Se não visse e ouvisse, não acreditava. O Morcego, a opereta de Strauss em cena no São Carlos, resume, na perfeição, a desgraça - ou a maldição - que se abateu sobre o nosso único teatro lírico. Com o devido respeito pela Orquestra Sinfónica Portuguesa, pelo coro e pela generalidade dos cantores, este Morcego é um escarro. A encenação, em torno de vampiros e matrafonas, é um remake ordinário do "tema" do momento nas livrarias e em telenovelas. Uma valsa passou a declinação rasca do "thriller" de Jackson. Os diálogos em português, particularmente as falas protagonizadas por Maria Rueff, são dignos da pior e mais reles "comédia" de televisão onde o engraçadismo roça o puro atrasadismo mental e a graçola porcalhona. As alusões à vida pública são trocadas por insultos às características físicas dos políticos. Nem Gabriela Canavilhas, a ministra da cultura presente, escapou à vulgaridade baixa de Rueff (estilo pianos a dar à cauda perante a suposta beleza da ministra) e permaneceu no camarote, impávida e serena (como se não tutelasse politicamente aquele lixo todo) a contemplar a canalhice que decorria no palco. Pelo meio apareceu Carlos Guilherme paramentado de "benfiquista" a trautear o hino do clube de futebol. O público - o mais bronco, quase todo agora, que olha para aquilo como se estivesse no circo ou num estádio - ria-se e aplaudia as alarvidades. Outros patearam (como eu) e saíram. O Prof. Jorge Miranda, no intervalo, sugeria que o São Carlos devia fechar. Concordo. Um teatro lírico que anda a fazer de teatro lírico quando não passa de uma co-incineradora da inteligência e da sensibilidade, devia encerrar. Os três ornamentos da direcção portuguesa e o alemão director artístico envergonham a história e os pergaminhos do São Carlos. Fiquei com a ideia, pela sua passividade perante tamanho disparate, que a actual ministra não entende o que se está a passar. O seu aval a este descrédito pago com dinheiro público é inadmissível. Melhor sorte teve o assessor cultural do Chefe do Estado que saiu logo no fim do 1º acto e não teve de ouvir as enormidades que Rueff disse de Cavaco como se estivesse no Maria Vitória ou na retrete. Chacun à son goût? Clip: Johann Strauss Jr., Die Fledermaus. Royal Opera House Covent Garden, 1984. Doris Soffel, Herman Prey. Direcção de Placido Domingo.
Pulido Valente, e bem, tem sido desde quase o princípio disto (anos 70 do glorioso pós-Abril), o mais veemente e esclarecido "denunciador" do pior disto. Tem, contra os papagaios e cristãos-novos, a vantagem de saber história. E de, em alguma forma, ter participado dela. Ao lado de Eanes - o presidente da RTP, de 75, e o Presidente da República da "tentação presidencialista" manifestada em discursos que VPV ajudou a escrever - e depois contra Eanes, com Sá Carneiro, em oposição a um vago "eanismo" que Sá Carneiro e Soares não controlavam. Daí para diante, Pulido Valente só se meteu no primeiro MASP e preferiu os livros e as crónicas. A de hoje devia ter terminado duas frases antes. VPV sabe tão bem como eu que só outro regime, justamente o presidencialista, pode devolver um módico de autoridade a esta coisa untuosa em que tornaram (todos) o dito regime. Frases como «é melhor deixar as coisas seguirem o seu curso, de preferência na legalidade», equivalem a preferir um pastelão feito de restos e de batatas doces a um resoluto steak au poivre de carne limpa. De tanto terem seguido o seu curso, as coisas chegaram ao ponto a que chegaram. Já chega.
Uma insónia de princípio de dia permitiu, na cama e ao som de ventos, acabar de (re)ler um belo livro de Eduardo Lourenço sobre Pessoa, de 1973. Nessa altura Lourenço não era ainda, e tão tanto por vezes, o luminoso tagarela a quem o regime "cultural" passa a vida a acender velinhas. Mas, fora isto, Lourenço é curto num país onde há poucos como ele. Acabado o Pessoa Revisitado, a rádio dava-me uma voz altiva e embotada que só minutos depois identifiquei. Falava dela e de um livro dela como se fosse a nova Penélope dos inventados labirintos fantasmagóricos de meia dúzia de famosas criaturas, "heróicas" ou nem por isso. Vaidosa e pesporrente, Joana Amaral Dias quer, à força, ser a enfant terrible dessa casta pseudo-imaculada de antigos devotos de santinhos vermelhos que é o BE. E o meu amigo Medeiros Ferreira acha-lhe um futuro qualquer na tortuosa caverna neo-platónica bimba que acolhe as esquerdas portuguesas. Até hoje não consegui perceber o que é que acha e por que é que o acha. Tão pouco me interessa perceber. É evidente que perto das tolinhas mais evidentes dessas esquerdas (e das simétricas das direitas) que se pavoneiam no parlamento e nas televisões às costas e cotas dos respectivos partidos, Joana quase parece uma Madame de Stäel à moda do Bairro Alto. Todavia, é precisamente esse intervalo que a liquida. Esse quase.
O Delgado, na SICN, confessa - como se alguém ainda tivesse dúvidas - que tem um "fraquinho" pelo 1º ministro. E até o "pressionou" (ao dito 1º ministro) para ele tomar uma "medida". Que ele, obedientemente delgado, tomou. Pobre ténia celiniana que nem sentido do ridículo tem.
Lê-se no Sol, num artigo intitulado "Ferreira Leite falhou missão", que um ex-líder do partido - «que não quis ser identificado» - diz-se «mais preocupado com os vivos do que os mortos» e deseja que a senhora «descanse em paz (politicamente) e que não incomode mais.» É preciso nomear o parolo?
Na lixeira em que nos movemos, é reconfortante saber que há compatriotas nossos cujo pensamento - sim, ainda há quem pense apesar da bulimia intelectual que nos atacou como uma praga de mosquitos - é reconhecido por ele mesmo. Porque pensa.
Primeiro tem de me explicar o que é isso do “desta...
obviamente nao é culpa do autor ter sido escolhi...
Estou de acordo. Há questões em que cada macaco se...
Fui soldado PE 2 turno de 1986, estive na recruta ...
Então António de Araújo foi afastado do Expresso p...