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portugal dos pequeninos

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Portugal em transe

João Gonçalves 20 Mar 14

«Medeiros Ferreira utilizou os últimos meses de vida a pensar no futuro de todos nós. Meditou sobre a encruzilhada dolorosa de Portugal e a sua umbilical ligação à crise europeia. Escreveu uma obra para ser lida com muita atenção, Não há Mapa Cor-de-Rosa. A História (Mal)Dita da Integração Europeia, Lisboa, Edições 70, 2013. O livro analisa as raízes, paradoxos, caminhos perdidos e esperanças de uma Europa que tenta salvar-se da sua pulsão suicidária, e de um Portugal que procura encontrar uma habitação pós-imperial no seu continente originário. O autor não esconde as dificuldades. Sem recusar a "inspiração federal" adverte: "As perspectivas comunitárias vão mais num sentido centralista e burocrático do que numa via federal e política. A "governação económica" da UE, como se está a desenhar, é o contrário do federalismo" (p. 141). Recorda-nos Mendés France, esse grande político francês de origem portuguesa, que em 1957, na alvorada da CEE, nos advertia para os riscos de a política europeia ser capturada por uma tecnocracia indiferente à justiça social. Aconselha prudência: Portugal não pode sair da zona euro para cair num "isolamento" trágico. Aponta-nos o caminho da luta por Portugal. Dentro de uma Europa que também é nossa por direito próprio. Uma certeza: "Não pode haver aprofundamento da União sem aprofundamento da democracia a todos os níveis" (p.155). A prudência rima sempre com coragem, eis a lição do estadista.»

 

Viriato Soromenho-Marques, DN

 

«Loureiro dos Santos, Vasco Cordeiro, Mário Soares e Ramalho Eanes, em breves discursos, referiram-se à vida, à obra e ao pensamento de Medeiros Ferreira. A inteligência também pode comover. Ouvindo-os, passámos em revista o percurso desse açoriano, paradoxalmente nascido no Funchal, que marcou os nossos tempos e as nossas vidas. Ali estavam a exposição da memória de um homem que nunca foi simples, jamais cedeu ao impulso da vulgaridade e que nos deixa um legado de uma subtileza rara. Ao ouvi-los, não poderíamos deixar de estabelecer um paralelo com os tempos presentes. Por vezes, aos 49 anos, sinto a nostalgia de outras épocas. Será isso a primeira manifestação dessa estação etária, hoje tão amaldiçoada e outrora tão respeitada, as primícias da velhice? A verdade é que, olhando para o discurso preponderante na actualidade, temos tendência a sentirmo-nos póstumos em relação a nós próprios. Quando ouço ministros, secretários de Estado, editorialistas da moda a falarem da Europa, da crise e da questão da dívida, com o dogmatismo que a ignorância proporciona, lembro-me desses homens políticos, hoje tão raros, que conheciam a História. Valerá a pena aconselhar a leitura do último livro de Medeiros Ferreira a essa gente? Infelizmente, não tenho a certeza. Nesta época em que o lugar-comum, o soundbite esperto e a pequena astúcia prevalecem no pensamento rigoroso e profundo, parece destinado a uma condição menor.»

 

Francisco Assis, Público

 

«Portugal afunda-se completamente, não parecendo capaz de tomar qualquer decisão soberana. Basta alguém sequer aventar essa hipótese, como sucedeu com o manifesto dos 74, hoje cada vez com mais apoios, para ser imediatamente acusado de crime de lesa-majestade, por indispor os verdadeiros soberanos, neste caso os credores. Como já aqui escrevi, esta situação começa a parecer-se com o fim do Estado Novo. Os nossos governantes passaram a dedicar-se exclusivamente à encenação. O actual Primeiro-Ministro, numa prática inaugurada pelo seu antecessor, passou a ir a despacho a Berlim, o que considera um acto de grande soberania. De lá, ao lado da verdadeira soberana, pretende convencer-nos que a Alemanha aguarda com expectativa a decisão do Governo Português, e que a apoiará qualquer que ela seja. Como se nós não tivéssemos percebido que a decisão já foi tomada pela chancelerina alemã, e que o Governo se limitará a executá-la. Porque se não o fizesse, nas imortais palavras do outro, estaria o caldo entornado. Vai estar de qualquer maneira, mas para quem conta isso pouco importa. Mas a encenação mais grave foi a do Presidente na sua comunicação de ontem. Pretendeu, em primeiro lugar, convencer-nos que, depois de uma audição aos partidos políticos, tinha decidido marcar a data das eleições europeias para 25 de Maio. Como se nós não soubéssemos que essas eleições estão marcadas pelo Conselho Europeu desde 14 de Junho passado, só podendo os Estados-Membros decidir sobre se se realizam entre a quinta-feira e o domingo, sendo que o Reino Unido opta habitualmente pelo primeiro dia e os restantes Estados-Membros pelo último. Em segundo lugar o Presidente, numa nova versão de que a pátria não se discute, pede aos partidos políticos que apenas discutam os temas europeus e não os nacionais. Estou mesmo a imaginar um debate entre os portugueses sobre se o melhor presidente da Comissão será Alexis Tsipras, Martin Schulz, Guy Verhofstadt, ou Jean-Claude Juncker. Depois o Presidente pede aos portugueses que sejam bem comportados, e evitem crispações, para não prejudicar os "futuros consensos", que naturalmente outros se encarregarão de decretar. E finalmente o Presidente termina dizendo que o futuro da Europa é o futuro de Portugal. Esta frase lapidar significa apenas que o país já não tem futuro. Como num prefácio recente o Presidente fez questão de explicar.»

 

Luís Menezes Leitão, Delito de Opinião

 

«É verdade que o manifesto dos 70 isola Passos Coelho no seu fanatismo que exclui qualquer alternativa. É também inegável que ele expõe Cavaco Silva no seu ziguezagueante conformismo. Mas é preciso mais, muito mais, sobretudo se se quiser aproveitar a oportunidade para dar consistência às alternativas possíveis e mobilizar os portugueses para a sua concretização. Porque ou o manifesto corre o País, ou morrerá na secretária dos seus autores. Seria por isso muito útil - é a minha proposta - que se constituísse um "comité do manifesto" com meia dúzia dos seus subscritores, que promovesse reuniões públicas para discutir e avaliar iniciativas, propostas e timings, dando-lhe abertura e interação mediática com a criação simultânea de um site. Neste contexto de pré-campanha para as eleições europeias que já se vive, o momento é o ideal. Porque o que falta ao manifesto, por paradoxal que tal possa parecer, é precisamente ambição política. Isto é, capacidade e arte para traçar as trajectórias concretas que respondam aos nossos problemas, tendo em conta as circunstâncias actuais e as que já se pressentem. E de o fazer - este ponto é fundamental - com uma linguagem que não reproduza o insuportável europês tecnocrático que é hoje o primeiro instrumento de dominação da "pensamento único" austeritário. Precisamos de novas perspectivas e de novas propostas, mas também de novas palavras. Como um dia ensinou Freud, "quando se começa a ceder nas palavras, acaba a ceder-se nas coisas..."Deslocar o debate do défice para a dívida é, a meu ver, o maior e o melhor contributo do manifesto. Porque é aí que se concentram os maiores equívocos e reside o maior problema.»

 

M.M. Carrilho, DN

 

«O que afectou o establishment, que vai muito além do Governo, no Manifesto dos 70, foi a questão ser colocada em termos políticos. Traduziu-se assim a consciência que qualquer pessoa pode ter, rudimentar economista que seja. de que a nossa dívida é impagável mesmo com as mais optimistas taxas de crescimento dentro do domínio da realidade e não da ficção científica. Aliás, quando perguntados à bruta - como se deve perguntar aos governantes para não fugirem com subterfúgios - sobre como é possível diminuir a divida para os valores do pacto orçamental, nos prazos do mesmo pacto, ou vão para os longuíssimos prazos da economia (em que, como dizia Keynes, estamos todos mortos) ou para os impossíveis prazos da política em democracia. O Presidente fez isso e, apontando números de crescimento que todos sabem não ser realistas, chegou a mais de 20 anos do mesmo. Portanto alguma coisa tem de acontecer, a bem ou a mal. É muito provável que aconteça, na melhor das hipóteses, no contexto europeu a reboque de idênticos problemas da França e da Itália e que sobrem algumas migalhas para nós. Então essas migalhas, sob a forma de uma qualquer reestruturação da dívida, serão saudadas como sendo no tempo certo. No entretanto encolhemos, empobrecemos, subjugamo- nos e, como de costume, quem paga esse preço nem sequer terá tempo de vida para receber as benesses possíveis. De quê? Da reestruturação da dívida concedida como uma esmola e não como urna política...»

 

José Pacheco Pereira, Sábado

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