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portugal dos pequeninos

Um blog de João Gonçalves MENU

«NÃO SE MUDA JÁ COMO SOÍA»

João Gonçalves 3 Nov 10


Calhou ouvir, num programa sobre os 75 anos da rádio pública, a voz do então ministro do Ultramar, Adriano Moreira, em 1961 à chegada a Moçambique. Entre outras exaltadas tiradas de defesa da então nação pluricontinental, Moreira manifestou-se, por entre fartas palmas e vivas, contra, e passo a citar, "o partido racista da ONU". Passaram quase cinquenta anos sobre isto e não sei, porque não leio, se os "manuais" escolares do prof. Moreira ou os seus artiguinhos de jornal ainda tratam a inócua ONU nestes termos. Suspeito que não e que, pelo contrário, a ONU seja hoje para o distinto mestre uma prestigiadíssima organização internacional e não o "partido racista" de outros tempos. Nem vale a pena citar o famoso verso do prestigiado zarolho acerca da "mudança". Todavia, é bem certo que «afora este mudar-se cada dia,/outra mudança faz de mor espanto:/que não se muda já como soía.»

PANTOMIMICE

João Gonçalves 2 Nov 10

Depois da primeira parte da pantomimice chamada "debate sobre o orçamento do Estado", qualquer marciano, ao ouvir os marcianos do PS e do PSD, jamais acreditaria que tais criaturas tinham um "acordo". Este espectáculo deplorável de circo e demagogia só contribuiu para os nossos credores terem a certeza que não se pode confiar nesta gente. Ou seja, haver ou não haver orçamento não interessa nada porque os seus putativos aplicadores ou colaboracionistas não possuem um pingo de credibilidade. Não admira, portanto, que os famosos juros aumentem ao ritmo do aumento da estupidez nacional.

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Só o muito amor desenganado a um lugar que considerava Pátria, apesar da badalhoca que era e é, pode "explicar" uma obra como a sua. «Mas sucedia - dizia ele - que eu também não tinha (como nunca chegou a ter) "cartão" de "universitário lusitano", e nunca passei pela obrigatória iniciação de carregar a mala, da estação ao hotel, de qualquer Dona Carolina, macho ou fêmea (com perdão da ilustre senhora), mesmo no mais metafórico sentido.» Nunca se resignou «à baixeza "burguesa" da humanidade inteira.» Parabéns.


EM CRETA, COM O MINOTAURO

I

Nascido em Portugal, de pais portugueses,
e pai de brasileiros no Brasil,
serei talvez norte-americano quando lá estiver.
Coleccionarei nacionalidades como camisas se despem,
se usam e se deitam fora, com todo o respeito
necessário à roupa que se veste e que prestou serviço.
Eu sou eu mesmo a minha pátria. A pátria
de que escrevo é a língua em que por acaso de gerações
nasci. E a do que faço e de que vivo é esta
raiva que tenho de pouca humanidade neste mundo
quando não acredito em outro, e só outro quereria que
este mesmo fosse. Mas, se um dia me esquecer de tudo,
espero envelhecer
tomando café em Creta
com o Minotauro,
sob o olhar de deuses sem vergonha.

II

O Minotauro compreender-me-á.
Tem cornos, como os sábios e os inimigos da vida.
É metade boi e metade homem, como todos os homens.
Violava e devorava virgens, como todas as bestas.
Filho de Pasifaë, foi irmão de um verso de Racine,
que Valéry, o cretino, achava um dos mais belos da "langue".
Irmão também de Ariadne, embrulharam-no num novelo de que se lixou.]
Teseu, o herói, e, como todos os gregos heróicos, um filho da puta,
riu-lhe no focinho respeitável.
O Minotauro compreender-me-á, tomará café comigo, enquanto
o sol serenamente desce sobre o mar, e as sombras,
cheias de ninfas e de efebos desempregados,
se cerrarão dulcíssimas nas chávenas,
como o açúcar que mexeremos com o dedo sujo
de investigar as origens da vida.

III

É aí que eu quero reencontrar-me de ter deixado
a vida pelo mundo em pedaços repartida, como dizia
aquele pobre diabo que o Minotauro não leu, porque,
como toda a gente, não sabe português.
Também eu não sei grego, segundo as mais seguras informações.
Conversaremos em volapuque, já
que nenhum de nós o sabe. O Minotauro
não falava grego, não era grego, viveu antes da Grécia,
de toda esta merda douta que nos cobre há séculos,
cagada pelos nossos escravos, ou por nós quando somos
os escravos de outros. Ao café,
diremos um ao outro as nossas mágoas.

IV

Com pátrias nos compram e nos vendem, à falta
de pátrias que se vendam suficientemente caras para haver vergonha]
de não pertencer a elas. Nem eu, nem o Minotauro,
teremos nenhuma pátria. Apenas o café,
aromático e bem forte, não da Arábia ou do Brasil,
da Fedecam, ou de Angola, ou parte alguma. Mas café
contudo e que eu, com filial ternura,
verei escorrer-lhe do queixo de boi
até aos joelhos de homem que não sabe
de quem herdou, se do pai, se da mãe,
os cornos retorcidos que lhe ornam a
nobre fronte anterior a Atenas, e, quem sabe,
à Palestina, e outros lugares turísticos,
imensamente patrióticos.

V

Em Creta, com o Minotauro,
sem versos e sem vida,
sem pátrias e sem espírito,
sem nada, nem ninguém,
que não o dedo sujo,
hei-de tomar em paz o meu café.

Jorge de Sena

«QUE VOS LEVE O DIABO»

João Gonçalves 2 Nov 10


«Devo dizer que desesperei totalmente da cultura portuguesa em Portugal e no mundo, e que não invejo a satisfação absurda e ridícula com que portugueses se publicam, se louvam ou se mordem. Ao fim de 34 anos de escrever, 32 de publicar, e quase 12 de ensinar literatura, o meu desengano crítico é total - e, se um dia me puder esquecer de que a língua portuguesa existe, com tudo o que ela implica de estupidez e de maldade (o que não quer dizer que as outras não impliquem o mesmo - mas não são de nascença minhas), creio que morrerei em paz. Que vos leve o diabo.»
Rascunho de prefácio, de 1970, a Estudos de Literatura Portuguesa I


Adenda: Se fosse vivo, Sena faria hoje 91 anos.

THE CRYING GAME

João Gonçalves 1 Nov 10


Depois do orçamento passado, Sócrates regressa logo à propaganda com uma entrevista à tvi na noite de quarta-feira. É bem feito. Não confiaram nele? Agora ele limita-se a dar curso à sua natureza como o escorpião em cima da tartaruga que o ajudou a atravessar o rio. Acabaram mal os dois.

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ADEUS, ESCOLA

João Gonçalves 1 Nov 10


Deve ter passado despercebida uma entrevista de Fernando Savater no último Expresso, suplemento Actual. Mas Savater, grande conhecedor de Cioran, punha o dedinho na coisa que é já chaga e não mera ferida. A escola não deve ser democrática e, antes, deve preparar para a democracia. Isto, evidentemente, é para aquelas sociedades que ainda respeitam a noção de escola, de disciplina e de professor. Não é para aquelas de engodos tecnológicos destinadas a "formar" labregos em vez de alunos.

O AVISO DE ERDA

João Gonçalves 1 Nov 10



Um jornal alemão "entregou" as chaves do reino de Portugal ao dr. Passos. Sócrates, dizem, já não tem motivos para sorrir embora Passos também não. No fundo, os alemães querem saber a quem é que apresentam a factura. É tudo como na saga dos Nibelungos - alles was ist, endet.

«ADEMAR TEM CALÇA NOVA»

João Gonçalves 1 Nov 10



Em "homenagem" ao "povo irmão" do Brasil (esta do "povo irmão" provoca-me invariavelmente um choro compulsivo só atenuado pela leitura imediata dos classificados do Correio da Manhã) , fica o comentário do leitor Marcos Paulo Storer Steklein neste post que reproduzo na íntegra com "aquele abraço" (mais lágrimas).

«Muito do lixo que o ilustre e provavelmente onisciente e sacrossanto - pois como tal deve considerar-se - redator deste enfadonho e inócuo blogue que para nada mais serve a não ser para destilar o veneno intoxicante de seu autor, devo dizer, perdoe-me o português patriota que ler esta mensagem, foi-nos legado justamente por Portugal, o mesmo Portugal que hoje rasteja aos pés do FMI como um mendigo esfomeado e esquálido, tendo de comer da bacia das almas , agora não sendo nada mais que uma espécie de protetorado da União Européia. Vícios estruturais da vida política nacional do Brasil têm, forçoso é dizê-lo, uma raiz legitimamente lusitana, pois embora vocês jamais o admitam, pois são orgulhosos demais para fazê-lo, um orgulho tolo, frise-se, tendo a cabeça cheia de vento como têm, foi realmente a colonização portuguesa a maior e mais cruel tragédia histórica que se abateu sobre o Brasil. Vocês exploraram-nos até o tutano dos ossos, rasparam até o fundo do cofre, deixando-nos na mais absoluta bancarrota e o mais trágico (ou seria cômico?) é que sequer souberam aproveitar-se adequadamente das riquezas que nos roubaram, dilapidaram-na, reduziram-na a pó, pois veja a situação que vocês enfrentam hoje, nem os agiotas do FMI querem contato consigo. Perdoe-me por chocar sua sensibilidade patriótica a tão elevado grau, mas o fato nu e cru é que vocês nos criaram e fizeram de nós o que somos hoje e se o Brasil é um lixo como o senhor tão sabiamente afirma, é o resultado direto do emporcalhamento feito por Portugal. E se o Brasil é um lixo, posso dizer, como João da Ega: "Portugal é uma choldra".

Pós-escrito: Não sou nem nunca fui partidário do presidente Luiz Inácio e seus asseclas esquerdopatas, também fiquei profundamente consternado e decepcionado com a vitória da Guerrilheira Mor mas é como diz o ditado: "a cada um a sua cruz", nós temos Dilma Rousseff, vocês têm José Sócrates. Quem está pior na fita?»


Bravo, Marcos. Eu não diria melhor a não ser na parte do português lulizado que V. usa e que eu jamais usarei. Quanto ao mais, fique descansado que a minha "sensibilidade patriótica" já desapareceu há muito porque dificilmente se pode ser patriota no meio da "choldra". Mas, insisto, V. Exas. foram uns excelentes redescritores da parte da "choldra". Não sei por que é que teimam em vir então para cá. É que isto não é "emergente" - é uma emergência submergente. Goze a sua Dilma em paz.

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