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portugal dos pequeninos

Um blog de João Gonçalves MENU

FINGIR LÍRIOS DE LORENA

João Gonçalves 10 Dez 10


Eu vi gelar as putas da Avenida
ao griso de Janeiro e tive pena
do que elas chamam em jargão a vida
com um requebro triste de açucena.


Vi-as às duas e às três falando
como se fala antes de entrar em cena
o gesto já compondo à voz de mando
do director fatal que lhes ordena.


Essa pose de flor recém- cortada
que para as mais batidas não é nada
senão fingirem lírios de Lorena


Mas a todas o griso ia aturdindo
e eu que do trabalho vinha vindo
calçando as luvas senti pena.


Fernando Assis Pacheco (a quase quinze anos depois da sua morte, vendo em silêncio o Expresso da meia-noite, sicn)

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PARA QUE SERVE UM DEPUTADO

João Gonçalves 10 Dez 10

Ficamos a saber, para perene prestígio do parlamento já de si tão prestigiado, que é-se deputado (e deixa-se de ser) quando um homem quiser como no estúpido natal do comércio. O deputado Vale de Almeida justifica a renúncia ao mandato por ter cumprido a sua patriótica e exclusiva missão: casar-se. Numa alegada democracia representativa, os deputados são da nação, não são deles. Mesmo que sejam desprezíveis. Mas cada povo tem o que merece e, talvez, Vale de Almeida se tenha limitado a tirar disso a devida e esperta ilação.

NÃO HÁ NOVA AD

João Gonçalves 10 Dez 10



«O 30º aniversário das trágicas mortes de Sá Carneiro, Amaro da Costa e acompanhantes suscitou a ideia de restauração de uma nova Aliança Democrática que retomasse a inspiração daquela peculiar coligação de partidos, movimentos e personalidades, mais rica de projectos no seu início, em 1979, do que no seu fim, às mãos frágeis das autárquicas em Dezembro de 1982. Mas nada de semelhante se vê no horizonte. A nostalgia da sigla deve-se à liderança de Sá Carneiro e ao facto de o Estado estar na altura bem apetrechado para responder aos desafios exteriores colocados à sociedade portuguesa pelo choque petrolífero e pela inflação. Existiam, então, os instrumentos para o Estado ter um papel estratégico e não apenas defensivo: o poder político democrático sobrepunha-se aos outros poderes, inclusive ao económico, sem arrogância nem atropelo; o sistema bancário, se bem que pecasse pela excessiva estatização, garantia às empresas o crédito propício à produção de bens transaccionáveis; o Banco de Portugal ainda não se reduzira a um gabinete de estudos.Sobretudo, havia a esperança num projecto europeu de progresso que agora se está a desfazer. Os tempos são outros. A coligação entre o PSD e o CDS, que governou o país entre 2003 e 2005 sem resultados práticos, está longe de ser a nova AD.» (Medeiros Ferreira, CM)

Nota: Concordo com Medeiros Ferreira (como se isso importasse alguma coisa ou como se a minha opinião valesse alguma coisa). A experiência intercalar da "direita" entre Guterres e Sócrates não foi feliz. Para além disso, deu-se uma falsa renovação desse pessoal político. Aliás, da banda do CDS, são exactamente os mesmos encabeçados pelo dirigente partidário há mais anos em funções, o crónico do "eu fico". O PSD de Passos ainda não passou do limbo e, à volta dele, rondam figurinhas, com ou sem estilo, salvo raras excepções, que não auguram nada de especial quando não mesmo o pior. O regime, cativo da mediocridade das nomenclaturas partidárias, do Bloco ao CDS, está paralisado. E não se vislumbram movimentos regeneradores ou reformadores que rompam com isso a partir dos partidos parlamentares ou a seguir a qualquer acto eleitoral, a começar pelo de 23 de Janeiro próximo. O episódio César - na sua mesquinhez regionalista autoritária que Sócrates, chefe do governo nacional, se limita a "lamentar" - é apenas mais um sintoma daquela mediocridade. Gostava de ler qualquer coisa do Medeiros Ferreira sobre isto.

A FACE OCULTA

João Gonçalves 10 Dez 10


A China ameaçou e proibiu certos países de comparecerem na entrega do prémio Nobel da paz. Ramos Horta, presidente de Timor Leste (esse mesmo, que nos vai "ajudar" na dívida), meteu imediatamente o rabinho entre as pernas e não só não vai como não se faz representar. Quando lhe deram o mesmo prémio, meio mundo choramingou de alegria e prostrou-se em Oslo homenageando a coragem dos timorenses representada por ele e pelo bispo. Passaram os anos e o "realismo" e os "interesses" - aqueles que o sr. Assange tem feito o favor de divulgar à massa bruta - impuseram-se a Ramos Horta que verdadeiramente nunca passou de um gnomo cortesão. Não merece um pingo de respeito.

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«A Wikileaks é uma organização política, com escreveu Pacheco Pereira, e não jornalística, mas trabalha na comunicação social e tem relações especiais com cinco dos melhores jornais do mundo. A sua política é esta: mudar o mundo pela comunicação e não pela revolução. Além de segredos militares e diplomáticos dos EUA — principal alvo das “wiki-fugas” de informação —, a organização já tornou públicos documentos sobre membros de um partido racista britânico, a descarga de lixo tóxico na costa africana e corrupção empresarial, entre outros pacotes de informação. Na Islândia, a Wikileaks foi consultora do parlamento na criação de legislação que transforma o país num paraíso da liberdade de imprensa. A legislação foi aprovada por unanimidade parlamentar em Junho. Na origem da decisão extraordinária da Islândia esteve a sua crise financeira, que se deveu em parte ao secretismo em negócios de bancos. Os telegramas diplomáticos ultimamente anunciados pela Wikileaks serão, muitos deles, irrelevantes enquanto material jornalístico ou de interesse público, como aquele em que um diplomata dos EUA “explica” que Putin e Medvedev são como Batman e Robin; o “fait divers” apenas sugere que o diplomata estaria mais bem colocado na Disneyland, a fazer de Pateta. Mas alguns telegramas são de interesse público, sobre inúmeros países e regimes, como o que respeitante ao envolvimento de dirigentes no narcotráfico ou sobre o pedido de autorização para voos da CIA em território português. Nem todos os telegramas causam danos. Pelo contrário. Em Portugal, o ministro Amado pôde credibilizar a inocência do governo no caso dos voos da CIA; uma fonte do Kremlin não viu nada de mal na informação saída da Rússia. No PÚBLICO, Teresa de Sousa escreveu que os telegramas revelam que o governo dos EUA “prossegue o seu objectivo legítimo de manter a liderança americana de uma forma equilibrada, pensando no interesse americano numa perspectiva global”. Haverá maior elogio à superpotência? Enquanto organização agregadora de informação e não-jornalística, não cabe à Wikileaks seleccionar o material obtido. Se o fizesse, cairia no mesmo erro de secretismo e falta de transparência que condena nos poderes políticos e militares. Por demissão, desinteresse ou acomodação, o jornalismo tem desleixado o tipo de investigação que a Wikileaks faz. Cabe agora aos jornalistas o papel secundário de extrair dos documentos material de interesse jornalístico. Os serviços secretos ocidentais não descobriram razões políticas para que os alvos principais da Wikileaks tenham sido, até agora, os EUA e o velho Ocidente, mas a história ensina que a hipótese é valida. Alguns ex-colaboradores do site mencionaram essa obsessão. Mas, se as “wiki-fugas” prejudicam os sistemas de poder democráticos, o que, por tabela, favorece os mais fechados ou ditatoriais, não se pode condenar a revelação de documentos relevantes na esfera pública pelo facto de não haver segredos russos ou chineses na Internet. Os recentes ataques à Wikileaks por parte do sistema político-militar-financeiro americano, incluindo ameaças de assassínio, são do mais brutal contra a liberdade de expressão que ocorrem desde a 2ª Guerra Mundial no mundo democrático e constituem mais um alerta sobre o que esperar contra a liberdade nos países livres. Acresce que os EUA, como afirmou o ministro australiano dos Negócios Estrangeiros, são responsáveis pelas suas fugas de informação. Os seus sistemas de segurança revelaram-se demasiado frágeis e talvez mesmo criminosamente displicentes, se se confirmar que todos os documentos estavam reunidos no mesmo local e acessíveis para cópia por um soldado. O jornalismo deve reconhecer-se na missão da Wikileaks de investigar e dar a conhecer erros e até crimes dos poderes. Por causa dessa tarefa, por vezes corajosa e generosa, morrem por ano dezenas de jornalistas em todo o mundo. Como é possível jornalistas e comentadores portugueses atacarem a divulgação de documentos de interesse público? Até arrepia ler e ouvir alguns deles, super liberais ou de “esquerda” (porém “moderada”), condenando a divulgação de documentos pela Wikileaks e assumindo a mesma posição do poder político e militar americano.»


Eduardo Cintra Torres, Público


Adenda (de Eduardo Cintra Torres, recebido por mail):«Não mencionei no meu artigo eventuais danos causados pela Wikileaks ao divulgar "o que não devia" por uma razão simples: ainda não aconteceu. Os EUA, como lhes compete, exageram ao invocarem esse perigo para aumentarem a aura negativa da Wikileaks. A lista dos edifícios importantes parece-me um caso desses. Qualquer organização anti-americana interessada conheceria ou facilmente faria a lista daqueles edifícios. Além disso, os terroristas têm atacado edifícios que não vêm em lista nenhuma, como as Torres Gémeas e hotéis "ocidentais" em diversas partes do mundo. Nada os detém quando querem causar o mal.»

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