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portugal dos pequeninos

Um blog de João Gonçalves MENU

Não vamos longe

João Gonçalves 31 Out 14

 

Em Portugal abunda a tendência para a centrifugação rápida das poucas formas de vida diferente que andam, ou andaram, pela política. Enquanto não "repõem" a "normalidade" com uma ecologia de gnomos subservientes ou de inteligência única, não descansam. Se, por exemplo, olharmos para os "comunicadores" que em geral comunicam em nome dos respectivos partidos (filiados ou afins), o afunilamento cerebral é confrangedor. Para o governo, e à medida que saem algumas criaturas com modos diversos de autonomia e de expressão crítica razoáveis, entra a "rapaziada" dos partidos da coligação que já desesperava não poder assistir em directo ao afundamento anunciado. Aproveitam-se poucos dos que estavam. O que sempre não se recomendou politicamente, como o gabinete do primeiro-ministro, parece estar ainda pior como se pôde constatar pelas trapalhadas retóricas do chefe do governo na primeira sessão de debate do orçamento. São como os pavões dos jardins de São Bento: cada um pupila para seu lado. Aliás, o que apanhei do dito debate revelava uma impreparação geral e uma indiferença pelos resultados do que se está a discutir que chegam a ser obscenas. Todos, governo e oposição, já só olham gulosamente para o acto eleitoral por vir como se não houvesse vidas sem módicos de qualidade de vida fora do plenário do antigo convento. Tem, pois, razão Manuela Ferreira Leite quando lembra que «se me tivessem ouvido certamente que o país não estaria como está. Nesse tempo chamavam-me Cassandra considerando que eu era um arauto do pessimismo. Também me recordo que no meu próprio partido aquilo que eu dizia em alguns casos era considerado aselhice política, porque se considerava que eu devia dizer o contrário. Por outro lado, nem sempre todo o partido esteve de acordo comigo e em alguns casos esteve com PS. Não esqueço os silêncios do meu partido e do partido da oposição. Se a política é só isto não vamos longe.» Não vamos mesmo.

 

Adenda: Anda um tipo uma vida inteira a produzir auditorias sobre diversos sectores públicos (claro está, dentro da execrada administração pública ou através da Comissão Europeia na longínqua América Latina, o mais próximo de nós nestes "costumes"), quando, parafraseando o Rui Unas no final de Os Imortais, se descobre que há sempre uns "auditores" mais "auditores" do que nós. Este país derrota.

Um retrato a dois tempos

João Gonçalves 30 Out 14

 

1. «Se a introdução do "amor" na política resolve as dificuldades conjugais reveladas nestes anos de coligação entre o PSD e o CDS, é cedo para se perceber. Os humores na coligação são como o tempo nos Açores: quando persiste uma bruma cerrada dá-se esporadicamente a ingerência de um raio de Sol. As ilhas do canal estavam sob bruma cerrada e nenhum desanuviamento sobre a renovação dos votos com o CDS para as próximas legislativas atravessou o pensamento de Passos Coelho. O assunto vem "a destempo", importa apostar "na reforma do Estado", o tal dossiê que tinha sido entregue a Portas. Passos Coelho, primeiro-ministro e líder do partido mais forte, não facilitará a vida ao parceiro mais frágil: de resto, ao longo deste tempo no governo, nunca facilitou. "Sei que daqui a um ano há eleições", diz Passos Coelho (não foi "o Pedro" a dizer isto, foi o líder do governo que humilhou Portas no Orçamento e que negociará o acordo de coligação que melhor sirva os interesses do PSD). Há mantras que podem tramar um primeiro-ministro. A insistência na "inovação" levou a uma situação absolutamente cómica. Passos é recebido na Câmara da Madalena do Pico pelo grupo etnográfico da Candelária, uma freguesia da ilha. Passos dá os parabéns ao grupo que recolheu os cantares tradicionais do Pico e pede-lhes "inovação".

- Isso não podemos fazer, senhor primeiro-ministro. O nosso trabalho é mesmo preservar as músicas tradicionais.

- Mas devemos pôr inovação em tudo o que fazemos.

Inovação, só a ideia do primeiro-ministro. Mas a tradição ensina: "Eu fui ao Pico, piquei-me/Ai sim, piquei-me, piquei-me lá num picão/O pico nasce da silva/ Nasce da silva e a silva nasce do chão."»

 

Ana Sá Lopes, i

 

2. «A promessa de reposição dos salários dos funcionários públicos em 2016 durou exactamente duas horas. Às dez da manhã, no discurso de abertura da discussão sobre o Orçamento do Estado, Passos Coelho prometia uma “reversão de 20% em 2015 e integral no ano seguinte” para os salários da Administração Pública superiores a 1500 euros. Com uma ressalva que não constava do texto escito: “Se outras propostas não forem feitas entretanto”. Demorou apenas duas horas. Ao meio dia, em resposta a uma intervenção de Os Verdes, Passos contraria o seu próprio discurso e diz que, se for primeiro-ministro em 2016, voltará a propor que a reversão no corte dos salários seja de 20%. “Como se sabe o Tribunal Constitucional não permitiu que se pudesse, em 2016, prosseguir com uma devolução de 20%. Se eu for primeiro primeiro-ministro não deixarei de apresentar novamente essa proposta e proporei que essa reversão seja de 20%”. Ou seja, não haverá ainda devolução integral de salários.»

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Os outros rankings

João Gonçalves 29 Out 14

«O IPO do Porto está a adiar cirurgias por falta de camas. Os doentes mais afectados, segundo noticia a RTP, são os que sofrem de tumores na mama, próstata e aparelho digestivo. Também a área da reconstrução mamária está com atrasos: a espera pela cirurgia pode ir até aos quatro anos. Em declarações à estação pública, Laranja Pontes, presidente do conselho de administração do IPO do Porto, admite que as longas esperas se devem a restrições orçamentais: "não abro mais camas porque não tenho condições para isso". E o problema poderá piorar, assinala a RTP, devido à impossibilidade da instituição hospitalar contratar pessoal, por falta de autonomia. Para minorar o problema das listas de espera para cirurgias, já foram retiradas camas aos cuidados paliativos.» Lê-se no Diário de Notícias e lamentavelmente acredita-se. Tal como se acredita que, um mês e meio depois, ainda há alunos sem aulas, professores por colocar e um Crato a esvoaçar por aí. Ou uns subalternos para "punir" no "caso Citius". Ou o embuste da "reforma do Estado". Ou uma revista de ciências sociais, outrora prestigiada e livre, agora proibida de circular por causa do respeitinho. Ora se isto tudo somado não é um país de merda, mesmo que "suba" no ranking* dos países bons para "negócios" (da China), o que será um país de merda?

 

* Portugal subiu quinze lugares no ranking do World Economic Forum e seis no Doing Business. As "reformas" assinaladas para o efeito ocorreram fundamentalmente quando Álvaro Santos Pereira era ministro da economia e visaram, sobretudo, o "factor trabalho" centrifugado, a meu ver, em excesso face a outros. Mas quem ouvir as cucarachas do dr. Lima no México ainda pode julgar que foi ele.

Um ano improvável

João Gonçalves 28 Out 14

 

Nos Açores, o primeiro-ministro fez um "balanço positivo" destes três anos de coligação e de governo. Acrescentou estar muito contente com o orçamento de 2015 porque respeita as "exigências europeias". Se melhora, mantém ou piora a vida das pessoas - das pessoas, em geral, e não de grupinhos de pessoas em particular -, nem uma palavra. O dr. Passos não se perde com minudências desde que as contas batam certo em Bruxelas. Parece que na sua simplificada cabeça nada mais há para fazer para além da mercearia e da intendência. Ou, na má hipótese ensaiada nos Açores e confirmada pelo neo-betoneiro Portas no México, há: passar um ano improvável em auto-elogios e em balanços matemáticos. Do outro lado, o dr. Costa inexiste, como em Lisboa, e faz paradoxalmente dessa inexistência a "razão" de ser  do seu sucesso involuntário. Deve estar "aconselhado" a fazer e a dizer o que fez e disse durante a campanha interna até haver eleições a sério: nada. Mas quem dá o que tem a mais não é obrigado.

Os irmãos PTralhas

João Gonçalves 27 Out 14

Esta imagem de recorte norte-coreano não augura nada de bom para a antiga colónia portuguesa a braços com o desforço da "potência emergente". Percebo que, entre milhões e milhões de pobres, a retórica "ptralhista" produza efeitos. Afinal, alguma coisa se fez por eles. O que escapa a esses pobres - e não escapa aos pobres de espírito das esquerdas e das direitas portuguesas que se deixaram deslumbrar pelo nepotismo negocista dos "anos PT" - é a imensa demagogia e o lamentável instinto rapace que já colocou alguma da nomenclatura do partido presidencial adequadamente na cadeia. Lula ainda tem o crédito de ser modicamente simpático, tipo uma daquelas pessoas com quem se deve poder comer alarvemente e que obriga os convivas a arrotar no fim. Já Dilma transpira falta de naturalidade e parece o macho alfa da dupla. Prometeu que, agora, vai "mudar". Só se for de penteado.

O lado bom

João Gonçalves 26 Out 14

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Quando António Costa sair da Quadratura do Círculo, o respectivo "parque jurássico"  passará a integrar um ex-membro da tribo, o honorável dr. Jorge Coelho. Tenho grande estima pessoal por Jorge Coelho desde os tempos em que o conheci ministro da administração interna. Mas o seu regresso à televisão é a própria "imagem" da "quadratura do círculo". A de um regime que, a nível comunicacional, está blindado em torno de meia dúzia de opinadores, uns mais "independentes" do que outros, a que se vão juntando "novas vozes" que já nasceram no regime e que, em alguns casos, são mesmo avós, pais e netos dele. Aliás, a recomposição das colaborações em alguma imprensa escrita é apenas mais uma manifestação desta mesmice auto-complacente do que propriamente uma "renovação". O lado bom destes fandangos improváveis é que se lê mais livros.

Reprise

João Gonçalves 26 Out 14

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O primeiro-ministro fez do encerramento das jornadas parlamentares da maioria um ponto de partida. Já se sabia que estava em campanha mas, no sábado, deixou a coisa bem clara quando, por outras palavras, chamou estúpidos aos jornalistas e aos comentadores que não conseguem enxergar o bem que ele representa para a pátria. Passou-lhes um atestado de "Maria vai com as outras", isto é, a "redacção única" - mesmo muita da de economia e finanças - é "preguiçosa" e "patética" quando não lê pelas mesmas lentes o Excel extraordinário e salvífico que diariamente o dr. Passos apresenta aos pobres de espírito que pastoreia e que, afinal, não o merecem. Se o dr. Costa representa para muitos incautos o Natal, o dr. Passos é o Crucificado e a "vociferante matilha do espectáculo" o seu Golgotá. Quando o dr. Passos apareceu no 1º semestre de 2011 para ficar, aplaudi-lhe, por contraste com o caudilho socialista, a aparente normalidade. A sua vitória desanuviou um ambiente político envenenado pelo ensimesmamento auto-suficiente do anterior chefe do governo. Sucede que o dr. Passos foi-se convencendo - e alguns imbecis encartados ou descartados ajudaram-no nesse convencimento - da sua infalibilidade, à semelhança do antecessor, transformando-se politicamente num papagaio evangélico. Talvez por isso aprecie comparar-se, a seu crédito, com alguns "profissionais" da cacofonia, muitos dos quais, aliás, tal como haviam feito com Sócrates, tão depressa o incensaram quanto o execram agora. A histeria de ontem não augura nada de bom. É uma reprise. E das más.

PPC, o evangélico dos pequeninos

João Gonçalves 24 Out 14

 

«O primeiro-ministro resolveu agora pedir “paciência” aos portugueses, como se não soubesse que a “paciência” se esgotou em definitivo no país. Pior ainda, adoptou um tom paternal e carinhoso para explicar à populaça por que razão era preciso que ela continuasse na miséria; e, falando baixo, insinuou que só a sua alta sabedoria podia perceber o que verdadeiramente se passava. Da sua boca saía a verdade límpida e salvífica, da boca da oposição a babugem nojenta da mentira. Veio também a cena de heroísmo, muito típica destes melodramas. Passos Coelho jurou em público, numa tirada de filme “b”, que nunca abandonaria Nuno Crato. “Até à morte ou à vitória, pela nossa honra, S. Jorge e Portugal”, disse ele aproximadamente ao abananado matemático. A audiência quase que chorava. O dr. Passos Coelho e os seus fiéis julgam que fizeram uma grande obra. Já se esqueceram que a troika os forçou a fazer o que fizeram. Como se esqueceram, com certeza por intervenção do Altíssimo, que não cumpriram o programa (aliás, duvidoso) a que se tinham comprometido. Aumentaram a receita do Estado, sem inteligência ou perícia; e fugiram de reformas substanciais com vigarices, com pretextos e com uma insondável indolência. Quando o dr. Passos Coelho, lá para Outubro, for delicadamente posto na rua, o Governo seguinte com um bocado de papel e uma caneta arrasará numa hora tudo ou quase tudo o que ele deixou. Entrou provavelmente na cabeça do primeiro-ministro a ideia perigosa de “deixar um exemplo”. E deixou. Deixou um exemplo de trapalhada, de superficialidade e de ignorância. Ou seja, nada de original.»

 

Vasco Pulido Valente, Público

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