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portugal dos pequeninos

Um blog de João Gonçalves MENU

Uma escolha nacional

João Gonçalves 19 Mar 14

O Senhor Presidente da República usou cinco minutos do seu mandato - não sabemos se terá sido tão parco na recente despedida de dois dos seus consultores - para anunciar a data das europeias e recomendar beatitude e morigeração aos partidos na disputa eleitoral. Sugeriu que se pensasse na Europa e frisou que, apesar de doméstico, o escrutínio visa apenas escolher deputados europeus. Quando muito, disse, pode haver um bocadinho de debate "pós-troika" como se, de facto, alguma vez nos próximos anos houvesse outro cenário a não ser o imperativo categórico austeritário. Aliás, a Senhora Merkel não espera outra coisa desta maravilhosa periferia «sem uma política externa própria e activa» (estou a citar Medeiros Ferreira a partir do livro que devia ser de leitura obrigatória dos candidatos do 25 de Maio:«sem uma política externa própria e activa não haverá condições para a atracção do capital nesta faixa ocidental da Península Ibérica» - Não Há Mapa Cor-De-Rosa -, o que nada tem a ver com a constante deglutição de fusos horários pelo senhor vice PM a bem das "exportações"). Dito isto, as eleições europeias também são, ou sobretudo são, eleições nacionais adversariais, sem caminhos únicos, como se verá um pouco por todo o lado. Aqui também.

O fardo da liderança, segunda parte

João Gonçalves 19 Mar 14

Um "fórum" juntou os ministros das finanças dos últimos doze anos. Divididos pela dívida e, em parte, pelo chamado "pós-troika", os antigos ministros Ferreira Leite, Bagão Félix, Teixeira dos Santos e Vítor Gaspar (faltou Campos e Cunha) mostraram ter mais dúvidas do que evidências, ou certezas, sobre as matérias. Gaspar, aliás, voltou indirectamente a recordar ao seu epígono de estimação, Passos Coelho, que este arrosta com o fardo da liderança política, designadamente que lhe convém optar por um "seguro" acautelatório depois de Junho. Teixeira dos Santos - o qual, honra lhe seja feita, foi o primeiro a afirmar publicamente que os cortes não voltavam atrás, em 2010, e agora explicou de novo que vai ser mesmo assim - também comunga, com os outros, desta opinião. Barroco em matéria de renegociação da dívida, Gaspar teve de sofrer as explicações de F. Leite e B. Félix, respondendo à primeira com o mau gosto (talvez fosse ironia inspirada pelas conversas "cultas" com M. J. Avillez) de lhe referir o bisavô. E ainda teve de ouvir que os excessos austeritários (que ele, por carta de 1 de Julho de 2013, reconheceu terem minado a sua crediblidade pelas suas consequências financeiras, económicas e sociais) do "ajustamento" emperram-nos o futuro por muitos e bons anos, por muitas e boas gerações "certas" ou "erradas". A actual ministra, num registo ora activo ora omissivo, mas muito adequado aos tempos eleitorais que se avizinham, falou entretanto no parlamento de um "alívio" virtual do mencionado fardo. Seja lá qual for (e é lastimável que se cale o que se segue quando ex-responsáveis falam desempoeiradamente sobre isso em conjunto), o fardo da liderança é coisa que, por natureza, não se "consensualiza". O cálice, como recordou o dr. Gaspar a quem de direito, é para beber até ao fim.

«Ocorrera entretanto a adesão de Portugal à CEE e abriram-se as novas décadas das especiarias e das pedras preciosas, agora sob a forma de fundos. Escusado será dizer que, nesses vinte anos de êxitos, de progresso, de negócios e de clientelas, quase nenhum espaço foi feito na praça pública aos «profetas desarmados», para usar a expressão com que Maquiavel contemplou os homens que, como nós, entrevêem o futuro sem os meios necessários para o influenciar. A colaboração nos jornais aí está para atestar essas preocupações mas o país modernizava-se aceleradamente e não cuidava de advertências. As elites portuguesas passaram a ser tão acriticamente europeias como haviam sido africanistas. O sucesso era mais uma vez obra do acaso. Ou seja, corria o risco de terminar um dia abruptamente sem se perceber porquê. Esse direito à Praça Pública veio através da miraculosa blogosfera. Todos os cidadãos ficaram a um clique da irradiação das suas opiniões e julgamentos. O nosso autor aproveitou soberbamente a novidade e a autonomia associada. O fenómeno literário «João Gonçalves» não seria possível hoje sem a liberdade que os blogues permitem, assim como permitem a rapidez na publicação, e a abordagem individual dos temas sem a subordinação a qualquer tipo de intermediários. Há qualquer coisa de pirata na blogosfera que encanta os aventureiros da escrita. Considero João Gonçalves um dos melhores cronistas deste século XXI, um «século ainda tão pequeno», como Karl Kraus considerou o vigésimo na véspera da Grande Guerra de 1914. Esse mesmo Karl Kraus que ostracisava os jornais de referência que ele tinha por responsáveis da hecatombe em preparação. Daí que editasse o seu próprio jornal Die Fackel, várias vezes apreendido pelas autoridades da Viena, imperial mas a desfazer-se. Para o súbdito austríaco o mais importante no público é a faculdade de julgar, e não a de opinar. Pois considero haver algumas analogias entre um pensador como o autor de «Esta grande época ainda tão pequena» e o nosso João Gonçalves. Ambos convocam o escândalo do julgamento e a errância de caminhos. Ambos marcam a sua época em meios de expressão fora do «sistema».(...) Se Dante nos visitasse reconheceria na maioria dos comentadores no activo aqueles espíritos «neutros» e «mornos» que  avistou  nos diversos círculos do Inferno que criou.»

 

José Medeiros Ferreira, prefácio do livro Portugal dos Pequeninos, 2009 (fora do mercado)

 

Foto: Lançamento do livro, em Junho de 2009. Medeiros Ferreira, ao centro, na primeira fila, ao lado de Manuela e António Ramalho Eanes

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