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portugal dos pequeninos

Um blog de João Gonçalves MENU

O MEIO

João Gonçalves 19 Nov 06


A semana que "entra" vale pela colocação deste livro de Fátima Bivar (Maria Velho da Costa) e de Armando Silva Carvalho nos escaparates. É uma forma original de escrever: a duas mãos, com a infância de ambos por pretexto e o que se vai passando por cá "pelo meio". É bom que se comece a "descascar" o "meio", seja o literário, seja o político, seja lá o que for. É relativamente fácil porque é tudo muito pequenino e são sempre os mesmos. "Há dias folheei um livrinho cínico e galante, de um menino bem, um pretty boy, a falar da sua adolescência, vivida nos braços das artes e nos deleites do antes, durante e pós-coital. Autor: o inefável Frederico Lourenço, esse tão celebrado tradutor dos velhos gregos. O pai dele, o M. S. Lourenço, um homem requintado das filosofias, amante da palavra, do mito e da pergunta, andou comigo na recruta em Mafra e chamava-me o sapador suicida."

Armando Silva Carvalho, Maria Velho da Costa: O Livro do Meio, Romance Epistolar (Editorial Caminho, 2006)

CORRER PARA O FIM

João Gonçalves 19 Nov 06

A Fernanda não é só barricadas e "puxadas de culatra atrás". Leia-se como ela fala "do amor", esse tema impossível. "há no amor uma vocação trágica que corre para o fim, para esse cume de sentimento e loucura que tão bem visconti filmou em 'sentimento'. amor que não mata e esfola e esventra de amor não é amor, talvez -- é assim, pelo menos, que o aprendemos na literatura e no seu sucedâneo cinematográfico, no fado e em toda a pop, na ópera e em todas as grandes líricas." A tetralogia de Wagner não "canta" outra coisa, aliás, correr para o fim.

MÓNICA E O CAMPONÊS

João Gonçalves 19 Nov 06


O "diário" de hoje, domingo, de Maria Filomena Mónica na Pública intitula-se "Salazar e os grandes portugueses". A tese é simples. Salazar emerge em 1928, num país rural e analfabeto, e só um e num país rural e analfabeto Salazar - inteiro produto desse país rural e analfabeto, com a "inteligência e a cultura" que o seminário lhe propiciou, senão não passaria de um vulgar burgesso, que é como Mónica aprecia a "tribo rural" (sic) - poderia pastorear. Por consequência, não se deve ter medo da evocação do nome do ditador (ou seja, a RTP também teve aqui o seu lado burgesso apesar da socióloga ter achado "graça" e se ter "entretido" com o programa), até porque - é a única coisa sensata do artigo - o nosso "fascismo" não foi propriamente "fascista" e ele, o ditador, jamais voltará dado que o país deixou de ser analfabeto e rural. Aquele andar de bicicleta pelas ruas de Oxford, bem como as descidas ao rés-do-chão envolta apenas num casaco de peles para se entregar aos puros prazeres da carne, entre outros prodígios cosmopolitas e "civilizados" que perpetrou em Inglaterra, tornaram Mónica numa espécie de supra-Saramago, uma intelectual portuguesa sem uma Azinhaga onde possa acabar a derramar a sua incompreendida genialidade e a dar autógrafos. Não creio que os adjectivos que Mónica usa para "classificar" a "tribo rural" e, de seguida, Salazar, sejam exclusivos dessa "tribo": "um exército de gente tacanha, manhosa, hipócrita, desconfiada e sobretudo avessa a riscos". De facto, mediante o recurso a estes "predicados", Mónica acaba por fazer um retrato da democrática "pequena burguesia de espírito" em que vegetamos, na cidade e nas serras. Quer, Maria Filomena Mónica, melhor exemplo disso do que o seu original artiguinho?

Adenda: Sobre isto, ler o Luís Naves, no Corta-Fitas.

LENDO OUTROS

João Gonçalves 19 Nov 06

"VOZES: Marques Mendes fez bem em demarcar-se dos elogios de Cavaco Silva ao governo. A democracia inclui, por definição, um pouco da stasis ateniense, ou seja, o confronto. Se os principais actores políticos ( PR e os dois maiores partidos ) disserem o mesmo, a cidade asfixia."

Filipe Nunes Vicente, in Mar Salgado
1. Em duas ou três frases do artigo semanal no Expresso - muito bonito e bem escrito, por sinal - Miguel Sousa Tavares coloca o "dedo na ferida" político-narcísica de Sócrates e, depois da entrevista encomiástica de Cavaco, do Presidente da República. O "sempre o mesmo querer e não querer o mesmo" (refiro-me ao Estado e ao seu "papel higiénico") relativamente quer ao "Estado social", quer à chamada "reforma da administração pública", quer ainda ao papel (também "higiénico") da "sociedade civil", resume-se a isto: "apesar da baixa do IRC, decretada por Durão Barroso, o investimento privado continua a cair pelo quinto ano consecutivo; só se investe quando se tem apoio financeiro ou fiscal do Estado ou então quando se consegue, do Estado ou das autarquias, um tratamento de excepção ou de favor". Como me dizia outro dia alguém com responsabilidades institucionais, o "problema do Estado" está muito para lá dos setecentos e tal mil funcionários cuja destrinça ninguém está interessado em fazer. Está sobretudo naqueles que, por via indirecta ou directíssima, acabam sendo mais dependentes do Estado do que aqueles que trabalham profissionalmente para ele, e que ninguém contabiliza porque, naturalmente, não interessa.
2. "(...) artigo de Graça Rosendo sobre o Tribunal de Contas (TC) publicado no semanário Sol. Revela a jornalista que, apesar das anunciadas restrições a novas contratações neste e noutros organismos do Estado, "só este ano já entraram no TC - por transferência ou requisição - 14 novos funcionários, três dos quais são técnicos administrativos". E vejam lá a coincidência: uma dessas requisições permitiu a entrada "da filha de um dos juízes-conselheiros do TC", que aqui permanecerá um ano, "renovável", para integrar o Departamento de Planeamento e Consultadoria do Tribunal de Contas. Revela ainda o Sol que a jovem licenciada em Direito "tem como única experiência profissional ser 'directora de serviços' na IPSS, de onde foi requisitada". Segue-se mais uma notável coincidência: esta última instituição "é presidida pela mãe, sendo o pai presidente da assembleia-geral". O pai da menina, contactado pelo jornal, desvaloriza o facto, assegurando que "outros conselheiros têm também familiares no TC". Ele próprio teve outra filha "a trabalhar no tribunal durante três ou quatro meses". Sempre por mero acaso: as coincidências sucedem-se nesta história (...) Parte de prosa do Pedro Correia, no Corta-Fitas. Em linguagem cifrada, chama-se a isto o "jazigo de família".

O CASO PEDROSO

João Gonçalves 19 Nov 06

No PS, para além de Sócrates, Costa e Silva Pereira, manda no aparelho um moço de bom aspecto chamado Marcos Perestrello, produzido por António Costa, e secretariado por Capoula dos Santos. Até foi ele, julgo, quem organizou o congresso albanês de Santarém e que, juntamente com José Manuel dos Santos e o cineasta Barroso, preparou um filmezinho de propaganda histórica - do tempo em que o partido era vivo - para presentear os camaradas. Segundo o Expresso, os ditos Perestrello e secretário mostraram-se muito incomodados por Paulo Pedroso ter chamado a atenção da organização do congresso - deles, portanto - para o facto de o líder o ter convidado para a comissão nacional e de, a final, o nome do ex-ministro não aparecer. Com a empáfia de quem sabe que pode e manda, Perestrello garantiu que o nome de Pedroso "nunca esteve na lista e nunca foi pedido a ninguém que recolhesse a assinatura dele". Verdade ou mentira, o certo é que o líder se viu forçado a convidar Pedroso para a comissão política, tal como o ministro Luís Amado que, como aristocrata da política e não do aparelhismo, foi esquecido pelos caciques de serviço. No lugar de Pedroso, ou mesmo de Amado, eu não teria aceite nada de gente desta natureza. Pedroso tem legítimas expectativas e ambição política que manifestamente não cabem na lógica "socrática" em vigor. Isto não tanto por causa de Sócrates, mas mais por causa da nomenclatura que o rodeia. Pedroso foi bom enquanto durou. O tempo e circunstâncias desagradáveis fizeram dele uma peça incómoda num partido onde reina a paz dos cemitérios. Ao aceitar a comissão política, nestas condições, Pedroso só se diminui inutilmente.

EANES

João Gonçalves 19 Nov 06


Num país entregue à desmemória e à trivialidade, quase passaram despercebidas as provas de doutoramento do primeiro presidente da República eleito por sufrágio universal, directo e secreto, António Ramalho Eanes. Com paciência verdadeiramente chinesa, Eanes preparou o seu trabalho académico que, a avaliar pelo que li nos jornais, constitui - apesar das quase duas mil páginas - um testemunho incontornável de uma época, escrita por um dos seus mais distintos protagonistas. Eanes, ao contrário de tantas eminências semi-analfabetas ou simplesmente presunçosas, não coleccionou os horríveis títulos "honoris causa". Preparou-se e, aos quase 72 anos, deixou às infelizes gerações que para aqui andam a pastar, um trabalho sério. Com a minha idade e por o conhecer bem desde 1980, já posso tranquilamente afirmar que Ramalho Eanes foi, de entre os produtos da democracia instaurada pelo golpe militar de Abril de 74, um dos grandes. Integro como poucos, de carácter como quase nenhuns, humano como já não se usa, a ele devemos - nunca é demais repeti-lo, como em 1976 - o "viver a liberdade em segurança". No final do doutoramento, em Espanha, perguntaram ao homem que mais poder concentrou nas suas mãos, entre 1976 e 1982, como é que gostaria de ser referenciado. "Eu gostaria de ser tratado apenas por Eanes."

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