinos para Portugal; crescimento económico da União Europeia que há muito tempo não ocorria, com destaque para Espanha, nosso pincipal cliente, para onde exportamos cerca de 27% do total; e preço do petróleo muito baixo".
E devia aproveitar este "quadro de benesses externas", tão raramente conjugadas, para correcções de "desequilíbrios estruturais": "o enorme endividamento do país, a insustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde e do sistema de Segurança Social, a baixíssima taxa de poupança das famílias, a falta de capital, o inverno demográfico, a reforma do Estado".
Portugal, é como quem diz, este governo do "muito hábil" Costa e a oposição (que deve ser "forte e indiscutível") de Rio.
João Gonçalves 11 Fev 18
O Henrique Raposo escreveu um ensaio no Expresso a que deu o título de "Purgatório, um retrato de Vasco Pulido Valente". Mais. Avisa que oportunamente nos irá brindar com uma "biografia política e intelectual" do homem. Li uma parte durante a noite. Adormeci, dado o adiantado da hora apenas.E retomei de manhã. Vasco Pulido Valente (VPV) foi meu professor duas vezes. A primeira, no ano zero do curso de Direito da Católica - de História, dois semestres, um primeiro em torno dos mistérios da "identidade nacional", e uma segunda parte sobre o século XIX português, antes da Revolução de 1820, ou seja, fundamentalmente as invasões francesas, a fuga da realeza e os ingleses - e a segunda, num único semestre do último ano do curso, numa cadeira facultativa chamada "história das relações internacionais" onde se contava a história da Europa entre as revoluções (1848) e a II Guerra Mundial (1939), baseada num livro famoso de A. J. P. Taylor.
Antes disto, já lia (e, por consequência, já sabia quem era) VPV por causa dos jornais. Por junto, são mais de quatro décadas de "convivência intelectual" que os livros ajudaram a completar. VPV, apesar de pertencer a uma "geração" da qual saíram nomes conspícuos mais ou menos para tudo, foi sempre atípico dela no sentido em que preferiu os bastidores aos palcos. Curiosamente, a única vez em que ajudou alguém a subir ao palco (Sá Carneiro), e a permanecer lá, foi contra essa geração. Em 1985, com Soares, estava nos bastidores como, aliás, tinha estado no primeiro "eanismo" (com Carlos Macedo e outros que depois se zangaram com Eanes), de 1976-1978, ou na Aula Magna, no primeiro congresso do PS, pela "social-democratização" do partido (ao lado de Cunha Rego, Alfredo Barroso e outros) contra a facção Manuel Serra, um congresso onde ironicamente Manuel Alegre teve um papel decisivo nesse processo de "endireita" do partido.
Se chamo estes pequenos detalhes aqui, é porque não os encontrei no texto de Raposo. Por exemplo, a ligação a Eanes começou na RTP, em 1975, quando o então major presidiu à casa em pleno PREC. Prosseguiu informalmente em Belém, como disse, onde VPV acabou por ser um "ghost writer" de alguns discursos "tomba governos Soares" dessa época. Depois, por ocasião da recandidatura de Eanes em 1980, VPV seria peça política essencial da candidatura do Gen. Soares Carneiro, da AD. Se o foi igualmente (com Barroso, de novo, António-Pedro Vasconcelos ou António Barreto) no MASP 1985-1986, desapareceria da recandidatura de Soares em 1991. Muito menos apoiou Sampaio, que fora seu amigo nos anos 60. E começou por escrever o melhor artigo sobre Cavaco em 1995 ("Chegou o Presidente"), para ir dando dar cabo dele até às eleições. Cavaco, ou melhor, o cavaquismo é muito aludido no texto de Raposo como um dos ódios de estimação "snob" do estudado. É e não é. VPV e Cavaco foram colegas de governo entre 1979 e 1980. VPV era do círculo político íntimo do 1º ministro (SE adjunto e SE da Cultura), suponho que Cavaco não. Mas Cavaco tirou amplo proveito dessa passagem pelas Finanças para tomar o PSD e o governo por dez anos. E aquando da segunda maioria, em 1991, VPV não falhou com um ou dois textos importantes onde se explicava por que é que não valia a pena mudar de Cavaco.
Numa longa litania no Observador, em Janeiro de 2017, por ocasião da morte de Soares, VPV tornou a explicar por que é que Soares era o tipo dos dois primeiros D's do programa do MFA, descolonizar, democratizar (aliás, ideia recolhida da comunicação de Medeiros Ferreira, a partir do exílio na Suiça, lida pela Maria Emília ao Congresso de Aveiro da oposição democrática, de 1968 ou 69) e Cavaco do terceiro, desenvolver.
O "famélico de Boliqueime" é uma facécia que não chega, a meu ver, para fazer um ressentimento de classe por cima. Tal como "a cabeça de um regedor da I República" de Mário Soares. Nunca foi nem um "indefectível" soarista, nem um "incansável snobista" desprezador de Cavaco. Pelo contrário, Raposo é que parece ter a necessidade de invocar persistentemente o "lumpen" e o "social" (ora por baixo, ora por cima), ao longo de todo o texto, para malhar VPV com a novilíngua dita libertária do que passa em Portugal por liberal, aconchegando, de caminho, alguma representação mediática circunstancial desse "libertarismo liberal", tão, mas tão académico, afinal.
Nem sequer me parece relevante apurar se VPV é de esquerda ou de direita (Raposo jura que ele foi sempre de esquerda). O que é certo é ele ter contribuído ("the pen is mighter than the sword"), contrariamente ao que escreve Raposo, para retirar ao PS o famoso "sonho mexicano" dos anos 70 e, com o PSD, Reformadores, CDS, PPM e independentes que depois apareceram nas elites do cavaquismo, introduzir a direita pós-marcellista (um período que VPV considerou o melhor da vida dele: ele constatou as melhorias nacionais 1950-1974 ou 1851-1908, Raposo) neste regime. Há alguma lógica sincrónica (e cronológica) nisto: menos asfixia marcellista, PS social-democrata, RTP e "ambiente cultural e comunicacional" liberto do PC, liderança institucional de Eanes contra o "sonho mexicano", falhanço dessa liderança que passou para Sá Carneiro, Soares Carneiro para flexibilizar mais depressa o sistema económico, sem militares, Cavaco para "desenvolver". Balsemão ou Guterres, ou mesmo os interregnos da direita com Barroso e Lopes, não o entusiasmaram particularmente. Nunca deu corda ao autoritarismo socrático. Tentou sempre perceber Passos. Teve fraquezas por Portas, mas "ça va de soi".
É por isso um pouco leviano dizer que "VPV nunca se adaptou ao país democrático e igualitário que perfurou aquela Lisboa pequenina e oitocentista do salazarismo, acabando por se refugiar numa espécie de exílio oitocentista". Vamos por partes. Se alguma coisa o salazarismo era, era "ancien regime" e não oitocentista. Pelo contrário, a chamada monarquia constitucional, em certo sentido, foi do mais "progressivo" que ainda conseguimos ter. Depois, não é uma questão de "adaptação" a um país democrático. Na raíz, o país persiste autoritário e imaturo. Dos seus mais pequenos e insuspeitos sinais aos maiores, nos poderes institucionais e outros. É bom que haja sempre alguém que detecte e denuncie esse autoritarismo "democrático" de um regime que não há meio de tornar-se adulto. E persiste muito pouco igualitário, fora da retórica habitual, o que prejudica a denominada meritocracia logo nos acessos. Se nunca derem a oportunidade a um miúdo de Barrancos ou de Boticas a apreciar Bach, se quiser, o que é que me adianta andar com o credo do país igualitário na boca?
Penso que VPV sempre tentou perceber (título de um livro seu, "Tentar Perceber") o país a partir de três ou quatro "capítulos" da sua história política, económica, social e cultural do século XIX em diante. Até acredita, a avaliar por entrevistas recentes, que o país é "reformável", coisa em que eu, a não ser para efeitos meramente administrativos, deixei de acreditar há muito tempo. Ele sempre afirmou ler e reler vezes sem conta o Eça de Queiróz, ficando-lhe a falhar uma biografia. A "vulgata queirosiana", como lhe chama Raposo, é a apoteose literária da ironia, não é nem a do pessimismo nem a do cinismo filosóficos ou sociológicos. As "cenas" dos livros do Eça também servem para "tentar perceber" o país macrocéfalo, intolerante e hipócrita que continuamos a ser. Continua-se a aprender mais numa página dele, sabendo que se trata de pura literatura, do que em cem ou quinhentas que deve dar o somatório dos autores citados no último parágrafo de Raposo. Mas escapou a Raposo "o" autor de VPV para os efeitos pretendidos nesta parte do ensaio e que nem uma única vez é mencionado: Oliveira Martins. Sim, o Oliveira Martins do "Portugal Contemporâneo" que, à sua maneira, VPV foi escrevendo ao longo destas décadas. Serão ambos "homens de tempos abolidos"? Se calhar são. Todavia, abençoados sejam.
Primeiro tem de me explicar o que é isso do “desta...
obviamente nao é culpa do autor ter sido escolhi...
Estou de acordo. Há questões em que cada macaco se...
Fui soldado PE 2 turno de 1986, estive na recruta ...
Então António de Araújo foi afastado do Expresso p...