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portugal dos pequeninos

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Uma entrevista inteligente

João Gonçalves 14 Ago 15

 

Marcelo a Nuno Saraiva no Diário de Notícias. Alguns excertos de uma entrevista inteligente.

A questão da notoriedade já não se coloca, não há quem não o conheça.

Coloca-se em termos muito diferentes. Estando há 14 anos sistematicamente na televisão e com as audiências que tenho tido, há um reconhecimento relativamente generalizado de quem sou. De vez em quando, ainda tenho esse bálsamo, essa alegria que é ir a um sítio em que há uma pessoa ou duas que não me conhecem. E isso é um bálsamo porque, quando me conhecem, isso significa a pessoa ter o dever de falar, ouvir, aconselhar, partilhar e, quando são várias pessoas ao mesmo tempo, de fazer selfies… Enfim, tudo aquilo que imagina. E não me resguardo, o que é um comportamento muito diferente de outras pessoas que conheço e que estão na política ou estão, por exemplo, na televisão; não é que não façam uma vida normal, mas não se expõem tanto.

Com a capacidade de mobilização que toda a gente lhe reconhece porque é que adia para outubro a decisão sobre as presidenciais?

Não se é candidato por uma questão de notoriedade. Se fosse por isso, teríamos aí uma série de figuras a quererem ser candidatos à Presidência da República. Só a referi no caso de Lisboa [autárquicas de 1989] porque era dramaticamente baixa. Não havia a televisão que há hoje, não havia internet. Era tudo mais lento em termos de ganhos e, do outro lado, estava uma pessoa [Jorge Sampaio] que tinha notoriedade porque aparecia todos os dias como líder da oposição. Mas não basta. A pessoa quando avança para uma candidatura tem de ponderar uma série de factores importantes. Há uns que são intemporais. A visão que tem do país, da Constituição, do Presidente da República. Mas não basta, porque há muita gente com uma visão sobre o país – é natural que tenha, cada um tem a sua –, há até alguma gente, menos, com uma visão sobre a Constituição, implica conhecê-la. E há alguma gente, bastante, com uma visão sobre o que é o Presidente. Mais difícil é ver o que é o Presidente na Constituição. Depois isso cabe ou não no perfil constitucional? Isso não se muda do pé para a mão e o Presidente sozinho não a muda. Quem muda são os partidos por revisão constitucional, e exigindo um amplo acordo. Há outros factores importantes e entre eles a noção de que, no quadro das hipóteses disponíveis num determinado momento, há um dever de avançar por se considerar que se está em melhores condições para desempenhar o cargo. E isso implica apreciar o quadro das várias hipóteses disponíveis, implica comparar, implica também fazer uma autoavaliação: como é que a pessoa está fisicamente? E psicologicamente? E a sua disponibilidade familiar? Imagine-se os filhos ou os netos, no meu caso, que estão num país muito distante. Há vários factores ponderados em conjunto. Além destas razões todas, há uma outra, a meu ver muito importante, que é não misturar eleições. As legislativas são eleições para o governo do país. Embora se elejam deputados, acaba por se querer eleger um primeiro-ministro e um governo. Eleger um Presidente é coisa diversa. Misturar as duas traria a tentação de sobreposição de discursos. Por um lado, os partidos estarem a concorrer e, ao mesmo tempo, falarem da Presidência da República, do tipo de Presidente ou do candidato a Presidente. Por outro lado, os candidatos presidenciais, às tantas, ficarem com tiques de primeiros-ministros, quase sentindo a obrigação de ter programas de governo para justificar o porque é que estou agora a lançar-me? Porque vou mudar isto e aquilo e aqueloutro. Às tantas, uma parte do que se diz é o que o governo ou o Parlamento podem fazer, mas o Presidente não pode. Se já é complicado votar à saída da crise, com a Europa com uma série de indefinições, se já é complicado ter duas eleições practicamente coladas, entendi sempre que não valia a pena aumentar a complicação em termos de discurso e de candidaturas. Sendo dois filmes que eram sucessivos no tempo mas diferentes entre si.

O facto de ter o seu capital de notoriedade ajuda a que possa protelar o mais possível essa decisão.

Não, até vou dizer mais sobre isto. Um dos riscos grandes da sobreposição das candidaturas era aprisionar os candidatos presidenciais. E os candidatos presidenciais, na letra da Constituição, são independentes, embora vários deles, resultantes de áreas dos principais partidos, tenham tido o apoio desses partidos. Nesta situação concreta da vida portuguesa, entendo que há um anseio na opinião pública que é justificado no sentido de reduzir ao mínimo a ligação entre os partidos e as candidaturas presidenciais. O ideal seria não haver qualquer ligação entre uma candidatura presidencial e um ou vários partidos políticos. E como é que isso se materializa? O candidato presidencial pode dizer, embora agradecendo as manifestações de partidos para o apoiar, que prescinde porque não é apenas desnecessário como não desejável esse tipo de vinculação.(...)

Que perfil tem de ter o próximo Presidente da República?

Tem de ser resultado, por um lado, da Constituição e, por outro lado, da conjuntura vivida. A Constituição é o que é, não vejo que seja fácil – até por aquilo que é a conjuntura vivida – haver um acordo de revisão que mexa no sistema de governo, presidencializando- o . Era útil se isso acontecesse? Não. O que está na Constituição está bem. Há pontos a rever e a retocar mas, genericamente, está bem. Neste quadro, tem de caber na Constituição o que o próximo Presidente deve ser e deve fazer, mas não pode ignorar o país que temos. É um país que está a sair de uma crise, uma saída que pode ser mais rápida ou mais lenta e que não é homogénea. Há sectores sociais que saem mais depressa do que outros. Vai ser assimétrica, desigual. Há uma forte probabilidade de instabilidade e de mais difícil governabilidade nos próximos anos. Porque não haverá maiorias absolutas. A esta distância das eleições legislativas, parece muito difícil o salto de 37% ou 38% para 44% ou 45%. Num lado ou noutro. O que obriga a um esforço de, não apenas convergência de regime – e essa tem conhecido um recuo nos últimos anos.(...) Vai ser preciso que o próximo Presidente, até porque provavelmente vai coexistir com mais do que um governo, seja capaz de fazer pontes, de dialogar com os vários interlocutores, que esteja numa posição central para o poder fazer porque o diálogo vai fazer-se essencialmente ao centro, uma vez que os dois principais partidos estão um no centro-esquerda, para a esquerda, e outro no centro-direita, para a direita. E que tenha, se possível, alguma experiência nesse tipo de actuações. O perfil anda por aí. Quando vejo divagações teóricas sobre o que deve ser o Presidente... Não é que o Presidente não tenha uma ideia sobre o sistema político. Participei em revisões constitucionais em que isso foi um tema muito tratado, como a de 1997 que abriu para a redução do número de deputados, para a mudança do sistema eleitoral. Não é que um Presidente não deva ter um papel importante, pensando sobre domínios das políticas sociais ou da administração pública ou da justiça. Mas o que se espera do Presidente é o que cabe na Constituição: antes do mais, trabalhar para a governabilidade, para a estabilidade e para as convergências de regime. (...)

Sendo um crente assumido, tem medo da morte?

Não. Não. É a dimensão, no fundo, mais importante da minha vida. E digo-lhe que num caso de dúvida, numa decisão, o que vai fazer pesar para um lado ou para o outro, é aquilo que entendo que um cristão deveria preferencialmente fazer. A morte é uma passagem, mesmo. E é uma passagem que começa a preparar-se desde sempre, que começa a preparar-se durante a vida. Não se prepara apenas no momento da aproximação à morte. Muitos não crentes que se convertem, ou não se convertem mas fazem essa tentativa de aprendizagem de preparação para a morte, e muitos crentes que têm o temor da morte e têm de aprender a lidar com a morte, deixam isso para a última hora. Um crente, na minha visão, está preparado para morrer a qualquer momento.

E isso não é um paradoxo em alguém que é hipocondríaco?

É um bocadinho paradoxal. Como é um bocadinho paradoxal se há alguma pessoa que é considerada muito cerebral e muito racional ter uma fé muito bruta e prevalecente. A hipocondria, se quiser, é o sucedâneo do médico que gostaria de ter sido, mais do que uma coisa obsessiva que realmente domine os meus comportamentos. A morte vai-se preparando no dia-a-dia. Porque a morte é vida, também ela, à sua maneira. É a passagem para outro tipo de vida. É evidente que não acredito no Céu no sentido clássico de ser o lugar ideal onde todos nos encontramos – que seria difícil, os biliões e biliões de seres humanos e andarmos à procura “onde é que está o fulano tal?” Mas acredito no Purgatório. Acho que há um Purgatório, há uma punição por aquilo que é o saldo negativo do haver-dever, do que deixamos de dar aos outros. É isso que vai sendo essencialmente julgado, o que é que demos aos outros comparado com aquilo que, egoisticamente, demos a nós mesmos. Os pecados todos são pecados de egoísmo. E, portanto, nessa avaliação, há os que têm um percurso mais longo porque olharam para si mesmos de mais e de menos para os outros. E outros têm um percurso mais curto, alguns mesmo nulo ou instantâneo. Aqueles infelizes, aquelas crianças que nasceram e morreram num clima de guerra ou de fome, sem serem ouvidos nem achados, em que as pessoas se perguntam onde é que esteve Deus no momento daquele nascimento ou daquela morte. Pois esses vão directos para o Céu. Não há Purgatório para eles.

Nunca teve dúvidas relativamente à sua fé?

É evidente, pois se a Madre Teresa de Calcutá e se os santos todos tiveram dúvidas, um pobre pecador tem imensas dúvidas. Há uma fase da vida, a adolescência, em que é da lógica das coisas ter muitas dúvidas. Coincidiu, felizmente, com o Vaticano II, que foi uma forma de avançar para além das dúvidas. Mas, permanentemente, colocamo- nos dúvidas. E a fé é uma fé que não é irracional. É uma fé que é feita de admitir que há dúvidas e há realidades difíceis de explicar mas, ainda assim e para além disso, acredito. E, portanto, a morte sucederá. A minha última construção sobre a morte é a seguinte: a morte surgirá quando – porque sou também, o que é curioso para alguém que é muito racional, providencialista – estiver esgotada a missão que posso cumprir. E, muitas vezes, o próprio não é o melhor juiz. E só se aperceberá mais tarde ou nunca se aperceberá desse juízo, que é um juízo divino. E aí, esgotada essa missão, a pessoa morreu. E, portanto, não é uma realidade que me angustie.

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