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portugal dos pequeninos

Um blog de João Gonçalves MENU

A FALSA RENTRÉE

João Gonçalves 20 Ago 10


Acabo de ver Medeiros Ferreira e Jaime Nogueira Pinto na sicn. São duas pessoas acima do imediatismo das mediocridades inteligentes e não inteligentes que ali costumam permanentemente "debater" a nação. Ambos colocaram no devido lugar "a crise do calçadão" à qual têm acudido personagens tão esquecíveis como irrelevantes como Canas ou Relvas. Parece que este fim de semana, em Mangualde, o PS terá o seu "momento calçadão" na pessoa do admirável líder. Depois será negociado o orçamento com Passos Coelho e não se fala mais nisso. Medeiros Ferreira concluiu, e bem, pela evidência de que as eleições presidenciais marcarão, mais do que quaisquer duodécimos, a rentrée falsamente entregue a actores de terceira linha. Ele - como eu, aliás, enquanto parte interessada - está convencido que o actual Chefe de Estado ganhará folgadamente o próximo acto eleitoral. É evidente que se pressente, como nos concertos ao ar livre de verão, que há para aí uns "Micaéis Carreira" mortinhos para assegurar os primeiros vinte minutos do espectáculo do pai. Refiro-me àquilo que Nogueira Pinto notou como a hipótese da emergência do famoso segundo candidato da "direita". A história, disse-o N. Pinto com manifesto acerto, está pejada de actos puramente estúpidos e politicamente nulos. E nós sabemos como a estupidez é sempre mais infinita do que qualquer infinito e que a pulsão "Ana Malhoa", na política doméstica, é demasiado forte. Mas, nessa altura, voltará a pergunta do costume - a quem é que V. confiava as chaves do carro e da casinha pagos a prestações com tanto sacrifício e com perspectivas de mais sacrifícios nos anos vindouros? Ao Micael? À Malhoa? Ao Obama de Viana de Castelo? Ao inscrito na "causa real"? Ao poetastro do dr. Louçã e da arq. ª Roseta?

O ELEFANTE E A FORMIGA

João Gonçalves 20 Ago 10


Há uns dias referi-me aqui à má pulsão croniqueira que invadiu os jornais. Precisamente no espaço físico do jornal onde Eduardo Prado Coelho escrevia O Fio do Horizonte, fui encontrar um jovem jornalista (assina assim), de seu nome Mário Lopes (na edição online o seu retrato foi trocado pelo de outra jornalista que não tem nada ar de "Mário Lopes"), que disserta sobre memórias. Ele não entrava na escola primária que frequentou há vinte anos. Deverá, consequentemente, não ter mais de vinte e cinco anos. Ele "lembra-se" e tem "fortes memórias de infância". Pudera. Mas vai mais longe nisso. «O mais bizarro, dizia, era estar ali, duas décadas depois, a duvidar das minhas memórias. Na verdade, nunca as temos por certas. Vão-se transformando e diluindo entre tudo o que vimos e sonhámos sem viver realmente. Daí, repito, esse afã de registar constantemente. Oferece-nos segurança: a certeza de que fomos e vivemos realmente aquilo que a memória nos diz. Mas eu, que tenho a mania de arquivar, já não estou certo de querer tais certezas.» Pois é, Mário, como é que V. queria estar certo de quaisquer certezas ou de duvidar das suas memórias quando, pelo mero decurso do tempo, é cedo para as ter, quer quanto a certezas, quer quanto a memórias? O Mário oscila, neste sector, entre os "Goonies e Huckblerry Finn" e eu, se fosse ele, ficava por aí. E deixo-lhe um exemplo. Precisamente de quem o antecedeu nesse espaço e cujo fio do horizonte o Mário está longe de poder alcançar mesmo com tantas "certezas e memórias".

«Há pouco mais de dez anos, estava eu em Paris, na noite da minha casa no Marais, semiadormecido no sofá em frente da televisão, e de súbito o telefone tocou. Era uma rádio de Lisboa e pediam que comentasse a morte de Gilles Deleuze, o seu suicídio, em que se libertou da máquina de oxigénio a que vivia preso e se lançou pela janela. Estávamos em 4 de Novembro de 1995. Nesse mesmo ano, o Arte começara a transmitir o Abecedário de Deleuze, no qual este escolhia certas palavras para falar da vida, dos animais, da filosofia (lembro-me, por exemplo, das suas palavras sobre a "maldade" dos wittgensteinianos). Era a mais longa e dispersa das entrevistas, realizada com a cumplicidade de Claire Parnet (com quem Deleuze fizera em 77 o livro Dialogues, a melhor introdução à sua obra). No contrato inicial, tratava-se de um documento para ser divulgado depois da sua morte, mas Deleuze, considerando que a vida que ainda vivia estava mais perto da morte do que da vida, autorizou que ele passasse na televisão. É claro que os jornalistas eram extremamente sensíveis à questão do suicídio. Mas o seu significado continha uma afirmação solar, não um gesto nocturno. Ninguém pode ver nesta morte uma dimensão negra e destrutiva. De certo modo, Deleuze estava inteiramente presente naquilo que nele era a intensidade da vida: a imanência - uma vida, assim se intitulava quase enigmaticamente o seu último texto. Porque a obra ainda anunciada sobre a "a grandeza de Marx" não chegou a ver a luz do dia. Nunca conheci Gilles Deleuze. Vi-o apenas duas vezes. Uma foi na Grande Sala do Centro Pompidou, num debate sobre o Tempo musical. Estavam também presentes Pierre Boulez (a organização era do Ircam), Michel Foucault, Roland Barthes, Luciano Berio. Tudo isto tinha lugar em 20 de Fevereiro de 1978. A segunda vez já não sei quando foi: recordo apenas que num sábado à tarde vi Deleuze percorrendo as estantes de uma livraria que fica em frente da Sorbonne, na Rue des Écoles. Confirmei aquilo que já sabia e que sempre me deixara perplexo nas fotografias: as unhas encurvadas de tal modo estavam crescidas. Deleuze explicava que uma hipersensibilidade na ponta dos dedos o levava a proteger-se daquele modo. Dez anos depois da sua morte, surgem múltiplas iniciativas. Entre nós, o incansável Nuno Nabais organizou uma jornada com comunicações e leituras, no auditório do Instituto Franco-Português. Em França multiplicam-se as publicações. A difusão internacional de Deleuze foi sempre prejudicada pelo seu ódio às viagens e pela sua reserva em relação aos debates nos colóquios. Só agora começam a proliferar as traduções. Em Portugal saliente-se a publicação dos dois magníficos livros de Deleuze sobre cinema na Assírio e Alvim. Noutro dia, na televisão, nas Páginas Soltas de Bárbara Guimarães, alguém propunha a obra O Fio da Navalha de Somerset Maugham e comparava a sua legibilidade com a "chatice" de autores franceses como Gilles Deleuze. Era o mesmo que comparar um elefante com uma formiga. Como filósofo, Deleuze sempre foi um escritor admirável que se lê com um prazer desmedido: se a filosofia tem a ver com a felicidade, é isso que aqui acontece. Leitor admirável (de Spinoza ou de Leibniz), Deleuze tem livros extraordinários sobre a pintura (em particular, Francis Bacon), o cinema (páginas luminosas sobre inúmeros autores, entre eles Oliveira), a literatura (Proust, Melville ou Kafka). E deu-nos um exemplo de uma escrita em comum (publicou vários livros com Félix Guattari). Existe uma admiração que tece um espaço virtual de amizade. Quando naquela noite de Novembro falei ao telefone sobre a morte de Deleuze, eu sentia que uma amizade nos prendia na teia sempre improvável dos encontros.»

É TRISTE

João Gonçalves 20 Ago 10

Esta notícia é assustadora. Ou devia ser. Sabemos, desde os tempos imemoriais em que o D. Afonso perseguiu, bateu e encarcerou a própria mãe que, por trás de cada português que se preze, se esconde um polícia de costumes. E um estúpido. E um delator. Um tipo olha, faz uma festa ou fotografa uma criancinha e imediatamente fica rotulado de pedófilo. Esta obsessão patética, que eu saiba, ainda não devolveu nenhuma Maddie à procedência. Tal como esta edificante "história" do "lar Betânia" - quem colocou um nome destes a um lar de rapazes estava à espera de quê? -, sobre "excessos e abusos", faz parecer que só agora é que descobriram a roda. Razão ao Rodrigo da Fonseca. Nascer, viver e morrer entre brutos é triste.

Adenda (da fiel leitora Mina): «Conheço pais e mães que já evitam acarinhar os filhos em público. E quanto a estranhos, nem pensar. A Pátria, agora por outras razões, voltou a estar doente. Como escreve o autor do post, por detrás de cada português esconde-se um polícia de costumes. Já assim foi nos tempos da Inquisição e eis que essa mentalidade, que verdadeiramente nunca deixou de existir, está de regresso, agora com a cumplicidade dos órgãos do Estado. Estou certo de que Schiller, se fosse vivo, poria hoje na boca do Grande Inquisidor, não uma ameaça a Filipe II pedindo-lhe, por razões políticas, a cabeça do Marquês de Posa, mas inquiriria das relações de amizade entre o Marquês e o infante Don Carlos. E depois estabeleceu-se, intencionalmente, uma confusão entre homossexualidade masculina (ou feminina), pederastia e pedofilia, apesar de terem hoje conceitos distintos e definidos. Deve haver (como possivelmente também no estrangeiro) alguma coisa oculta atrás destas notícias. Sobre a questão dos "padres pedófilos" nos EUA, sabemos que foram atiçadas pelas comunidades evangélicas e pró-judaicas da extrema-direita WASP que pretendem constituir em Israel o Reino de Cristo na véspera da chegada do Messias. Estão doidos, é claro, mas não deixam de ser nocivos à Civilização.»
Não gosto nem desgosto de Carlos Queiroz. Não me diz nada. Porém, desde ontem, e graças a um "Madaíl dois" da FPF, um Carvalho qualquer do PS - é da assembleia municipal de Sintra pela agremiação a que também pertence Laurentino -, Queiroz passou a ser alvo de novo processo desta feita por delito de opinião. Processos por delito de opinião, como qualquer não-câncio sabe, são processos de natureza norte-coreana. Nem sei mesmo se o verdadeiro Kim não terá já mandado fuzilar o treinador nacional que "falhou" no campeonato das vuvuzelas. O "kimismo" nacional está um pouco por todo o lado. O sr. Carvalho, pelos vistos, representa-o brilhantemente na FPF. Que lhe faça bom proveito.

NÃO SOMOS TODOS CIGANOS ROMENOS

João Gonçalves 20 Ago 10

Miguel Serras Pereira costuma ser um tradutor que não me desilude. Quanto ao mais que perpetra - versos? - não leio. Mas li isto e, a sério, sorri com o título, o famoso cliché do "somos todos" qualquer coisa, na circunstância, ciganos romenos. Não somos e o Miguel também não é a não ser a título retórico. Ninguém está a atacar cidadãos por serem romenos e, muito menos, ciganos. O que se aplaude - eu aplaudo e pode chamar-me racista ou fascista que dormirei descansado na mesma - é a repatriação de ladrões. Porque, Miguel, para ladrões já temos quanto basta com bilhete de identidade nacional. Se viaja, sabe perfeitamente a que é que estes coirões e coironas se dedicam com inusitada proficiência. É evidente que há sempre injustiças nestas coisas e nem todos e nem todas são gatunos. Todavia, a vida é mesmo assim, injusta, e não uma casa na pradaria. E não, não somos todos ciganos romenos. O que todos devemos ser é decentes e civilizados - ciganos, brancos, pretos ou amarelos. Nenhum Estado pode usar os impostos dos seus concidadãos para sustentar gatunagem tenha ela a cor que tiver. Isto não é bonito de se dizer no meio de tanta tenda falsamente montada no estafado "multiculturalismo" dos congressos em hotéis de cinco estrelas onde as carteiras estão, em princípio, seguras. Mas o mundo é porventura bonito?

A DIMENSÃO DO CALÇADÃO DE QUARTEIRA

João Gonçalves 20 Ago 10


«O discurso que Pedro Passos Coelho fez no Pontal (uma festa partidária sem especial significado) provocou um alarido incompreensível. Do Governo a jornalistas que estimam o Governo e até a personagens menores como o dr. Vital Moreira (que se tornou um furioso beato do PS) houve gritos de indignação. O homem preparava uma crise política, o homem queria uma crise política, o homem era um irresponsável. Como se o chefe da oposição não devesse (em qualquer circunstância, boa ou má) defender a política que representa. Como se a oposição não pudesse pôr condições para votar o Orçamento ou ter uma ideia sobre como corre a vida pública portuguesa. Como se Pedro Passos Coelho, presidente do PSD, estivesse obrigado a obedecer ao primeiro-ministro. Isto mostra bem a miséria moral a que o país chegou. Mas não vale a pena perder tempo a bater nesse gato morto. O importante é o que Passos disse. E, desgraçadamente, o que disse ficou pela trivialidade ou, pior ainda, pela pequena manobra em que hoje em dia se esvai o cérebro da nossa classe dirigente. Para quem julga ele que falou? Para os portugueses não falou com certeza. A maioria dos portugueses não percebeu a dimensão e a gravidade dos sarilhos que a esperam. Imagina que os problemas se resolverão como já se resolveram antes, com o tradicional apertão em casa e uma ajudinha lá de fora. A "Europa" e o FMI não nos deixam cair, pois não? É claro que não. Basta aguentar uns tempos que tudo volta à mesma: com o mesmo desleixo e os mesmos vícios. O Presidente declarou a situação "insustentável". Só que, no fundo, ninguém acredita. E Sócrates não perde uma oportunidade para jurar exactamente o contrário. Para se distinguir desta conversa sem nome, Passos Coelho precisa de explicar, numa linguagem clara e, de preferência, dura, o que pensa do estado económico de Portugal, do futuro próximo e das medidas que tenciona tomar. O resto, as jeremíadas do costume sobre despesa e sobre impostos não servem de nada: entram por um ouvido e saem por outro. São coisas para o dr. Marcelo comentar e reduzir rapidamente à irrelevância. Para alguma gente - suponho que pouca - o importante no Pontal não foi a inútil (e, de resto, hipócrita) ameaça de rejeitar o Orçamento, foi a desilusão de encontrar um político mais, quando se esperava descobrir um estadista.»

Vasco Pulido Valente, Público

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