Tenho um enorme respeito pelas criaturas da noite. Os fadistas vadios, os bêbados, as putas, os sem-abrigo, os chulos, os
travestis, os sós em geral são, na sua improbabilidade, as pessoas mais autênticas que conheço. Houve tempos em que apreciava perder-me pela noite, deambulando pelas ruas mais vis e pelos lugares mais sórdidos. Faz bem à cabeça. A quem a tem, naturalmente. Não falo para essa mentalidade pequeno-burguesa e imaculada que se deita e levanta todos os dias da ainda mais imaculada cama onde nada mais do que o trivial sono tem lugar. Gosto da gente das insónias e do desespero. Odeio os simplesmente felizes ou os "simplesmente Maria". Admiro quem bebe e quem toma comprimidos para poder ver o sol durante a noite. Amo as noites únicas e loucas que duram apenas uma hora e que são para sempre. Tudo isto é geralmente entendido pela "magnífica e lamentável família dos nervosos" - a que as criaturas da noite inequivocamente pertencem - que, como escrevia Marcel Proust, constituem "o sal da terra". Estou, pois, tranquilo ao lado dos "fazedores de fogo" de que falava Rimbaud. Conheci um deles e fui seu amigo. Até hoje continuo sem perceber que mão oculta o levou a acabar consigo mesmo. Ao longo de vinte anos, o José Manuel Rosado - a Lydia Barloff - aparecia-me quando menos esperava. Num palco, através de um postal enviado de qualquer lado, num telefonema, num encontro no metro, na televisão ou na última notícia lida no verão de 2002, a do seu suicídio no Algarve. O Zé Manel era, afinal, e como lhe competia, um homem só. A Lydia Barloff enforcou-se há quatro anos. Hoje, um tribunal do Porto, provavelmente sem querer, atirou, de novo, a Gisberta para dentro de um poço. Como se leu na sentença, assim como assim, ela já sofria de uma "doença terminal". Como quem diz: mais tarde ou mais cedo iria morrer. Como todos nós, naturalmente, com a pequena diferença de que ela nem sequer pôde escolher a maneira como morreu. E as, "crianças", Senhor, as "crianças". "Felizmente", como salientava a defesa à saída do tribunal, "estão criadas as condições" para elas terem uma vida mais ou menos tranquila e um "futuro". Isto tudo, afinal, não passou -
sic - de "uma brincadeira de mau-gosto", segundo a douta sentença. A Gisberta de certeza que nunca teve uma vida tranquila e muito menos conheceu "um futuro". Se calhar nem sequer teve tempo para ser uma criança a sério, bem diferente destes "meninos" que o "sistema" pensa recuperar em qualquer coisa como um ano e uns meses. Este bando de pequenos criminosos foi envergonhadamente defendido pela pudicícia e pela hipocrisia caseiras. Entre eles e um "híbrido" - meio coisa, meio homem, meio mulher - o "sistema" não hesitou. A Gisberta, tal como a Lydia Barloff, merecem que eu as trate aqui como pessoas que foram. Sem aspas.
Adenda da manhã: Ler o
Francisco José Viegas.Adenda da tarde: Ler o
Eduardo Pitta.
Primeiro tem de me explicar o que é isso do “desta...
obviamente nao é culpa do autor ter sido escolhi...
Estou de acordo. Há questões em que cada macaco se...
Fui soldado PE 2 turno de 1986, estive na recruta ...
Então António de Araújo foi afastado do Expresso p...