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portugal dos pequeninos

Um blog de João Gonçalves MENU

"Não existe"

João Gonçalves 10 Abr 14

Apesar de se tratar da chamada "segunda figura do Estado", vale a pena rever na RTP esta outra fantástica figura, de não sei bem o quê, que fez. Repetiu tantas vezes o termo "não existe, não existe" que começamos a suspeitar que não existe mesmo. Quem teve a brilhante ideia de a apresentar a votos dos seus pares, bem pode limpar as mãos à parede.

Marguerite Duras - 1914, 2014

João Gonçalves 10 Abr 14

 

 

« - Je suis d'une moralité douteuse.

 

   - Qu'est-ce que tu appelles, être d'une moralité douteuse?

 

   - Douter de la morale des autres.»

 

 Hiroshima mon amour

 

«Muito cedo na minha vida foi tarde demais. Aos dezoito anos era já tarde demais. Entre os dezoito e os vinte e cinco anos o meu rosto partiu numa direção imprevista. Aos dezoito anos envelheci. Não sei se é assim com toda a gente, nunca perguntei. Parece-me ter ouvido falar dessa aceleração do tempo que nos fere por vezes quando atravessamos as idades mais jovens, mais celebradas da vida. Este envelhecimento foi brutal. Vi-o apoderar-se dos meus traços um a um, alterar a relação que havia entre eles, tornar os olhos maiores, o olhar mais triste, a boca mais definitiva, marcar a fronte de fendas profundas. Em vez de me assustar, vi operar-se este envelhecimento do meu rosto com o interesse que teria, por exemplo, pelo desenrolar de uma leitura. Sabia também que não me enganava, que um dia ele abrandaria e retomaria o seu curso normal. As pessoas que me tinham conhecido aos dezessete anos a quando da minha viagem a França ficaram impressionadas quando me voltaram a ver, dois anos depois, aos dezenove anos. Conservei esse novo rosto. Foi o meu rosto. Envelheceu ainda, evidentemente, mas relativamente menos do que deveria. Tenho um rosto lacerado de rugas secas e profundas, a pele quebrada. Não amoleceu como certos rostos de traços finos, conservou os mesmos contornos mas a sua matéria está destruída. Tenho um rosto destruído.»

 

L'Amant (tradução portuguesa de Luísa Costa Gomes e Maria da Piedade Ferreira)

Há futuros e futuros

João Gonçalves 10 Abr 14

Tenho verdadeira alergia a termos Humpty Dumpty como "moldar positivamente o futuro", "fazer a diferença", "grande potencial ", "intervir na sociedade de forma positiva", ou "reforçar a autoestima". Mas o Senhor Presidente da República não. Também deve sonhar com os "cisnes elegantes" do dr. Lima, o ministro "ajudante" do secretário de Estado Sérgio Monteiro, por oposição aos "patinhos feios". Na verdade, só tenho visto o PR receber em Belém jovens "construtivos e positivos", grávidos dos inerentes "espíritos" e, por que não dizê-lo, com sorte. Seria bom, para variar, o Chefe de Estado poder receber uns quantos dos 35% de jovens no conjunto dos desempregados, a números a 1 de Abril último. Estes decerto não terão como "organizar-se" (ou quem os "organize") para "intervir na sociedade de forma positiva" ou para "moldar o futuro". Para já nem sequer antevêem "um" futuro, quanto mais "o" futuro.

Um retrato

João Gonçalves 10 Abr 14

 

«Já no átrio da Gulbenkian, perto da hora marcada, 18h, a APE comunicou-me que a cerimónia estava um pouco atrasada porque esperavam o Secretário de Estado da Cultura. Quando Barreto Xavier chegou e entrámos todos para a sala, o protocolo sentou-o ao centro da mesa, junto a Diogo Pires Aurélio. Nas pontas, Gulbenkian (representada por Rui Vieira Nery), APE (José Manuel Mendes, José Correia Tavares), júri (representado por Isabel Cristina Rodrigues) e eu. Vieira Nery abriu, sucintamente; seguiram-se discursos da APE; Isabel Cristina Rodrigues leu o texto em que o júri justifica a atribuição do prémio a "E a Noite Roda". Diogo Pires Aurélio e eu levantámo-nos para que ele me entregasse o sobrescrito do prémio, um minuto de formalidade, sem palavras, para a fotografia. Chegou a minha vez de discursar, li as páginas que trazia. No fim, houve uma ovação de pé. Digo isto para dar conta da atmosfera que os representantes do poder político tinham diante de si. A APE convidou então o SEC a intervir. Ele escolheu falar sentado, sem se deslocar ao púlpito. Uma das coisas que disse, na parte, digamos, cultural da intervenção, foi que eu bem podia declarar que não fazia ficção porque claro que fazia ficção porque é isso que um escritor faz, ficção. Foi o primeiro arroubo dirigista, que nos devia ter preparado para o que aí vinha. Na parte, digamos, política, destaco quatro coisas: o SEC disse que eu devia estar grata por estarmos em democracia e eu poder dizer o que dissera; que durante anos os portugueses se tinham endividado acima das suas possibilidades; que, ao contrário do que eu dissera, ninguém saíra de Portugal por incentivo deste governo; e, sobretudo, que eu tinha dito que não devia nada a este governo mas que isso não era verdade porque este governo também subsidiava o prémio. Referia-se ele, assim, a um prémio com décadas de existência; atribuído a alguns dos mais extraordinários escritores de língua portuguesa; cujo montante em dinheiro resulta de vários patrocínios, sendo que os públicos resultam do dinheiro dos contribuintes; e que tem atravessado os mais variados governos, sem que nunca, que me recorde, algum governante o tenha tentado instrumentalizar. Foi a mais escancarada confusão de Estado com Governo que já presenciei, para além do tom chantagista ao nível de jardim de infância das ditaduras. E, apesar dos apupos, de quem lhe gritava da plateia "Mentira!" e "O Estado somos nós!", o SEC insistia. Como cabe ao Presidente da República, ou seu representante, encerrar a cerimónia, a APE instou Diogo Pires Aurélio a falar. O representante do Presidente da República declinou e encerrou a sessão. No fim, cumprimentou cordatamente todos os presentes na mesa e retirou-se. Já Barreto Xavier, aproximou-se de mim na confusão da retirada. Julguei que se vinha despedir, depois de dizer o que tinha a dizer. Nada disso. Queria dizer-me, visivelmente irritado, que o que eu fizera tinha sido de um grande "primarismo". Respondi-lhe que então devia ter dito isso mesmo ao microfone, que eu já dissera o que tinha a dizer e não lhe ia dizer mais nada. Fui andando, para contornar a mesa e acabar com a cena, mas o SEC insistia: que eu tinha sido “primária”.»

 

Alexandra Lucas Coelho no Facebook

Não se é impunemente Marco António

João Gonçalves 10 Abr 14

 

«As coisas nunca deixam de se complicar para este Governo bicéfalo. O principal dançarino nesse baile de sombras era Paulo Portas, que pensava anunciar para sua glória e dos seus, no recém-ocupado Ministério da Economia, através de um dos inúmeros chapéus com que anda, a boa medida. Disse claramente que só não avançava com o salário mínimo porque a troika não deixava, sendo que, indo a troika embora, 15 dias antes das eleições segundo o seu relógio, estava-se mesmo a ver como seria comemorada a libertação de 1640. Porém, na guerra larvar de Passos com Portas, o primeiro- ministro deixou-o para trás fazendo ele mesmo o anúncio que conta numa reunião partidária do PSD. Haverá próximos capítulos. E no entanto o primeiro-ministro acrescentou para si próprio dificuldades que podia evitar. Não se limitou a dizer, repetindo o tom de incomodação típico de Portas, que isso era um diktat do “protectorado”, mas enunciou argumentos ideológicos para não subir o salário mínimo, dizendo que, bem pelo contrário, os salários deviam era baixar em vez de subir. Claro que somou mais umas frases ao longo historial de “problemas com a sua palavra”, visto que agora tem que haver malabarismos argumentativos para justificar a viragem. Marco António fará isso, que ele isso sabe fazer muito melhor que Passos.»

 

José Pacheco Pereira, Sábado

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