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portugal dos pequeninos

Um blog de João Gonçalves MENU

Curto

João Gonçalves 21 Mar 14

No lastro timorato que tem vindo infelizmente a caracterizar o seu mandato presidencial, o Doutor Cavaco, louvando-se em "conversas" com "investidores internacionais", afirmou que estes não podem ser incomodados com a palavra "reestruturação" (da dívida) que declinam em "perdão" e que, pelos vistos, os "assusta" (sic). Todavia, "perdão" é coisa que não consta dos textos que recentemente foram divulgados em torno da dívida e que cometem apenas o "pecado", pelos vistos capital, de não seguirem as "conversas" em causa. O resto, o economista Cavaco Silva sabe-o tão bem como as pessoas que assinaram os manifestos. Depois, o Doutor Cavaco voltou a acenar com uma "união nacional" como a melhor forma de "programa cautelar". E referiu que o seu veto ao diploma da ADSE - que entretanto já foi aprovado pela maioria no parlamento a "bem" dos "suspeitos do costume" - "é a democracia a funcionar". Em quarenta anos dela, é curto.

 

 

 

Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso.
É possível, porque tudo é possível, que ele seja
aquele que eu desejo para vós. Um simples mundo,
onde tudo tenha apenas a dificuldade que advém
de nada haver que não seja simples e natural.
Um mundo em que tudo seja permitido,
conforme o vosso gosto, o vosso anseio, o vosso prazer,
o vosso respeito pelos outros, o respeito dos outros por vós.
E é possível que não seja isto, nem seja sequer isto
o que vos interesse para viver. Tudo é possível,
ainda quando lutemos, como devemos lutar,
por quanto nos pareça a liberdade e a justiça,
ou mais que qualquer delas uma fiel
dedicação à honra de estar vivo.
Um dia sabereis que mais que a humanidade
não tem conta o número dos que pensaram assim,
amaram o seu semelhante no que ele tinha de único,
de insólito, de livre, de diferente,
e foram sacrificados, torturados, espancados,
e entregues hipocritamente â secular justiça,
para que os liquidasse «com suma piedade e sem efusão de sangue.»
Por serem fiéis a um deus, a um pensamento,
a uma pátria, uma esperança, ou muito apenas
à fome irrespondível que lhes roía as entranhas,
foram estripados, esfolados, queimados, gaseados,
e os seus corpos amontoados tão anonimamente quanto haviam vivido,
ou suas cinzas dispersas para que delas não restasse memória.
Às vezes, por serem de uma raça, outras
por serem de urna classe, expiaram todos
os erros que não tinham cometido ou não tinham consciência
de haver cometido. Mas também aconteceu
e acontece que não foram mortos.
Houve sempre infinitas maneiras de prevalecer,
aniquilando mansamente, delicadamente,
por ínvios caminhos quais se diz que são ínvios os de Deus.
Estes fuzilamentos, este heroísmo, este horror,
foi uma coisa, entre mil, acontecida em Espanha
há mais de um século e que por violenta e injusta
ofendeu o coração de um pintor chamado Goya,
que tinha um coração muito grande, cheio de fúria
e de amor. Mas isto nada é, meus filhos.
Apenas um episódio, um episódio breve,
nesta cadela de que sois um elo (ou não sereis)
de ferro e de suor e sangue e algum sémen
a caminho do mundo que vos sonho.
Acreditai que nenhum mundo, que nada nem ninguém
vale mais que uma vida ou a alegria de té-la.
É isto o que mais importa - essa alegria.
Acreditai que a dignidade em que hão-de falar-vos tanto
não é senão essa alegria que vem
de estar-se vivo e sabendo que nenhuma vez alguém
está menos vivo ou sofre ou morre
para que um só de vós resista um pouco mais
à morte que é de todos e virá.
Que tudo isto sabereis serenamente,
sem culpas a ninguém, sem terror, sem ambição,
e sobretudo sem desapego ou indiferença,
ardentemente espero. Tanto sangue,
tanta dor, tanta angústia, um dia
- mesmo que o tédio de um mundo feliz vos persiga -
não hão-de ser em vão. Confesso que
multas vezes, pensando no horror de tantos séculos
de opressão e crueldade, hesito por momentos
e uma amargura me submerge inconsolável.
Serão ou não em vão? Mas, mesmo que o não sejam,
quem ressuscita esses milhões, quem restitui
não só a vida, mas tudo o que lhes foi tirado?
Nenhum Juízo Final, meus filhos, pode dar-lhes
aquele instante que não viveram, aquele objecto
que não fruíram, aquele gesto
de amor, que fariam «amanhã».
E. por isso, o mesmo mundo que criemos
nos cumpre tê-lo com cuidado, como coisa
que não é nossa, que nos é cedida
para a guardarmos respeitosamente
em memória do sangue que nos corre nas veias,
da nossa carne que foi outra, do amor que
outros não amaram porque lho roubaram.

Louvor e simplificação de Mário Crespo

João Gonçalves 21 Mar 14

 

Mário Crespo vai deixar a SICN a meio da próxima semana. E, simultaneamente, solicitou a sua reforma. Ou a sua reforma "solicitou" o fim do contrato com a SIC, whatever. O espaço noticioso que ocupava aquela estação, entre as 21 e as 22 horas, desaparece. Polémico e iconoclasta, parcial e imparcial, irritante e provocador, rigoroso e contraditório, Crespo nunca deixou ninguém indiferente o que é, para mim, o melhor elogio que lhe devo fazer. O "Jornal das 9" não se limitou a papaguear trivialidades em língua de pau como se não houvesse pessoas, circunstâncias e contingências à nossa volta. "Dava luta" até a ele mesmo. Muitas vezes, neste meu "espaço de liberdade" como o Mário um dia o apelidou, critiquei-o sem piedade. Todavia isso não ensombrou por um segundo a - julgo poder afirmá-lo mutuamente - estima que acabou por forjar-se precisamente em nome dessa liberdade de espírito comum. Vão atacá-lo por ter dado "demasiada" voz e tempo à agora chamada "geração errada" quando, néscios, não percebem que as coisas só medram expostas pelo verso e reverso delas. Mário Crespo deixa, porém, a sua impressão digital na informação televisiva (dos jornais já tinha sido banido por ter ousado roçar o velhinho delito de opinião) o que tantos outros jamais conseguirão deixar. Porque não o faz a cor cinza. Pode ter a certeza, meu caro Mário, que nem Deus ou Dante o vomitarão. Só reservam esse gesto para os mornos.

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