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portugal dos pequeninos

Um blog de João Gonçalves MENU

À procura do candidato perdido

João Gonçalves 19 Jul 14

 

«O perfil do candidato às presidenciais de 2016 tem de ser o de um estadista, segundo os sociais-democratas. “Não pode ser uma pessoa que tenha pactuado com os branqueamentos que aconteceram nos últimos 30 anos”, disse ao PÚBLICO uma fonte do PSD. Um candidato que “esteja acima das suas ambições pessoais”, acrescenta a mesma fonte.» Esta "fonte do PSD" viverá em que planeta? Não há praticamente ninguém no PSD - tal como no PS, sobretudo, ou mesmo no CDS para já não falar, à sua medida, no PC e na extrema-esquerda "parlamentar" que desaguou no desmembrado Bloco - que não "tenha pactuado com os branqueamentos que aconteceram nos últimos 30 anos", seja a nível central, local ou regional. Todavia, convinha que a "fonte" esclarecesse o que entende por "branqueamentos". Dito assim, o que parece que a "fonte" está a sugerir é que não pode haver mais "Cavacos", mais "Sampaios" e mais "Soares" já que Eanes saiu de Belém no princípio de 1986. Dos putativos "interessados", é evidente que, sem um módico de "ambição pessoal", nenhum chega lá. Marcelo só apareceu no último congresso do PSD no Coliseu por causa disso e não para se aliviar com meia dúzia de graçolas. Barroso não pára de ir e vir, até mesmo a locais remotos da "província" para descerrar lápides com o seu nome, pelo mesmo precaucionatório motivo. Rio anda a ver se "cresce" do Porto para baixo, qual Fabrizio del Dongo perdido em plena batalha, e Santana Lopes, nos intervalos da sua boa prestação como provedor da SCML, não pensa muito legitimamente em outra coisa. De todos, Santana é, em certo sentido, o mais livre e o mais estimulante até pela maneira como aprecia "desconstruir" politicamente os restantes três. A sua maior limitação, quase do foro freudiano-político por causa do que aconteceu há dez anos, consiste em representar o PR como uma espécie de alto comissário do regime "subordinado" ao primeiro-ministro. Ora ninguém vota para eleger um mordomo. Mesmo assim, a entrevista que concedeu ao Expresso é muito inteligente - oxalá o PSD da "fonte" a "saiba" ler - e ajuda a colocar Santana num futuro político necessariamente distinto da aridez e da mesmice do presente e do passado do regime. Com a vantagem de, com a sua autenticidade tantas vezes ingénua e voluntarista, não ter de ir a correr "branquear" coisa alguma.

 

Foto: Luís Barra

Destino de uma resma de papéis

João Gonçalves 19 Jul 14

Esta madrugada apanhei na sicn uma peça sobre a "reforma do IRS". Um senhor, com ar amável e que não conhecia de lado algum, entregava a Maria Luís Albuquerque uma resma de papéis. Sorriam um para o outro enquanto eram fotografados na transumância da coisa. Presumivelmente "aquilo" era a "reforma do IRS" proposta por uma comissão a que presidiu a amável criatura. M. L. Albuquerque sentou-se diante dos jornalistas presentes, ladeada pela criatura e por um secretário de Estado, e colocou tudo no condicional e na dependência da redução da despesa. O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, quando chegou a sua vez de falar, praticamente retirou o condicional. A ministra a seguir parafraseou-o de acordo com o que ela própria já tinha dito. Paulo Núncio voltou a usar da palavra para repetir o que ele próprio tinha dito, mas de uma maneira que "concordasse" minimamente com a paráfrase que o antecedeu. Em suma, a resma de papéis desapareceu tão depressa quanto a "reforma". Ou vice-versa.

Costa e a "cultura"

João Gonçalves 19 Jul 14

«António Costa prometeu um ministério da Cultura, para quando fosse primeiro-ministro. O conúbio torpe entre a esquerda e o pequeno grupo de pessoas que nos pretendem aprimorar a alma é velho mas dura. A esquerda procura nele a autoridade supostamente superior do “intelecto” e o “intelecto”, quase sempre analfabeto em matéria política, procura algum dinheiro do Estado para ir vivendo. Esta concorrência de interesses talvez traga a Costa uma certa boa vontade na televisão e nos jornais. Infelizmente, assenta em dois postulados falsos. Primeiro, o de que o apoio do “cinema”, do “teatro” e de uma ou outra espécie de “organizadores de eventos” ainda vale meia dúzia de votos de um público céptico e hostil. Segundo, o de que um ministério da Cultura serviria um propósito útil num governo português. O Ministério da Cultura trata no essencial de duas questões: do património cultural e de actividades que passam por “culturais”. Se houvesse alguma lógica nestas coisas, as duas partes seriam claramente separadas, para que se pudessem definir as funções de cada uma e, o que também interessa, para uma maior limpeza de contas. A defesa do património, que vai da Biblioteca Nacional de Lisboa ao mais vago arquivo de uma câmara do interior, da promoção de um dicionário de Português decente e uma edição crítica dos clássicos da língua, e que deve, por exemplo, incluir o salvamento do património construído e dos centros históricos da cidades, precisa de um razoável corpo técnico e de relações permanentes com a Secretaria do Turismo* e com os municípios**. Quanto ao resto, as várias formas de “actividades culturais” põem à partida um problema de princípio. O ministro da Cultura é um funcionário político e, por isso mesmo, incompetente para tomar decisões de natureza estética. Mas, quando decide nomear um júri para escolher os filmes que o Estado irá financiar ou protege um “evento”, que acha particularmente interessante, acaba precisamente no papel “iluminado” de um “mecenas”, pago pelo contribuinte. Ninguém se incomoda com esta aberração e as clientelas uivam à porta do ministério, quando não se tentam mutuamente liquidar. A solução para esta vergonha está em eleger de entre a “inteligência” activa um conselho geral, que distribua a espórtula das Finanças na praça pública e permita que os próprios discutam os critérios que ele usou.»

 

Vasco Pulido Valente, Público

 

*Para o efeito era necessário que a secretaria de Estado do Turismo (e Costa enquanto presidente da CML em part time) não tomasse este exclusivamente por um permanente ancoradouro de paquetes de luxo, de rapaziada low cost disposta a invadir Portugal o ano inteiro a troco de uns raios de sol e de uma restauração "barata" que sai cara aos proprietários e aos autoctónes ou como um mero veículo de propaganda torpe de coisas que não existem.

 

**Primeiro conviria "instruir" os municípios acerca da "amplitude" do conceito de qualificação - território, pessoas, instituições - e da utilização de fundos para o efeito.

Na língua de pau "financeira" em vigor, apareceu recentemente, pela boca de um distinto banqueiro, o termo "abcesso". Ora se há coisa que caracteriza o regime são os "abcessos". No governo, por exemplo, existe um que se distingue pela inoperante galhardia e pela deliberada manhosice, o admirável prof. Crato. Pacheco Pereira, que também "bebeu" a cicuta política do "livrinho vermelho" do Grande Desdentado, "lê" Crato melhor que qualquer um de nós. «A história mais recente e que me fez escrever este artigo foi a desfaçatez do truque que o Ministério da Educação usou para marcar os exames aos professores com três dias úteis de pré-aviso, caindo do céu da surpresa no fim de Julho, com grande estrondo. Na verdade, são teoricamente cinco dias, o mínimo exigido por lei, mas só teoricamente. O truque foi pré-assinar um despacho em segredo, no quinto dia divulgá-lo no Diário da República a contar do dia da sua assinatura, para que na prática faltassem, após o anúncio ser conhecido, apenas três dias úteis até ao exame, 17, 18, e 21 de Julho. Professores que já estavam a receber o subsídio de desemprego, que já estavam de férias, e que não sabiam que iam ter um exame para que é suposto prepararem-se, cai-lhes em cima uma data que é já praticamente amanhã. Nem o gado é suposto ser tratado assim, mesmo quando vai para o abate. Porquê esta rapidez? A resposta é muito simples: para evitar que os sindicatos pudessem apresentar um pré-aviso de greve no prazo exigido pela lei – ou seja, o Governo faz um truque descarado e sem vergonha para contornar uma lei da República, que permite o exercício de um direito. Pode-se ter o ponto de vista que se quiser sobre os exames exigidos a professores que já tinham as qualificações necessárias para ensinar e, nalguns casos, já ensinavam há vários anos. Esta é outra questão e sobre ela não me pronuncio. O Governo pode até ter razão em querer os exames e os professores não ter ao recusá-los. Aqui posso ser agnóstico sobre essa matéria. Não é sobre isto que escrevo, mas sobre o pequeno truque, habilidade, esperteza e os seus efeitos de dissolução social como norma de governação. Vai haver quem encolha os ombros e ache muito bem que se pregue uma partida a Mário Nogueira e aos seus sindicalistas da Fenprof. (No entanto, todos os sindicato, mesmo os da UGT, dirigidos por membros e simpatizantes do PSD, estão de acordo em recusar o truque do Governo.) Mas, como a sociedade portuguesa está em modo de “luta de classes”, há aí muita gente agressiva a querer vingança no tempo útil que sobra até o Governo cair. A mó já é a mó de baixo e daí muita raiva pouco contida, que serve de base à indecência. Sim, porque o que é inaceitável neste acto é que o Governo apresente face aos cidadãos um Estado cuja face é o logro e a habilidade grosseira, sem se preocupar um átomo em humilhar as pessoas, poucas que sejam, que precisam de um emprego, numa altura em que ele escasseia. É isto que é a maldade social. Não é que seja obrigatório fazer um exame, que é uma medida de política que pode ser contestada legalmente, inclusive pela greve. O objectivo principal, sabemos nós, é impedir a greve, o que já é em si mesmo grave. Mas, para isso, usa-se discricionariamente as pessoas, atirando-as a seu bel-prazer de um lado para o outro, sem qualquer vantagem social, profissional, pedagógica. O Governo, mais do que testar os conhecimentos dos professores, o que já abandonou pelo caminho, quer discipliná-los, obrigando-os a obedecer, para poder mostrar autoridade. E, como podiam ter a vontade de fazer greve, tira-lhes essa possibilidade legal com um truque. Não é para melhorar as escolas, é para mostrar quem manda. O resultado é que, se houver sarilhos, é porque andaram a pedi-los. Ao tratar-se as pessoas como cães, não admira que elas possam vir a morder.»

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