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portugal dos pequeninos

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O "surpreendido"

João Gonçalves 30 Ago 14

 

António Costa tem na Câmara que virtualmente lidera uma coisa em forma de vereador chamada Sá Fernandes, mais conhecida pelo defunto "Zé que faz falta" do quase defunto Bloco. O desdito "Zé" começou a sua carreira artístico-política graças a umas inocuidades que debitou a dado momento sobre Lisboa e que entusiasmaram umas quantas notabilidades "independentes", por natureza, impressionáveis e crédulas. O Bloco abocanhou-o mas o "Zé" queria voar sozinho como é próprio das cabeças de vento. Aí o dr. Costa deu-lhe serventia de vereador para as vias, ciclovias - essa praga desenhada com os pés - e aparentemente jardins. Mas, sobretudo, anulou-o e exibiu-o na lapela como prova do "Corso" português das esquerdas que se imagina. Deixou-o, a ele e aos restantes veradores, à solta, porque, lembrou numa entrevista recente, os lisboetas que votaram nele não elegeram um presidente de Câmara mas, antes, um putativo "salvador" laico a quem sonham poder atribuir "mais responsabilidades". Sucede que o "Zé" não pode ser largado por aí como, por exemplo, o vereador do lixo, o sr. Cordeiro, que anda entretido com debates partidários em nome do seu Napoleãozinho. Não admira, pois, que Costa tenha sido "surpreendido" pela peripécia anunciada pelo "Zé" de remover dos jardins em frente aos Jerónimos os "símbolos do império" porque, diz, a câmara não pode efectuar a manutenção de arvoredo que ressume a "colonialismo" e a um "passado" que já não existe (por esta "ordem de estupidez", por que não começar pelos Jerónimos?). A mim não me "surpreende" que uma nulidade como o "Zé" se proponha a este género de disparates. Já me preocupa que António Costa se "surpreenda" com isto como se não fosse nada com ele. Candidato a quê? A primeiro-ministro? Por amor de Deus.

Dignidade

João Gonçalves 29 Ago 14

 

Cruzei-me com Judite de Sousa, no princípio dos anos 90, numa "passagem de ano" em casa de Manuela Moura Guedes e de José Eduardo Moniz. Moura Guedes tinha nessa altura um programa na RTP no qual uma amiga minha, a jornalista Ana Pereira da Silva, colaborava. Ela estava sozinha depois de uma separação recente, e eu sou sozinho por natureza, pelo que a gentileza da dona da casa e a amizade da Ana juntaram-nos ali por um acaso de inesperadas horas. De Judite de Sousa retive imagens de alegria, de jovialidade e de muita simpatia. Passaram mais de vinte anos e voltei a cruzar-me com a directora adjunta da informação da TVI quando o então ministro Miguel Relvas foi a Queluz para uma entrevista. De resto, limito-me a observar o seu trabalho que, agora, regressou acompanhado de uma dor impronunciável. Comoveu-me a dignidade profissional demonstrada neste regresso. Porque entrevi no olhar e nos gestos de Judite a alegria, hoje devastada pelo luto do amor, daquela longínqua passagem de ano. Todo o amor é luto do amor como escreveu Marguerite Duras. É esse amor, Judite, que "salva".

Um barrete completo

João Gonçalves 29 Ago 14

 

O orçamento rectificativo - o oitavo da saga "reformadora" do dr. Passos -  serve para o governo lavar os fígados por uns dias. Porque não tarda nada e já aí está o primeiro para 2015. Toda a gente, das esquerdas e das direitas, apresentou rectificativos. Mas este tem incorporado um "brinde": a brutal receita fiscal, 37 mil milhões de euros. O governo falhou a "reforma do Estado". O governo não consegue gerir politicamente os 134% do PIB em dívida pública porque é "torto". O governo regozija-se com uma taxa de desemprego de 14% porque a "Europa", no meio da sua proverbial impotência, acha este valor "exemplar". O governo chafurda no impasse das exportações, da balança comercial e do crescimento como um bebé numa banheira de plástico cor de rosa. Quem participou inicalmente "nisto", só pode sentir-se frustrado e irritado com esta contabilidadezinha torpe enquanto "programa" único de vida do governo. Sobretudo quando o "mérito" dela advém, como resulta do rectificativo, de terceiros: os contribuintes. Quando se diz que "não há folga" está-se a querer dizer "não esperem menos do que isto em 2015". Um barrete completo.

Nós e um amor de Proust

João Gonçalves 28 Ago 14

 

Ontem, no canal ARTE, passou um documentário sobre Marcel Proust e o La Recherche. Ou melhor, um documentário feito a partir de depoimentos de leitores de Proust. Para aquelas pessoas, Proust é uma presença permanente desde cedo nas suas vidas. Falavam dele, dos lugares e dos nomes na obra como se estivessem em família. Comparavam as suas experiências, a saber amorosas, com a arte de Proust e com Proust sempre a ganhar à vida como indicava Oscar Wilde. Como a circunstância de um primeiro beijo representar o primeiro passo da despedida em vez de, como frivolamente se entende, dar início a algo verdadeiramente jubilatório. As deambulações proustianas, nas vozes daqueles leitores privilegiados, carregam, na sua ironia desencantada, uma "verdade" que está para além de mera "literatura". Proust não concebeu a sua opus magnum para nos "aliviar" do quotidiano mediante longas descrições de puros movimentos, de situações imprevistas, de evocações de espaços e das deslocações físicas e anímicas das personagens neles, entre eles e entre elas. É um longo labor de aprendizagem, dele e nosso, como Deleuze explicou magnificamente. Não imagino documentário semelhante entre nós. A "identidade nacional" não passa pela presença forte de um escritor nela. Alguns, como Camões, Eça, Pessoa ou, com este regime, o Saramago, têm servido para propósitos alheios aos destes leitores do documentário francês: patrioteirismos saloios, análises "sociológicas" de 2ª classe, promoções comerciais ou regimentais, epigonismos de merda. Se arriscassem, por exemplo, coisa parecida com Pessoa ou Eça, fora dos circuitos dos seus crónicos masturbadores, o que é que deveríamos esperar? "Está à venda no Continente como o sr. Rodrigues dos Santos?", uma pergunta bem plausível. Não. Nos rostos e nas falas daqueles cidadãos franceses, mais novos ou mais velhos, homens ou mulheres, literatos ou menos literatos, estava inscrita uma coisa demasiado simples e demasiado complexa para este nosso aqui e agora que, no fundo, é um triste desde sempre: "um amor" de Proust, ou seja, "um" amor pela "palavra essencial" e pela vida tal qual ela foi, é ou vai um dia deixar simplesmente de ser.

O céu é o limite

João Gonçalves 27 Ago 14

 

Com quase trinta anos de serviço público (tropa incluída no tempo em que ela era viva), estas coisas deviam-me parecer mais cómicas do que trágicas (leia-se o derradeiro parágrafo com alguma da "biografia" da nova reguladora da aviação civil: «A até aqui técnica especialista para o sector aeroportuário do ministério de Pires de Lima esteve neste cargo apenas em 2013 e 2014, tendo antes sido assessora nas áreas da aviação civil na mesma tutela. Antes foi estagiária na Direcção-Geral das Actividades Económicas, professora voluntária de inglês num centro da Santa Casa da Misericórdia, consultora de uma empresa de media e técnica da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista.»). Mas ao contrário de Gil Vicente, continuo a preferir cavalo que me leve a asno que me derrube.

Ninguém falará de nós quando morrermos

João Gonçalves 27 Ago 14

 

Estava a folhear o primeiro livro de Eduardo Prado Coelho, O Reino Flutuante, quando, pela badana, reparei que teria completado setenta anos em Março último se fosse vivo. Posso não ter dado por isso mas não vi em lado algum - e, se calhar, não tinha de ver - qualquer "lembrança" dele. O que não deixa de fazer algum sentido na falta de sentido que tudo tende a levar. Anos a fio, nos jornais, nas revistas ou nas televisões, Eduardo aparecia com a frequência adequada ao seu "estatuto", praticamente isolado, do académico que preferiu prestar mais atenção ao mundo do que à academia. Naquela estonteante prolixidade, naquele entusiasmo ora álacre ora exausto, muitas vezes brilhava a "pequenina luz bruxuleante" do verso de Sena e que distingue as coisas. Nem sempre Eduardo era "justo", se o termo se pode aplicar, nessas distinções. Ou, então, errava deliberadamente nelas porque era "preciso" distinguir aquele ou aquela naquele momento, ou não distinguir aquele ou aquela a seguir. Perdia-se aqui ou ali no labirinto da facilidade do "ter de estar sempre actualizado", na prisão superficial de um quotidiano geralmente medíocre em relação ao qual ele persistia narrar um qualquer esplendor. Mas, repito, mesmo que escondida, a "pequenina luz" teimava em brilhar. Se me lembro dele é sobretudo porque muito poucos já se lembram dele. Não é possível, salvo em dois ou três casos, reter-se um nome ou sequer uma frase da multidão debitatória presente nos media actuais. Pouca "luz" tem ocasião para brilhar nesta torrente demencial de palradores e de escrevinhadores de "redacção única". Eduardo por fim escrevia todos os dias (como com certeza lia), é certo, mas separava. Esta gente não separa - que é a origem do termo "criticar" - porque não tem nada para separar ou que os separe. Ninguém falará de nós quando morrermos.

 

Foto: Luísa Ferreira

O regresso oficioso do escudo

João Gonçalves 26 Ago 14

 

Salvo erro por ocasião das negociações do "PAEF", o então primeiro-ministro apareceu nas televisões a dizer o que é que não constava do Programa. Hoje, o conselho de ministros extraordinário que aprovou o segundo orçamento rectificativo do ano, seguiu mais ou menos idêntica via. Sobretudo nota-se o cuidado posto em sublinhar por agora não  «haver recurso a qualquer alteração de natureza fiscal». O resto é uma conversa branca: «a revisão dos tectos orçamentais é acomodada pela evolução positiva do emprego e consequente redução da despesa com prestações e melhoria da receita fiscal e de contribuições para a segurança social, e pelo controlo das rubricas de despesa fora da despesa com pessoal.» Como escreve o Público, «o Executivo não revelou, no entanto, quais as rubricas de despesa foram abrangidas por um controlo mais apertado nem detalhou ainda o volume de receita fiscal utilizado para equilibrar as contas.» Duas coisas todavia estão praticamente asseguradas depois desta semântica débil e politicamente controlada de quem não tem mais nada a oferecer ao país a não ser vã mercearia. A primeira. é a não garantia de que não haja aumento de impostos no OE para 2015. A segunda, é a garantia de que, cada vez mais, a "acomodação" pelo lado da receita fiscal coloca a generalidade dos trabalhadores por conta de outro a receber, na prática, em escudos. Já não é o regresso clandestino do escudo de que falava o meu saudoso amigo Medeiros Ferreira. É um regresso às claras, oficioso, com a chancela de um conselho de ministros no qual o dr. Portas, o Camarlengo do governo e reputado ex-provedor do contribuinte, fez questão de vir a correr de Maputo sentar-se.

 

Foto: Pedro Nunes, Público

Despesa, a puta da República

João Gonçalves 26 Ago 14

Não há erros, não florescem obsessões, não existem incrementos negativos na economia e nas exportações, não há retraímento da balança comercial, não há impostos em barda, não há "Estado paralelo", não aumenta a dívida e os seus encargos, não falece à Europa o crescimento. Isto não é Despesa, são descasos de virgindade epistemológica. Há, por outro lado, diversas encarnações do Maligno que "explicam" praticamente tudo: o Tribunal Constitucional, os trabalhadores das administrações públicas, em particular, e todos em geral, numa palavra, a Despesa. A única. A puta da República.

O senhor 24%

João Gonçalves 24 Ago 14

 

Marques Mendes é um político experiente. Começou na coisa, praticamente de bibe, no governo civil de Braga. Em Lisboa foi imprescindível a Cavaco, a Marcelo e, até certo ponto, a Barroso e Passos Coelho. Teve um papel fundamental na ascensão de Fernando Nogueira à sua precária liderança do PSD entre 1995 e 1996. Conta-se que, quando este manifestou o seu desinteresse pelo lugar de Cavaco, Mendes lhe terá perguntado: "então e nós?" O resto é conhecido. Bom cacique, Mendes presidiu ao partido e acabou por o perder inesperadamente para Menezes. Daí em diante preferiu a via sacra da "influência" e dos "contactos". Quem, neste governo, não "passou" já algo a Marques Mendes? Este é o ponto. Por muito presciente que o homem seja, não "inventa". Faz, aliás, gáudio em "antecipar" agendas e decisões. Decerto não lhe ocorreu espontaneamente que a taxa normal do IVA pode passar para 24%. O ar de virgem ofendida que o dr. Passos exibiu em Valpaços é menos convincente que a fala de Marques Mendes. Até porque o seu "esclarecimento" irritado acabou por dar razão ao agora comentador. Pode não ser já mas já andam a pensar nisso, é a "moral" desta breve não história. A diferença entre um e outro é que Mendes "pensou" em voz alta o que Passos pensa entre "íntimos". Nada mais.

A.D.N

João Gonçalves 23 Ago 14

 

 

 

 

I
Afinal sou assim, infeliz e volúvel,
Porque minha alma guarda uma ordem diversa
De pulsões celulares ao longo do seu eixo:
Decifre-me quem saiba, — que, dispersa,
Com nome de A. D. N. aqui na cruz a deixo.

II
Nervo a pavor, fonte renal de rijo,
Cor dos meus olhos, estatura, gosto,
Quanto me importo, ó Deus, quanto me aflijo,
Tudo A. D. N. inscreve no meu rosto.

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