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portugal dos pequeninos

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«OS CUSTOS DO ORÇAMENTO»

João Gonçalves 17 Out 10




Enquanto Marcelo palra com os mesmos (adaptados) "argumentos" do clip acima, um amigo diz-me que "há demasiada gente a ajudar o Sócrates, fazendo de conta que não vê que ele está a usar a pressão de Bruxelas para uma manobra política." Por aqui, faço o que posso. Registei, com agrado, que Rui Ramos, no Expresso, escreveu, uma vez mais, crónica digna de atenção. Coincidimos pelo que, com a devida vénia, deixo o seu texto à reflexão dos leitores (sublinhados meus).

«Ao ver tantos antigos e prospectivos líderes do PSD em fila para ir convencer Passos Coelho a deixar Sócrates no poder, lembrei-me do mais dramático discurso que um presidente da república fez até hoje em Portugal. Foi a 30 de Setembro de 1974. Spínola veio à televisão revelar que estava iminente a bancarrota, o caos e uma ditadura comunista. E quando toda a gente esperava que o general anunciasse a exoneração do governo, o estado de sítio ou coisa assim, eis que ele participa ... a sua própria demissão. A elite suplente do PSD está na mesma. Brada que este governo não é de confiança, que perdeu o controle da despesa e que vai, com impostos, afogar a economia. Mas em vez de concluir que é urgente arranjar outro governo, que diminua o peso do Estado e crie um ambiente favorável ao investimento, ao trabalho e à poupança, ei-la a proclamar que o melhor é o PSD submeter-se - pela terceira vez num ano - à vontade de Sócrates, viabilizando, sem refilar, o orçamento nos termos do governo. Há razões para a viabilização? Há. A eleição presidencial, que impede uma transição rápida, é a melhor. Mas evitar a bancarrota? Essa já foi a história do PEC de Maio, com a bênção de Bruxelas - e eis onde chegámos. Há ainda quem preferisse aguardar por melhor ocasião para apear Sócrates. Mas quando é que, nos próximos anos, estará o país numa situação em que não seja uma “irresponsabilidade” derrubar o governo? Examinemos, porém, a perspectiva da bancarrota. Dizem-nos que significa descrédito, empobrecimento e governação estrangeira. E como estamos nós? Só o BCE nos empresta dinheiro, divergimos da Europa, e os PECs chegam de Bruxelas. Não haja ilusões: nenhuma simples exibição de “bom senso”, sem mais, fará os “mercados” esquecer que o Estado e o modo de vida em Portugal não condizem com a economia e a demografia. Essa é a questão. Para os mercados, já falimos. Só a alavancagem do país pelo BCE nos tem poupado à realidade. Mas Bruxelas exige agora, como contrapartida, um consenso orçamental. O governo, sempre hábil, viu logo a oportunidade de transformar o que deveria ter sido o seu próprio óbito, num meio de desacreditar a liderança do PSD, forçando-a a aceitar, sem discussão, a agressão fiscal de que discorda e que prometera rejeitar. É isso que está em causa. Vai Bruxelas - e, devido à alienação dos mercados, é de Bruxelas que devemos falar - punir o país se o PSD resistir? A oligarquia do regime, num curioso intervalo da habitual descontracção nacional, resolveu assumir que sim. A tensão deixou o PS e o PSD nervosos com os respectivos líderes. Não haver orçamento tem custos, mas haver, como simples imposição do governo, também. Para começar, o custo do saque fiscal que vai, mais uma vez, compensar a incapacidade governamental de conter as despesas. Depois, o custo político. Porque caso o PSD deixe passar a proposta nos termos que o governo exige (repito: nos termos que o governo exige), dificilmente voltará a ser, sob esta ou qualquer outra direcção, uma alternativa credível - sobretudo se ficar a impressão de que o drama desta semana foi afinal uma comédia. O regime arrisca-se, para segurar as mesadas do BCE, a perder a capacidade de gerar alternância. Acreditem: essas coisas também se pagam.»

Rui Ramos


CRIADAGEM

João Gonçalves 17 Out 10

Estava a mudar livros de um lado para o outro e deparou-se-me Do Corvo a Santa Maria, de Joaquim Manuel Magalhães (texto) e José Sousa Gomes (fotos), Relógio D'Água, 1993. Está "em vigor", contrariamente a toda a poesia que o Joaquim Manuel Magalhães escreveu e que decidiu resumir num só livro. A dado passo há a referência a um jantar com um então famoso autarca continental. Sucede que a passagem é muito ilustrativa para se perceber o regime e os seus "funcionários" que, de públicos, só têm em comum a primeira letra de outra palavra famosa de duas sílabas. O que na passagem me interessa é esse retrato e, consequentemente, retiro o nome do então autarca, da cidade e do seu partido de modo a apenas ficar o nada, ou seja, a criadagem representada por ele e pela propriamente dita dele.

«Pela força associativa do contraste absoluto, lembrei-me de outro presidente da câmara, a do (...), chamado (...) e igualmente do Partido (...), com quem, para azar meu, tive de partilhar um jantar numa noite péssima. Não podia haver nem ambiente nem interesses mais diferentes; nem sinais mais invocadores, nessa noite de (...), do mais repugnante dos políticos que se fazem apenas pela política. O jantar volante era-nos servido na (...), recuperada para esses fins. Embora o mobiliário e a decoração fossem de um bom gosto suficientemente neutro, não deixava de aparecer um ou outro desgostante quadro de flores, de qualquer senhora local bem prendada, estilo cueca. O presidente chegou com um atraso notório, rodeado por três assessores. Percebia-se mais pelos assessores do que pelo presidente que a câmara era do (...) continental. Quando a colher de café de (...) caiu, um dos assessores curvou-se, apanhou-a, pousou-a na mesa, enquanto o presidente nem sequer olhava para o servidor. Talvez anos atrás se tivesse também ele curvado para ascender, e agora era um eleito (pelas eleições, claro). Era o mundo dos pequenos políticos, dos pequenos assessores, em tudo idêntico ao dos chamados políticos maiores. Assim me encontrava com o usual vazio dentro das cautelas usuais. As criadas que serviam o jantar confessaram-nos que eram neutras, quer dizer, que não tinham partido. Embora não percebesse qual a relação entre ser neutro e não ter partido, achei que era um assunto de criadas em que não devia insistir. Percebi as coisas melhor quando o tal presidente explicou que os ricos são apolíticos e julgou, talvez, que eu ironizava ao acrescentar-lhe: "os ricos e as criadas". Mas estava longe de ironizar. Aquele jantar tinha sido um dos bons momentos da encenação esperável do que certa política tem para ensinar: o nada, isto é, ricos e criadagem.»

SEM PARÊNTESES RECTOS

João Gonçalves 17 Out 10

«O governo pôs em marcha um plano de reforma financeira destinado a afectar a economia e o Estado. O plano é visto no estrangeiro como corajoso, e até exemplar, e pensado para devolver o crédito [ao Reich]. Isto pode ser uma consolação, mas [na Alemanha] sentimos que um programa financeiro não é, afinal , um programa económico (...). O que é que os planos do governo para o orçamento do próximo ano podem dar aos que olham horrorizados para os próximos invernosos meses, de desemprego, despedimentos, fome, e ruína? Pesado como chumbo [- como nos anos mais negros da guerra -] o peso recai no peito de todos e não nos deixará respirar.»

Thomas Mann, em 1930, citado por Filipe Nunes Vicente

VALORIZAR O INCERTO

João Gonçalves 17 Out 10

«Não é fácil a mudança de perspectiva que esta teoria sugere, porque ela supõe um corte com o que Taleb descreve como a nossa «arrogância epistémica», que nos leva quase sempre a sermos melhores a explicar do que a compreender, sobrestimando o que conhecemos e subestimando o incerto.»
M.M. Carrilho, E Agora? Por uma Nova República, Sextante Editora, 2010

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DA DEMOCRACIA

João Gonçalves 17 Out 10


«Se não há nada melhor que as democracias, nada haverá mais tirânico, medíocre e estúpido do que elas.»
Carta de Dezembro de 1969 a Guilherme de Castilho

MATEM-SE E ESFOLEM-SE

João Gonçalves 17 Out 10


«A degradação a que a nossa classe média chegou não se cura com menos de uma catástrofe», escreve Pulido Valente no Público. Como aperitivo catastrófico, o orçamento para o qual ele tem vindo a recomendar "viabilização", sugerindo sevícias públicas ao dr. Passos e ao prof. Cavaco por não serem mais explicitamente coniventes com Sócrates, serve perfeitamente. Num país com a nossa dimensão material e ética, "público" e "privado" confundem-se amiúde. Salvo uma outra raríssima excepção, o "privado" e a "sociedade civil" sempre floresceram à conta do Estado e da mão estendida. Para não irmos mais longe, veja-se a mais recente procissão banqueira à oposição e ao governo, por esta ordem. "Dissolver" o Estado é fechar o país. Não é que se perdesse grande coisa mas julgo ainda necessário um esforço intelectual para não alinhar com a matilha acéfala que passa a vida a falar da função pública como da lepra medieval. Nunca vi ninguém enriquecer na função pública - não me refiro, como é óbvio, a cargos de nomeação política ou associados. Se, por milagre de coluna de jornal ou de aparição televisiva, o Estado acabasse amanhã, de que viveriam os grilos falantes do regime? Das suas extraordinárias pessoas e feitos? De uma sociedade fictícia, inteiramente "privada", como uma "casa de segredos"? Quando Pulido Valente, nos seus livros, agradece nomeadamente ao Instituto de Ciências Sociais "a situação excepcional" que lhe "permitiu trabalhar em paz" ou que lhe deu "tempo, espaço e liberdade" para escrever, está a agradecer a quem?

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