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portugal dos pequeninos

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Urrar em vez de falar

João Gonçalves 16 Mai 15

 

«A vitalidade do nosso português está nos seus grandes escritores, Miranda, Camões, Bernardes, Vieira, Herculano, Camilo, Eça, todos conhecedores do seu Virgílio, do seu Horácio, do seu Ovídio, mesmo do seu escolar Tácito, César ou Salústio. Todos lidos, estimados e estudados no Brasil, que por eles faz muito mais do que nós alguma vez fizemos, por exemplo, com Machado de Assis. E é também por isso, que a maioria dos escritores portugueses contemporâneos recusa o AO, como quase toda a gente que está na escrita e vive pela escrita e é independente da burocracia do estado. Todos sabem que o português permite todas as rupturas criativas, dos simbolistas ao Sena dos Sonetos a Afrodite Anadiómena – “E, quando prolifarem as sangrárias,/ lambidonai tutílicos anárias,/ tão placitantos como o pedipeste”, – ao “U Omãi Qe Dava Pulus” de Nuno Bragança. Criativamente a nossa língua vernácula suporta e bem tudo, menos que seja institucionalizada com uma ortografia pobre e alheia à sua história. O futuro do português como língua já está há muito fora do nosso alcance, mas o português que se fala e escreve em Portugal, desse ainda podemos cuidar. É que é em Portugal que o português está em risco, está na defensiva, e o AO é mais uma machadada nessa defesa de último baluarte. É em Portugal que um Big Brother invisível, que se chama sistema educativo, retira todos os anos centenas de palavras do português falado, afastando das escolas os nossos escritores do passado e substituindo-os por textos jornalísticos. É em Portugal que uma linguagem cada vez mais estereotipada domina os media, com a substituição dos argumentos pelos soundbites, matando qualquer forma mais racional e menos sensacional de conversação. É em Portugal que formas guturais de escrita, nos SMS e nos 140 caracteres do Twitter, enviados às centenas todos os dias por tudo que é adolescente, ou seja também por muitos adultos, se associa à capacidade de escrever um texto, seja uma mera reclamação a uma descrição de viagem. É neste Portugal que, em vez de se puxar para cima, em nome da cultura e da sua complexidade, em nome da língua e da sua criatividade, em nome da conversação entre nós todos que é a democracia, se puxa para baixo não porque os povos o desejem, mas porque há umas elites que acham que a única pedagogia que existe é a facilidade. E é neste Portugal que uma geração de apátridas da língua, todos muito destros em declamar que a “a nossa pátria é a língua portuguesa”, minimizam a nossa identidade e a nossa liberdade, que vem dessa coisa fundamental que é falar e escrever com a fluidez sonora do português, mas também com a complexidade da sua construção ortográfica. É como se estivéssemos condenados a escrever como se urrássemos em vez de falar.»

 

José Pacheco Pereira, Público

 

Adenda: Miguel Sousa Tavares, um autor que recusa o "acordo ortográfico", sugere na sua crónica no Expresso que, por exemplo, um candidato presidencial que é "senhor professor doutor" (e autor de uma enternecedora tese intitulada Le temps des professeurs), em vez de se  preocupar em ser um "transportador de desassossego", deveria antes perorar contra isto. Impossível, meu caro Miguel. O "senhor professor doutor" apresenta-se, em letra de forma, em "acordês". Já Henrique Neto, sem ser "professor doutor" ou dar manchetes, tem uma posição clara sobre o "acordo". Vá lá ver.

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