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portugal dos pequeninos

Um blog de João Gonçalves MENU

NÃO VAI LÁ

João Gonçalves 10 Jun 10


Esta gigantesca (em tamanho e do tamanho do ego dela) entrevista à ministra da cultura divulga uma personalidade voluntariosa e estratosférica que quer fazer tudo, em todo o lado, ao mesmo tempo e que, da "gente" da cultura, possui esta "visão" singular: «É sobretudo um sector constituído por personalidades, por um lado muito frágeis, do ponto de vista dos egos, das sensibilidades e, por outro, muito inteligente, muito lúcido, muito reflectido e, ainda, nalguns picos, com graus de intelectualidade e formação académica muito desenvolvidos. E com grau de internacionalização e ligação ao mundo muito fundamentados. Temos os pólos opostos numa vasta gama de interlocutores e, por isso, é um sector que exige ser tratado com pinças.» No fundo, Canavilhas imagina o sector como um laboratório onde ela pratica experiências de carácter científico junto de cobaias, algumas das quais exibem alegadas formas de vida inteligente, "muito inteligente, muito lúcido, muito reflectido e, ainda, nalguns picos, com graus de intelectualidade e formação académica muito desenvolvidos." Este paternalismo insuportável deveria fazer corar de vergonha as referidas cobaias e a jdanovista ministra. Em momento algum, porém, Canavilhas revela perceber que exerce um cargo político. Fala como se estivesse a tocar, deslumbrada e pela primeira vez, uma mazurka num piano desafinado para um auditório de surdos-mudos. Não vai lá.

OS PUPILOS DO SENHOR REITOR

João Gonçalves 10 Jun 10

Um tal Rendas, que é presidente do conselho de reitores das universidades nacionais, afirmou, sem se rir, que «as universidades públicas comprometem-se a atrair novos públicos de forma diversificada.» O senhor reitor terá noção daquilo que é (ou deve ser) uma universidade? Ou julgará que a vulgarização do acesso à dita é como ter banda larga em casa ou ir a casas de meninas ou de meninos? Ou encher a universidade com meninas e meninos "diversificados"? Os "novos públicos" são uma obsessão demagógica normalmente associada a gente que não tem sequer uma ideia para satisfazer o "público" que tem. Ora a universidade, por natureza, não é um teatro ou uma praça de touros destinada a "atrair" ninguém. O que o Estado deve garantir é que, quem tem mérito, lá chegue se quiser chegar. Não pode é franquear, "de forma diversificada" (o que é isto?), as respectivas portas ao perigoso conjunto vazio que invariavelmente constitui o "estimável público". É de temer o pior.

«Os portugueses são de um individualismo mórbido e infantil de meninos que nunca se libertaram do peso da mãezinha; e por isso disfarçam a sua insegurança adulta com a máscara da paixão cega, da obediência partidária não menos cega, ou do cinismo mais oportunista, quando se vêem confrontados, como é o caso desde Abril de 1974, com a experiência da liberdade. Isto não sucedeu só agora, é não é senão repetição de outros momentos da nossa história sempre repartida entre o anseio de uma liberdade que ultrapassa os limites da liberdade possível (ou sejam as liberdades dos outros, tão respeitáveis como a de cada um) e o desejo de ter-se um pai transcendente que nos livre de tomar decisões ou de assumir responsabilidades, seja ele um homem, um partido, ou D. Sebastião. (...) E sejam quais forem as nossas ideias e as nossas situações políticas, nenhum de vós que me escutais ou não, pode viver sem uma ideia que, genericamente, é inerente à própria condição humana: o resistir a tudo o que pretende diminuir-nos ou confinar-nos. (...) Deixem-me todavia recordar-vos que o grande aproveitacionismo de Camões para oportunismos de politicagem moderna não foi iniciado pela reacção. Esta, na verdade, e desde sempre, mesmo quando brandindo Camões, sentia que as mãos lhe ardiam. Aqueles oportunismos foram iniciados com o liberalismo romântico e com o positivismo republicano. E se o Estado Novo tentou apoderar-se de Camões, devemos reconhecer que ele era o herdeiro do nacionalismo político e burguês, inventado e desenvolvido por aquele liberalismo e aquele positivismo naquelas confusões ideológicas que os caracterizavam e de que Camões não tem culpa (...). Além e acima de tudo e todos, a principal personagem da epopeia é Camões ele-mesmo, não só como o autor, não só como o narrador, não só como o crítico severo e implacável de toda a corrupção e de toda a maldade, como o denunciador angustiado de uma decadência moral e cívica que ele via e sentia à sua volta, e o qual constantemente interrompe a narrativa para invectivar com o maior desassombro. (...) Ele é o homem em si, aquele ser que se busca continuamente e ao amor que o projecta para dentro e para fora de si mesmo, e é, como Luís de Camões, o predestinado para ser, ao mesmo tempo, o poeta-herói supremo que realiza, isto é, torna real para a eternidade da poesia, a história de Portugal, e a embarca nos navios de Vasco da Gama para unir o Ocidente ao Oriente. Ao mesmo tempo, este poeta-herói-épico, e o poeta-homem, exemplo de ser-se português, em exílios e trabalhos, em sofrer incompreensões e injustiças , e - ao contrário do que sucede ou sucedeu a alguns - regressar com as mãos vazias, apenas rico de desilusões, de amarguras e do génio que havia posto numa das mais prodigiosas construções jamais criadas, desde que o mundo é mundo (...). E vendo-o no seu tempo, e na visão do mundo que ele teve, sabemos que devemos relê-lo atentamente para saber, que ele, tão orgulhosamente português, entenderia todas as independências, se fosse em vida nosso contemporâneo como ele o é na obra que nos legou, para glória máxima de uma língua falada e escrita ou recordada em todos os continentes. O orgulho de ser-se alguma coisa, o inabalável sentimento de independência e de liberdade, disso ele falou, e sentiu como ninguém. É disso um mestre. Tudo existe na sua obra: o orgulho e a indignação, a tristeza e a alegria prodigiosa, a amargura e o gosto de brincar, e desejo de ser-se um puro espírito de tudo isento e a sensualidade mais desbragada, uma fé inteiramente pessoal, pensada e meditada como ele a queria e não como uma instituição , e a dúvida do presdestinado que se sente todavia só e abandonado a si mesmo. Leiam-no e amem-no: na sua epopeia, nas suas líricas, no seu teatro tão importante, nas suas cartas tão descaradamente divertidas. E lendo-o e amando-o (poucos homens neste mundo tanto reclamaram amor em todos os níveis, e compreensão em todas as profundidades) - todos vós aprendereis a conhecer quem sois aqui e no largo mundo, agora e sempre, e com os olhos postos na claridade deslumbrante da liberdade e da justiça. Ignorar ou renegar Camões não é só renegar o Portugal a que pertencemos, tal como ele foi, gostemos ou não da história dele. É renegarmos a nossa mesma humanidade na mais alta e pura expressão que ela alguma vez assumiu.»

Jorge de Sena, Discurso do 10 de Junho de 1977, na Guarda, In Dedicácias, Guerra&Paz. 2010

RUMOR DE RAÇA

João Gonçalves 10 Jun 10



Que pena me fez ver os nossos antigos combatentes - os verdadeiros, não os que andam por aí a juntar umas massas em missões "humanitárias" - a terem de desfilar diante de tantos traidores à Pátria. A traição à Pátria é, antes de outra coisa qualquer, uma atitude moral, ou melhor, amoral que se pode traduzir em acções e omissões em vários domínios. Vivendo em paz, embora numa paz de cemitérios, Portugal está, no essencial, entregue a patrioteiros de opereta que envergonham aquilo que já foi uma raça. Apesar deste abaixamento generalizado, Cavaco Silva é o único PR que expressamente teve a coragem de associar o que resta das Forças Armadas - e, este ano, os antigos combatentes - ao Dia de Portugal. Até porque cumpriu serviço militar obrigatório em Moçambique enquanto a maior parte do palanque oficial nunca vestiu uma farda ou fugiu de a vestir. Se um rumor de raça resta, a estes homens, mortos ou vivos, o devemos. Eles são o Dia de Portugal.

O TRIUNFO UNIDIMENSIONAL

João Gonçalves 10 Jun 10



«O futebol tornou-se num fenómeno inseparável do culto da cupidez, do dinheiro fácil, do sucesso que não olha a meios, da matriz de irresponsabilidade impune, factores que têm conduzido as nossas sociedades aos dilacerantes problemas que hoje vivemos. É, pois, bom que se pense na sociedade que se está a construir, quando os exemplos que se incensam até ao delírio são os de indivíduos que vivem numa abracadabrante ostentação, como se fossem deuses de um novo circo, gastando dezenas de milhares de euros numa noite de discoteca, exibindo um permanente carrossel de escort girls de luxo, circulando em automóveis de centenas de milhares de euros que estoiram sem um ai. Ao mesmo tempo que, na maior parte dos casos, raramente são capazes de uma iniciativa filantrópica, de um projecto mecenático, de um gesto solidário. Ou, mesmo, quantas vezes, de uma simples frase com sentido… Por isso, a identificação das selecções e dos seus resultados com qualquer tipo de desígnio nacional não passa, na verdade, de um ritual mais ou menos oportunista e sem qualquer consistência. Que dá, todavia, um bom retrato da estatura daqueles que a promovem, que de resto não enganam ninguém com isso - a não ser, talvez, a si próprios! (...) O desporto condiciona hoje em todo o planeta o imaginário dos povos, impondo-lhes um conjunto uniforme de representações a partir do qual eles concebem quase toda a existência. Como diz um dos melhores intérpretes deste fenómeno, Robert Redeker, é no desporto que se concentram em mais alto grau os factores de uma tal uniformização: consumo desenfreado, fetichismo das marcas, pressão publicitária, culto dos ídolos, submissão aos media, sloganização da linguagem, histerização das multidões, fanatismo da performance. Convergência que torna o desporto, e particularmente o futebol, no catalisador de uma humanidade cada vez mais unidimensional. Não ver isto é não ver nada. Ou melhor, é ver só futebol…»

Manuel Maria Carrilho, DN

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