Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]

portugal dos pequeninos

Um blog de João Gonçalves MENU

Intimações de mortalidade

João Gonçalves 20 Ago 14

 

A bordo de um avião, Francisco decidiu aliviar-se diante dos jornalistas. Deu-lhes a entender que "isto" ("isto" é o seu pontificado) poderia durar apenas mais dois ou três anos. E que, se fosse o caso, seguiria o exemplo do seu antecessor Bento XVI e resignaria. O desprendimento de Bergoglio não deve causar estranheza. O Espírito Santo, o verdadeiro, que costuma invadir a Capela Sistina cada vez que se trata de escolher o sucessor de Pedro, "inspirou" os cardeais num sentido, digamos assim, mais pedestre. Era preciso arrumar a casa e o bispo argentino, livre de compromissos e de intimidades cortesãs, servia. Ao mesmo tempo que beijava criancinhas e autografava braços a devotos, Francisco ia tratando discretamente da intendência e, mais conspicuamente, da fé. Nesta parte, sabendo que nunca podia chegar aos calcanhares de Ratzinger ou de Wojtyła, o Papa preferiu "recuperar" o "social" da Igreja em tempos de hiper-capitalismo e de hiper-individualismo. A esquerda mundial, com a sua proverbial pequena burguesia de espírito e o seu obtuso fanatismo, viu no homem a encarnação daquilo que os seus dirigentes superficiais não conseguem "oferecer" para lá de negócios: uma "ideologia". Por exemplo, entre nós Mário Soares ainda não parou de tremelicar diante de "Sua Santidade" como dantes se inclinava face à "santidade" laica e republicana representada pelo egrégio Dr. Afonso Costa ou, agora, face ao "profeta" democrata Obama. Francisco decerto já intuiu que o oportunismo - político, económico e estético - que grassa pelo mundo inteiro se "colou" à sua iconoclastia tipicamente latino-americano. E deve estar decepcionado. Jesus, como proclama João, "venceu o mundo". Não contemporizou com ele. Francisco sabe até onde pretende ir mas não deseja ir mais além. Sente-se bem com o "povo" mesmo que não seja o "seu". Todavia não pode deixar de olhar para as "elites" globais com a incredulidade de quem contempla o abismo e o vazio. Este mundo de artistas de variedades em que tudo se tornou fere o religioso mesmo que divirta por vezes o homem. Bergoglio, até por formação e devoção, não quer que a sua simplicidade venha a confundir-se com vaidade. Deu, por isso, um tempo ao seu tempo. À sua peculiar maneira, vencerá oportunamente um mundo que, na realidade, não é o dele.

 

Foto: AFP/Getty Images

Pesquisar

Pesquisar no Blog

Últimos comentários

  • João Gonçalves

    Primeiro tem de me explicar o que é isso do “desta...

  • s o s

    obviamente nao é culpa do autor ter sido escolhi...

  • Anónimo

    Estou de acordo. Há questões em que cada macaco se...

  • Felgueiras

    Fui soldado PE 2 turno de 1986, estive na recruta ...

  • Octávio dos Santos

    Então António de Araújo foi afastado do Expresso p...

Os livros

Sobre o autor

foto do autor