Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]

portugal dos pequeninos

Um blog de João Gonçalves MENU

Avançar através de dunas movediças

João Gonçalves 31 Dez 14

 

Não há "balanços" porque não existem propriamente interrupções. Um dia anterior é igual ao dia seguinte que é igual ao dia anterior aconteça isto em que calendário acontecer. Quem diz dias, diz meses e anos. Envelhecer quer dizer simplesmente isto - olhar para trás, para a frente ou para o lado passa a produzir, em rigor, o mesmo efeito. Nenhum. Os interlocutores sérios desaparecem - no meu caso posso referir o José Medeiros Ferreira - ou deixam de ser interlocutores por qualquer frivolidade típica ou atípica. De uma maneira geral vai triunfando o "arremelgado idiotismo" de que falava, num verso, António Botto em homenagem a Fernando Pessoa. Veio, aliás, para ficar apenas mudando os idiotas. Mas envelhecer também é esta extraordinária "imagem" de Enrique Vila-Matas: «envelhecer talvez tenha a sua graça, todavia também é verdade que envelhecer serve para comprovar que fizemos um caminho e que o tempo caminhou ao nosso lado; serve para comprovar que avançámos através de dunas movediças que não nos levaram mais longe que ao fim de um trajecto íntimo e que nos deixaram no começo de um deserto do qual, ao olhar para trás a tentar recuperar qualquer coisa da nossa Calle Rimbaud, apenas podemos entrever um velho caminho em que o tempo, já às portas do deserto, escreveu o fim abrupto do nosso mundo, do mundo.» Que o novo ano vos liberte da crucificação pelos aborrecidos.

O pretty boy de Passos Coelho

João Gonçalves 30 Dez 14

 

O delegado do dr. Passos no Funchal, Miguel Albuquerque, é o novo presidente do PSD Madeira. Os moralistas de serviço - são sempre os mesmos independentemente do assunto, das circunstâncias ou das pessoas - viram nesta vitória a "libertação" da Região Autónoma das "garras" de Jardim. Isto como se Jardim não tivesse sido eleito ou como se Albuquerque não andasse no partido desde que usava bibe. Perfez, aliás, três mandatos como presidente da Câmara do Funchal e só saiu por causa das limitações legais. Talvez agora Passos possa ir oficialmente à Madeira mesmo sem saber se Albuquerque tem arcabouço para, pelo menos, ganhar as próximas eleições regionais. Ao contrário dos Açores, por onde andou de ilha em ilha alegremente de braço dado com o sr. Cordeiro, Passos parece ter feito questão em ignorar politicamente a Madeira. Marcou e desmarcou cimeiras entre o governo e o executivo regional, furtou-se a encontros com o presidente do governo regional, apareceu noutros que sabia perfeitamente serem promovidos por adversários de Jardim e, quase a culminar o ano, soprou à comissão política nacional do PSD que os deputados escolhidos pela Região Autónoma deviam ser expulsos do partido por terem votado contra a treta do orçamento de 2015. Em Maio de 2013 acompanhei o então ministro da economia numa visita de trabalho à Madeira. Ficou aprazado um encontro com todos os secretários de Estado na tutela de Santos Pereira com o governo regional para finais de Julho. Nessa altura já o dr. Passos tinha removido Santos Pereira para o trocar pelo improvável Pires de Lima que faz as delícias do "meio". Jardim nunca fez o que só abona a favor dele. Como disse nesse momento, «os trabalhos de mais de três décadas de Alberto João Jardim em prol dos seus  - que são os nossos, convém recordar -, mesmo com todos os incidentes de percurso, interessam-me mais do que a frivolidade política doméstica permanente». Estão todos muito contentinhos com a chegada à Madeira do pretty boy do dr. Passos. Oxalá não se arrependam.

Com este mal todo

João Gonçalves 29 Dez 14

O livrinho da foto lê-se num instante. As entrevistas que o autor concedeu quando passou por cá revelaram uma personalidade com um interesse inegável. Isto numa altura em que é cada vez mais difícil descobrir um autor que não se desmanche em trivialidades. Escreveu-o aos dezanove anos. É autobiográfico e revela uma França que só costuma aparecer nos boletins de voto, mais propriamente na cruzinha em cima de Marine Le Pen. Nada que não soubéssemos já de outra gente que precedeu Édouard Louis: apesar de 1789, a sociedade francesa é do mais reaccionário que o mundo tem conhecido. Nada do muito mau que lhes aconteceu, para não irmos mais longe, no século XX foi fruto do acaso: Vichy, o colaboracionismo, a separação visceral (violenta, nas palavras violentas de Louis) entre "direita" e "esquerda" e, sobremaneira, entre "burgueses" e os outros. A aldeia, os comportamentos, os cheiros (os cheiros valem muito neste livro), os corpos (dos animais de duas e de quatro patas), a normalidade patológica de um quotidiano totalitário (o termo também é dele) entram por uma França "profunda" adentro, entre os dois milénios, sem o menor pudor. Muito menos o do adolescente que ele era, então a florescer literalmente entre a merda. Vê-se que leu. Duras, sobretudo ou talvez. Vê-se que tudo lhe subiu à cabeça aparentemente prodigiosa depois de ter sido sentido no corpo. Até no humor negro, e não negro, de certas passagens. Estreia-se bem com este mal todo resumido em duzentas páginas.

O ministro à cabine de som

João Gonçalves 29 Dez 14

 

Paulo Macedo é unanimemente considerado o melhor ministro do dr. Passos. Juntaa isso a circunstãncia de ter sido o mais desejado, depois da demissão de Gaspar, para ocupar a pasta das finanças. Esta parte ficou adiada, quem sabe, para um governo coligatório de diversa natureza. Sucede que as televisões, as rádios e os jornais, por entre menús e repastos cobertos à exaustão de norte a sul passando pelas Regiões Autónomas, deram em prestar atenção ao hospital Amadora-Sintra pelas piores razões. De repente aquilo parecia uma vazadouro de todas as maleitas e proto maleitas de uma área com uma fortíssima concentração populacional. Consta que até o dr. Passos foi "desviado" com uma familiar para um centro de saúde. É certo que os portugueses são mais dados a frequentar uma urgência hospitalar ao primeiro espirro do que um equipamento prestador de cuidados primários. Mas esta inflação à volta do Amadora-Sintra precisa de um "cuidado" político. Na antena 1, de manhã, ouvi o responsável pela administração da saúde distrital. Uma desgraça. O dr. Macedo tem de aparecer até porque normalmente sabe o que diz. Como refere o "povo", sempre "dava outra segurança".

A imagem e as palavras

João Gonçalves 28 Dez 14

Numa entrevista ao Público do derradeiro domingo de 2014, Guterres nunca aborda Portugal. Não precisa. A capa do jornal "fala" por ele. Marques Mendes, igualmente no último comentário do ano na SIC, sugeriu que a melhor disputa nas próximas presidenciais seria entre o "excepcional" (assim mesmo) Marcelo e Guterres. Também revelou "urgência" em que o PSD e o CDS "fechem" a coligação para as legislativas. Se o fizerem, como ficará a questão de Belém? Prevalecerá a célebre moção do dr. Passos contra os "cataventos" ou terá de repetir-se a "cimeira do Tivoli", de Julho de 2013, para rasurar esta parte a bem de renovadas núpcias com o volúvel dr. Portas? Seja como for, um candidato presidencial credível do centro-direita não pode aparecer refém destes rodriguinhos coligatórios. Já basta ao PSD as cedências que terá de fazer na composição das listas para "entremear" os discípulos do Caldas. Ainda por cima o destino é incerto. A coligação soma ou diminui? Cresce ou atrofia? Não tenho as certezas da comentadoria oficiosa sobre a bondade da coligação. E, em boa verdade, estou-me nas tintas. Quanto a presidenciais, menos. Guterres, sem nada dizer, vai fazendo o seu caminho. Marcelo aparentemente também mas ao contrário: tagarela em demasia. E a persistir nisso até ao Verão corre o risco de, na hora da verdade, não ser levado a sério. O seu frenético envolvimento na "novela BES", por exemplo, tem sido pouco mais que desastroso. É por estas e por outras que a imagem serena de Guterres na capa de um diário vale mais que mil palavras.

 

«O receio que geram estes processos em quem procura perceber e melhorar - será possível? - a qualidade (?) da nossa vida colectiva é a de os processos se arrastarem indefinidamente e  não se chegar a lado nenhum em termos de certezas e responsabilização dos principais intervenientes. O processo dos submarinos em que nenhum português tem dúvidas que houve pagamento de luvas e em que nenhum responsável se vai sentar no banco dos réus é um confrangedor exemplo desta ineficácia da nossa justiça. Mas esse não foi o caso nos processos em que são arguidos o ex-ministro Armando Vara, a ex-ministra Maria de Lourdes Rodrigues e o ex-líder parlamentar do PSD Duarte Lima em que se verificaram condenações, consideradas geralmente como pesadas, nos tribunais de primeira instância e que transmitiram à opinião pública a ideia que a justiça não está disposta a "facilitar a vida" aos políticos. Em 2015 saberemos as decisões que vierem a ser tomadas em sede dos recursos que estão a correr... Se estas decisões representam o fim da "impunidade dos poderosos" que é sentida de forma difusa mas consistente na sociedade portuguesa é algo que ainda ninguém pode saber pelo que são particularmente censuráveis as sucessivas declarações da ministra da Justiça quanto ao referido  "fim da impunidade" a propósito de investigações criminais em concreto. Não sei se será o fim da impunidade mas tais declarações são, seguramente, o fim do princípio da presunção de inocência.»

 

Francisco Teixeira da Mota, Público

A última mensagem

João Gonçalves 26 Dez 14

 

A mini praga do natal concluiu-se ontem com uma "mensagem" do dito perpetrada pelo dr. Passos. Em três anos e meio de legislatura, deve ter sido um dos textos mais pobres e esdrúxulos que escreveram para o primeiro-ministro ler. Talvez coubesse num tempo de antena partidário (na realidade era disso que se tratava) mas encaixou mal numa comunicação oficial, a última realizada nesta época pseudo festiva. Até a imagem era horrível. Passos foi mandado sentar numa cadeira cujas costas eram maiores que as dele. Parecia um menino no barbeiro colocado em cima de estrado para "chegar" ao espelho. Sucede que Passos, como os meninos, gosta de se ver ao espelho. Desta vez as sinédoques passaram por "nuvens negras", "futuros abertos" e, imagine-se, "optimismo". Não tenho a certeza que os espectadores tivessem tirado as mesmas conclusões que ele tirou das suas figuras de retórica. O dr. Passos, apesar da conclusão "limpa" do PAEF ( o "verdadeiro" programa do governo a par com os impostos e a persistência no puxar do factor trabalho para baixo), perdeu-se nos desígnios (se é que alguma vez os teve) a meio do caminho. As "nuvens negras" ensombram-nos a todos mas sobretudo a ele que, como lembrava Vítor Gaspar, carrega o  fardo da liderança e o dr. Portas. Não adianta ameaçar com o pode "deitar-se tudo a perder". Já deitou.

As pantalhas

João Gonçalves 24 Dez 14

 

O Senhor Presidente da República promulgou, sem pestanejar, o diploma que prevê a privatização da TAP. Não tenho nada contra nem a favor da privatização da TAP. Mas o PR, nas presentes circunstâncias, devia ter usado a prerrogativa da "palavra". Ou seja, mesmo promulgando, tinha obrigação de fundamentar. Assim, a seco, parece concordar com o momento, os pressupostos e com as ditas circunstâncias: final de legislatura, vender dê lá por onde der e ausência de "consenso" público (de que ele tanto gosta) acerca da matéria. Aliás, o "consenso" fica agora por conta de uma cenoura chamada "grupo de trabalho" que a maioria dos sindicatos inalou e engoliu em nome da bem aventurança natalícia. Até porque uma das objecções que Cavaco secundou para não se privatizar ou concessionar activos da RTP foi precisamente as alegadas "condições de mercado". Haverá milagrosamente algumas para a TAP e em que termos? Ainda hoje, na rádio, Ramalho Eanes recomendou prudência. Mas Eanes é sempre alto do que as pantalhas em vigor.

 «O governo decretou a requisição civil na TAP ao abrigo do decreto-lei n.o 637/74, de 20 de Novembro, um diploma herdado do governo de Vasco Gonçalves. Omitiu, no entanto, a existência de uma lei posterior, o art.o 541o, n.o 3, do Código do Trabalho, que apenas admite a requisição civil de trabalhadores em greve no caso de não serem cumpridos os serviços mínimos. Esses serviços mínimos, por se tratar de empresa do sector empresarial do Estado, não podem ser definidos pelo governo, obrigando o art.o 538o, n.o 4, b) do Código do Trabalho à sua definição por um tribunal arbitral. Ora, o governo decretou a requisição civil, definindo por essa via os serviços que devem ser prestados durante a greve, antes de o tribunal arbitral se poder pronunciar. Parece, assim, que a requisição civil não é apenas ilegal, sendo mesmo um acto viciado por usurpação de poder, uma vez que o governo invadiu a esfera de competência de um tribunal. Esta requisição civil até pode ter um grande apoio na opinião pública, a quem a interrupção do serviço na TAP, nesta quadra, desagradaria profundamente. Haverá, por isso, muita gente a aplaudir uma solução musculada do governo para terminar com a greve. Sucede, no entanto, que o governo está sujeito às leis do Estado português e não às da comissão de boxe do estado de Nova Iorque. E, em face da lei portuguesa, esta requisição civil é claramente ilegal.»

 

Luís Menezes Leitão, i

O equívoco da "diáspora"

João Gonçalves 22 Dez 14

Decorre hoje em Cascais mais um "conselho da diáspora". Ninguém, felizmente, sabe o que é a não ser os do "conselho" e os do "meio" comunicacional e social em que os do "conselho" vegetam. Trata-se, aliás, de uma metáfora chique da verdadeira diáspora - a daqueles que não tiveram outro remédio, por séculos e séculos, a não ser deixar convenientemente esta trampa para trás. Esta gente do "conselho" é de outra extracção. No do ano passado, por exemplo, esteve um membro da mui nobre família Espírito Santo. Presumivelmente, nas palavras do PR, representam "o espírito de portugalidade" - uma abstracção que faz tanto sentido como a "montanhidade" de uma montanha - que, devidamente cozinhado, levará à "criação de vantagens face aos países concorrentes na qualificação do capital humano, na excelência das universidades, na simplificação do ambiente de negócios, na capacidade de investigação, desenvolvimento e inovação e no fomento do empreendedorismo.» Como se pôde constatar um dia destes nos telejornais, o Senhor PR acredita devotadamente no pai natal. Faz muito bem. Sucede que a verdadeira diáspora é uma coisa mais profunda do que a destes pernósticos ensimesmados. Como escreveu Vasco Pulido Valente a pretexto do "conselho" do ano passado, «basta abrir um jornal ou ligar a televisão para se perceber que nesta base o "produto" Portugal ou, como explicam algumas notabilidades da Diáspora, a "marca" Portugal não irá provavelmente pôr o mundo em delírio. O respeito dos que nos conhecem (e dos que não nos conhecem) depende da ordem, da eficiência e da sensatez com que soubermos tratar dos nossos problemas. Não depende de vagas conversinhas de "iluminados".» E, quanto a "diáspora", ficámos definitivamente conversados com Jorge de Sena que, se fosse vivo, não deixaria de manifestar o seu desprezo por estes "iluminados"  distinguindo-os daqueles que regressaram (e regressam, como Camões, a Portugal), «com as mãos vazias, apenas rico de desilusões, de amarguras e do génio que havia posto numa das mais prodigiosas construções jamais criadas, desde que o mundo é mundo. E essa construção ele trazia, reunindo o Portugal disperso, para o que ele deixara a vida, como disse, pelo mundo em pedaços repartida. Ninguém como Camões nos representa a todos, repito, e em particular os emigrantes, um dos quais ele foi por muitos anos, ou os exilados, outro dos quais ele foi a vida inteira, mesmo na própria pátria, sonhando sempre com um mundo melhor, menos para si mesmo que para todos os outros.»

Pág. 1/5

Pesquisar

Pesquisar no Blog

Últimos comentários

  • João Gonçalves

    Primeiro tem de me explicar o que é isso do “desta...

  • s o s

    obviamente nao é culpa do autor ter sido escolhi...

  • Anónimo

    Estou de acordo. Há questões em que cada macaco se...

  • Felgueiras

    Fui soldado PE 2 turno de 1986, estive na recruta ...

  • Octávio dos Santos

    Então António de Araújo foi afastado do Expresso p...

Os livros

Sobre o autor

foto do autor