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portugal dos pequeninos

Um blog de João Gonçalves MENU

COMEMORAÇÕES, 2

João Gonçalves 11 Jun 10

Nestas comemorações, Mário Soares queixou-se da mediocridade política dos actuais dirigentes europeus. Se ele tivesse algumas dúvidas sobre isso, bastava-lhe certamente ouvir a prédica plástica de Sócrates, sempre agarrado àquela parolice do "sou duma geração" como quem passa horas a treinar ao espelho. Ainda não percebeu - nem há servo que lhe explique - que começa a enjoar. Seriamente. Mediocridade? Confrangedora.

CURIOSA CONCLUSÃO

João Gonçalves 11 Jun 10

O PS escolheu como adequado porta-voz da "sua" conclusão na comissão Mota Amaral (este levou aquilo tão a sério que até se quis furtar a presidir à derradeira reunião da coisa) o deputado Rodrigues, o dos gravadores. E a "sua" conclusão - a única que ele admite - é que não houve mentiras. Se vier lá que alguém mentiu, já não é a "sua" conclusão. Tal como ele não tirou gravadores a ninguém, apenas exerceu "acção directa". A comissão morreu à mão de dois deputados, por coincidência, decerto, dos Açores. Curiosa conclusão.

Adenda: Um leitor lembrou a naturalidade açoriana de dois PR's da triste República de 1910. Acerca do primeiro deles, Arriaga, julgo que, uma vez mais, Pulido Valente o resume bem. E, com as devidas adaptações, o retrato "resume" Mota Amaral, salvo na parte de versejador que, neste, pelo menos publicamente, não se conhece. «Em nenhum momento da sua longa vida excedera (ou haveria de exceder) uma mediocridade honesta. A seu favor contava-se apenas um passado de pioneiro, assaz diletante, e quase quatro décadas de fiel serviço ao Partido [Republicano]. Mas agora estava velho e cansado e a cada passo mostrava que não percebia nem se adaptava às duras realidades do mundo republicano. Sobrevivente de mais simples e tranquilos tempos, autor de um livro chamado Harmonias Sociais, entrou para a presidência em estado de inocência política e saiu para morrer, deixando atrás de si só desilusões e ruínas.»

COMEMORAÇÕES

João Gonçalves 11 Jun 10


Dados a comemorações e a beberetes, cá estamos, durante dois dias nos Jerónimos, a celebrar 25 anos de nós na Europa. Essa Europa - e a que, vamos lá, se seguiu durante uma meia dúzia de anos - já desapareceu. Em seu nome, há o euro o qual, por sua vez, também já conheceu melhores dias. E há, evidentemente, a primeiro-ministro dos "vinte e sete", a sra. Merkel e o seu valet de chambre, Sarkozy, que tomaram conta da Europa por conta da crise. Os restantes "rostos" do tratado de Lisboa - Barroso, a baronesa ou condessa e o valente Popeye - são tão irrelevantes como pedras na calçada. Isto serve para dizer que não há nada para comemorar e, pelo contrário, apenas coisas a lamentar a começar pelo desbiografado sediado em São Bento. E para recordar que, escassas horas passadas sobre o evento, um dos convivas, Mário Soares, então 1º ministro, se demitiu. Porquê? Vasco Pulido Valente resume, melhor do que eu, o motivo. Esse, sim, comemoro.

«De repente, em algumas semanas, caiu o tecto. Mota Pinto, humilhado num Conselho Nacional, abandonou o governo e, para o lugar dele, foi interinamente Rui Machete. Depois, Mota Pinto morreu. E o Congresso do PSD, marcado para a Figueira da Foz, ficou, por assim dizer, sem dono. Que chefe iria produzir aquela desvairada congregação? O enérgico Salgueiro? O coleante Marcelo? Pior ainda? Em S. Bento, o candidato berrava como um possesso. Numa tarde qualquer de Maio, recebi um recado para comparecer urgentemente no futuro «espaço Valbom», um prédio em carcaça com meia dúzia de quartos alcatifados. Lá dentro, rodeado por uma corte fúnebre, Soares tentava não aliviar a raiva, partindo cadeiras na cabeça dos dignitários. Logo que entrei mandou calar a canzoada. Precisava de me fazer uma pergunta, uma pergunta fatídica: «Quem é esse Cavaco?». Pulidamente, inquiri a razão do interesse. A minha vida, oscilando entre a baixa literatura e um alto sentimento, não me permitia seguir com minúcia as peripécias da política partidária. Soares respondeu, atirando-me um jornal por cima da mesa. O jornal informava o público que o Prof. Cavaco Silva fora eleito presidente do PSD. Coube-me, pois, a honra de ser o primeiro a instruir o dr. Mário Soares sobre a natureza da criatura. Registo o profético sumo das minhas palavras: «Não se aproxime dele, não lhe fale, não lhe toque. Não se convença que negoceia com ele. Ele não gosta de negócios, só gosta de contas, e desconfia de si (para pôr as coisas com brandura). Demita-se imediatamente. Informe o país que se fartou das loucuras do PSD e que o PSD quer subverter a ordem e matar os portugueses à fome. Exija eleições. Mas não se meta com o homem.» (Vasco Pulido Valente, Retratos e Auto-Retratos, 1992)

A PAIXÃO POSSÍVEL

João Gonçalves 11 Jun 10



Reparo - porque alguém reparou - que este blogue começou há sete anos. Movimentou-se em direcções inesperadas. Valeu um livro, novos amigos, um "inimigo" famoso, alguns conhecidos e fartos desaparecimentos, na maior parte, lamentáveis. A um crescente isolamento pessoal correspondeu um alargamento "virtual" do meu chegar a pessoas que não sei quem são e elas, muitas delas, não sabem quem eu sou (nem queiram saber!). Na epígrafe que escolhi, Gore Vidal afirma ter conhecido muita gente mas possuir a sensação de não ter conhecido ninguém. Isso também se acentuou sobretudo com os chamados "íntimos" que, afinal, da intimidade só experimentam o prazer de a trair. Todavia, isto aqui funciona mais ou menos como uma paixão para consumo pessoal. Não há outra, aliás.

A "COESÃO NACIONAL" MORALIZADORA

João Gonçalves 11 Jun 10



«A redução de 5 por cento toca levemente na bolsa dos políticos, mas prescindir ou prejudicar a corte que o rodeia tocaria no seu poder - e isso eles não quiseram. Os jornais, misteriosamente, chamam à coisa "moralização". De quem ou de quê? De qualquer maneira, essa "moralização" não chegou por enquanto ao deputado Ricardo Rodrigues, vice-presidente da bancada do PS, que alegadamente subtraiu dois gravadores, no fim de uma entrevista à revista Sábado. Perante este episódio, em que só a polícia e os tribunais deviam intervir, a Assembleia da República vacila. A Comissão de Ética ainda não levantou a imunidade parlamentar ao deputado Ricardo Rodrigues, uma decisão que, em princípio, se julgaria automática. E Francisco Assis declarou a história, que, aliás, não nega, "lamentável", acrescentando generosamente que ela "não corresponde a um padrão de comportamento" de Ricardo Rodrigues ou às relações do PS com a imprensa. Estas palavras consolaram de certeza o país, que ficou agora seguro da alta honestidade dos seus representantes.»

Vasco Pulido Valente, Público

«REQUEIMAR QUEM PENSA»

João Gonçalves 11 Jun 10


Tinha, há mais de vinte anos, enfiado no meio de outros livros o livro A Poesia de Fernando Pessoa, de Adolfo Casais Monteiro. Há muito tempo que não lia uma coisa tão fulgurante, tão bem escrita, tão melhor pensada, tão cheia daquele amor silencioso, solitário, irónico e polémico que é aquele que Casais devotou a uma grandeza (Pessoa) devidamente anunciada. Foi ele quem, escassos meses antes da morte do autor de Mensagem, recebeu de Pessoa a afamada carta, entre outras coisas, acerca da "génese" dos heterónimos. Dele, Pessoa, afinal. Graças ao sr. André, obtive mais livros de Casais Monteiro. À semelhança de Sena, exilou-se e ensinou no Brasil. E lá encontrou a morte. Como Sena, nos Estados Unidos, seis anos depois. Esse desaparecimento - se aqui trago Casais Monteiro é porque o considero um compatriota maior e nosso muito mais contemporâneo do que tantos "eternos" contemporâneos que se passeiam por aí na academia, nos jornais, nas revistas, nas conferências e em livros aos molhos - suscitou um belíssimo poema de Sena, publicado em Poesia III (Conheço o sal... e outros poemas, de 1974), que reproduzo. Porque brilha em Casais, "estrangeiro definitivo" até na morte, (e em Sena) um «fogo ardente a requeimar quem pensa/que em Portugal de Portugal se é.»

À memória de Adolfo Casais Monteiro

Como se morre, Adolfo? Tu morreste
(toca o telefone às duas da manhã em Lourenço Marques
era a Joaninha em lágrimas a dizer que o padrinho tinha
morrido eu não queria crer e mesmo perguntei – tendo
tantos compadres – quem era o padrinho dela cuja
morte chegava em notícia de Lisboa a Mécia e eu ficámos
silenciosos com os olhos marejados das lágrimas que só
vieram no dia seguinte esperávamos mais dia menos dia
tão doente estavas aquela notícia agora mais incrível por
chegada inopinadamente do outro lado do mundo que
não era sequer aquele em que morrias)
- e diz-me o Pimentel numa carta tão triste:
enquanto dormias a tua solidão
e estavas morto e sereno pela manhã alta.

Morreste na mesma solidão altiva e tímida
com que foras discreção e delicado ser
escondido em máscaras de sorriso amargo
e de palavras ásperas e rudes. Igual aos versos
que escreveste como raros no molhar da alma
em sangue e sentimento já essência
e só profunda vida oculta em música
puríssima de câmara em cordas tensas
a que o ranger dos arcos se somava ambíguo.

Ninguém mais nobremente ergueu em si
o monumento da morte esse viver contínuo
num só de se indicarem por oblíquos
sinais os gestos limpos da amizade
e os limpos mais ainda de um amor constante
que o teu corpo buscou em tantas mulheres
amando só algumas fielmente na tortura
de não se amar tão bem quando o desejo.

Adolescente, amadureceste para uma velhice
a que te deste como monge laico
incréu de tudo menos desse amor perdido
que à tua volta, em livros como em música,
era um sussurro de memórias silentes
a rodear-te de vácuo a tua sala vazia.

Como se morre, Adolfo? Trinta e três
anos –uma idade perfeita – conheci-te,
soube de ti o dito e o não dito, o que escreveste
e o que não escreveste. Por instantes,
os teus olhos cruzavam-se num viés de vesgo
que era um saber terrível de estar só no mundo
e não haver que valha a pena que se diga
sem destruir-se quanto em nossa via é o pouco
indestrutível se guardado à força
num silêncio de exílio e de distância.

E todavia como estiveste no mundo, como
duramente bebeste toda a dor do mundo,
ou a fumaste em nuvens de cigarros que matavam
os teus pulmões possessos de asfixia.

Foste o estrangeiro e o exilado perfeito
e por todos nós que recusámos de um salto
por outras terras esta terra há séculos de outrem,
morreste em dignidade, sem queixas nem saudades
a queixa e a saudade mais pesadas
pesadas para o fundo, sem palavras
que as não há entendívéis aonde não se entende
a perfeição tranquila em desespero agudo
a que te deste num morrer sem voz.

Morreste só, como viveste. Sem conversa,
como escolheste viver. Longe de tudo,
como a vida te deu que tu viveras.

E tão presente, mesmo se esquecido,
és como o fogo ardente a requeimar quem pensa
que em Portugal de Portugal se é.

Como se morre? Neste instante extremo,
sentiste um respirar que te alargava
e te expandia o peito mais os olhos
até os confins deste universo inteiro?

Abriste os olhos? Só em sonhos viste?
Morreste – como se morre? – E no teu rosto
qual nos teus versos poderá ser lido
até que nem pensaste nem disseste.

Mas isso tu sabias, e creio que foi pouco
oh muito pouco o que a morte foi capaz de te ensinar.

Jorge de Sena

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