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portugal dos pequeninos

Um blog de João Gonçalves MENU

28 DE MAIO DE 1926

João Gonçalves 28 Mai 06


Há oitenta anos começou, a partir de Braga, a Ditadura, um interlúdio entre a desgraçada I República e o Estado Novo do dr. Salazar e da Constituição de 1933. Não está muito estudada porque ficou entalada entre um fracasso e uma promessa. É, aliás, o nosso estado natural. Sempre entre o fracasso e a promessa.

WAGNER REVISITADO

João Gonçalves 27 Mai 06


1. Tal como certos livros, também outras manifestações artísticas devem ser revisitadas ao longo da vida. A primeira vez que vi O Anel do Nibelungo - a tetralogia de Richard Wagner composta por um "prólogo", O Ouro do Reno, e por três "jornadas", respectivamente A Valquíria, Siegfried e O Crepúsculo dos Deuses - era um adolescente frívolo, universitário e sem dinheiro que assistia com regularidade, ora em "peão de plateia", ora nas cadeirinhas apertadas das famosas "torrinhas" do São Carlos, ao que se passava lá em baixo. Outras vezes esperava que o espectáculo começasse e que as almas caridosas dos porteiros deixassem entrar o pequeno grupo de "tesos" que gostava de ópera apenas por aquilo que ela é, o realismo do excesso. Nesse tempo o teatro era dirigido por João Paes e foi-o, depois, por Serra Formigal. O Crepúsculo deverá ter passado na temporada de 1982/1983, salvo errro, e, desde aí, não mais se ouviu falar do Anel.
2. Lá fora, entretanto, a encenação de Patrice Chéreau para o Festival de Bayreuth, com a direcção musical de Pierre Boulez, marcou indelevelmente todas as produções posteriores da obra. Estão aí os "dvd's" para o confirmar, bem como os da encenação de Otto Schenk, para a Ópera de Nova Iorque, entre 88 e 91, por exemplo. Um imprevisto fez com que, há quatro anos, eu descesse das "torrinhas" (que já não existiam) do São Carlos para a sua direcção, um episódio efémero e infeliz a que pus termo cerca de um ano depois. Nem tudo, porém, correu mal. Conheci um dos mais estimulantes encenadores contemporâneos, Graham Vick, que veio a Portugal encenar a Manon Lescaut e, posteriormente, um soberbo Werther. A Paolo Pinamonti, director do Teatro, e a mim, ocorreu-nos então sugerir a Graham Vick que pensasse numa nova encenação do O Anel para o São Carlos. O Paolo dizia-me nessa altura que, depois de" fazermos" O Anel, até 2006, nos podíamos ir embora. Ironicamente eu fui-me embora uns meses depois, o Paolo ficou e é em 2006, pela sua mão, que O Anel de Graham Vick estreia no São Carlos.
3. A gentileza do Paolo permitiu-me assistir ao "ensaio geral". Vick transformou o espaço do Teatro num imenso anfiteatro "grego" em que a própria estrutura faz parte da encenação. O São Carlos, por estes dias, será simultaneamente o palácio construído pelos gigantes para os deuses decadentes - o Walhalla- e a cave de trevas do nibelungo Alberich e dos seus "escravos", todos movidos pela cobiça do ouro do Reno e, por isso, obrigados a renunciar ao amor. A dada altura, Alberich declara-se "o mais escravo dos escravos" como, na Valquíria, Wotan, "o senhor das batalhas", se proclamará "o menos livre dos homens". Graham Vick - leio-o numa entrevista - concebeu este Ouro do Reno como uma "sátira" que anuncia a "tragédia" que se irá desenrolar ao longo das três jornadas.
4. O Anel
é um dos textos mais geniais que conheço. Adapta-se praticamente a tudo e a todos. É permanentemente contemporâneo e, nesse sentido, atroz pelo seu tremendo "realismo". Quando o vi pela primeira vez, acreditava naturalmente em mim, nos outros, na felicidade e no "progresso". Wagner fora "revolucionário", mas depressa percebeu a natureza humana, a começar pela sua. Esta obra "explica-nos" uma evidência que só o decurso do tempo nos pode ensinar. Tal como a filosofia nos ajuda a aprender a morrer, a música e o texto de O Anel do Nibelungo "mostram-nos" que caminhamos inexoravelmente num único e mesmo sentido, para o fim. "Alles was ist, endet", profetiza Erda a Wotan, o deus verdadeiramente cego: tudo o que é tem um fim. E Wotan, na Valquíria - para mim a "jornada" nuclear de todo O Anel -, no célebre monólogo escutado em silêncio por Brühnhilde, já só clama pelo fim ("das Ende") e pela emergência de "um mais livre do que eu, o deus". Será Siegfried, o herói que conhecerá o apogeu na ópera homónima e a traição dos deuses e dos homens no Crepúsculo. Alberich verá a sua maldição confirmada. E Loge, o deus do fogo, adverte logo no final do Ouro do Reno, escarnecendo dos seus pares, que eles caminham para o palácio e, sem o saberem, para a perdição .
5. O texto de Richard Wagner permite todas as leituras. Agora, com os meus quarenta e cinco anos, já o enxergo melhor. Não o digo com alegria porque isso significa a perda definitiva das ilusões e a aceitação da renúncia, um dos eixos fundamentais desta obra-prima. É Brünhilde quem, no Crepúsculo, antes de se imolar nas chamas, diz renunciar a um mundo de desejo e de sofrimento, traída pela ambição dos deuses. Mesmo a "sátira" de Graham Vick é já uma proclamação irónica do fim das ilusões e ficará como um dos momentos altos da história do São Carlos, assim o público saiba entender o que ali está. O Anel do Nibelungo, com os seus "homens-deuses" e com os seus "deuses-homens", chama-nos a atenção para o paradoxo fundamental da existência. O de ainda sermos o que vamos deixar de ser e o de sermos já o que seremos. Isto é, nada.

(Das Rheingold, O Ouro do Reno, de Richard Wagner, Teatro Nacional de São Carlos, 28. 29. 30. Maio 1. 2. 4. Junho 2006 20:00 | 3. Junho 18:00h)

"TUDO O QUE É TEM UM FIM" - 2

João Gonçalves 26 Mai 06


"ÚLTIMO PLANO. Tudo é inconsequente na ritualização da morte. Ela é simultaneamente uma mudez invariável e egoísta. Cesare Pavese diz-nos que «para todos a morte tem um olhar». Nunca lhe podemos tocar senão a nós próprios, como um adiamento. Tudo o que sobra - sobre nós e sobre os outros - é a possibilidade de recordar. E isso é tão frágil."

Tiago Barbosa Ribeiro, in Kontratempos

"TUDO O QUE É TEM UM FIM"

João Gonçalves 26 Mai 06


"Wie alles war - weiß ich; wie alles wird, wie alles sein wird, seh' ich auch, - der ew'gen Welt Ur-Wala, Erda, mahnt deinen Mut. Drei der Töchter, ur-erschaff'ne, gebar mein Schoß; was ich sehe, sagen dir nächtlich die Nornen. Doch höchste Gefahr führt mich heut' selbst zu dir her. Höre! Höre! Höre! Alles was ist, endet. Ein düst'rer Tag dämmert den Göttern: dir rat' ich, meide den Ring!"

(Richard Wagner, Das Rheingold, "O Ouro do Reno")

ROTEIRO DE UM PORTUGAL MENOR

João Gonçalves 26 Mai 06


Seguindo o bom exemplo do Paulo Gorjão, ficam aqui umas "notas soltas":
1. O Presidente da República está "desconfortado" com a pobreza nacional e apresentou o famoso "roteiro para a inclusão". Parece-me que sou insuspeito ao perguntar se Cavaco Silva, quando se candidatou, não sabia que existia um "Portugal Menor", aliás, o único.
2. Um excelente exemplo de outro género de "Portugal Menor", entre o infantil e o débil mental.
3. Dois problemas ligados a esgotos de espécies diferentes e duas imagens maravilhosas do "Portugal Menor".
4. Quando ouço falar em "auto-estima", arrepiam-se-me os cabelos. Que o PR não inclua, por favor, o vocábulo no glossário presidencial. Em dez inconclusivos anos, o dr. Sampaio não falou nem chorou por outra coisa e o país não deixou de ser "menor" por causa disso.

ESCREVER À ESQUERDA

João Gonçalves 25 Mai 06


Eu, que não sou "canhoto", aprecio o blogue homónimo. Antes de se começarem a vestir de branco por causa de Timor, conviria que lessem este post de Rui Pena Pires sobre África. E sobre algo completamente diferente, o post de Paulo Pedroso que "vê" pelo lado "esquerdo" o que eu já tinha visto pelo meu acerca do conceito "legal" de "família portuguesa".

BOAS INTENÇÕES

João Gonçalves 25 Mai 06

O dr. António Costa vai "projectar" (sic) militares da GNR em território timorense para - segundo Sócrates - "ajudar" à "manutenção da ordem pública" e promover "acções de formação" junto das "forças de segurança" de Timor-Leste. Duas ou três observações. Pelas imagens que vão chegando, falar em "forças de segurança" deve ter um qualquer sentido metafórico oculto. Não se percebe de que lado está a "segurança" quando os "militares" desmobilizados - parte significativa das "forças armadas" timorenses - querem continuar a ser militares e como tal se comportam nomeadamente disparando tiros. Depois seguem-se a "polícia" - que é outra metáfora - e um antigo chefe da "polícia militar" que manifestamente quer "festa". Vêem-se também "cidadãos" com catanas, certamente a defender a tal "ordem pública" que a GNR vai "ajudar" a manter. Finalmente, no meio desta pré-guerra civil, o primeiro-ministro fala em "acções de formação" sem se rir. Antes de Sócrates , vi e ouvi o chefe do governo australiano, no parlamento, a avisar que provavelmente haveria baixas entre os soldados do seu país que já avançaram para Timor. Deve ter sido por isso que Sócrates deu da "missão portuguesa" uma doce imagem filantrópica. O pior é se a imagem falha. É que já passou a fase das boas intenções.

TUDO CERTO

João Gonçalves 25 Mai 06



Em compensação, estamos abaixo de cão no que toca ao combate ao crime económico. Um relatório do Conselho da Europa, relativo ao ano transacto, aponta a "falta de uma estratégia de combate à corrupção" e "a falta dos necessários meios materiais, financeiros e humanos e, por vezes, de treino, por forma a levar a cabo investigações aos bens e finanças" como causas para esta anomia. Tanto mais estranhas - as causas - quando declaradamente vivemos num país de aldrabões e de falsários. Mais. "Algumas vezes, as investigações tiveram de ser abandonadas por falta de recursos ou por atrasos devido à comunicação inadequada entre certas agências públicas e privadas ou indivíduos. Por vezes, o acesso a dados fiscais ou bancários chegou tarde demais", explica ainda o relatório. Não são só as empresas que estão a falir. Também o Estado "acusador público" (de novo, a feliz expressão de Medeiros Ferreira) está falido. Por isso somos este patético "paraíso" onde, nada mais havendo para florescer, floresce a bola como epítome da perversão que se esconde por detrás do descalabro do controlo público. Eles fingem que são sérios e o Estado finge que os apanha. Como dizia Salazar, está, afinal, tudo certo e não podia ser de outra maneira.

ESTAMOS VIVOS

João Gonçalves 25 Mai 06

A néscia mania de colocar as bandeirinhas nacionais na janela e nos automóveis está, dois anos depois, de volta. Ontem à noite, ao passear com o meu cão, vi um senhor a passear o dele envolvido num cachecol da "selecção nacional". E há pouco cruzei-me com um moço que vestia uma t-shirt com a esfera armilar do tamanho da barriga dele. Este género de palhaçadas deve dar um gozo infinito ao conselheiro de Estado Marcelo Rebelo de Sousa, o grande impulsionador, há dois anos, desta maravilhosa ideia de vulgarizar o estandarte nacional. Todavia, não é por muito se estenderem as bandeiras ou cantar-se o hino que o país sairá tão cedo do estado de amarga penúria em que se encontra. O extraordinário disto tudo é que, descontando o episódio glorioso dos "descobrimentos" e alguns momentos subsequentes, o país está aparentemente conformado com o seu estatuto indigente. A história das bandeiras faz-me lembrar uma frase de um filme de Oliver Stone que tantas vezes cito. Estamos na merda, mas estamos vivos.
Foto: Fernanda Grilo

DO ANTIGAMENTE, DA VIDA

João Gonçalves 24 Mai 06


Luandino Vieira recusou o Prémio Camões, o que deixou os burocratas do dito sem saber muito bem o que fazer com ele. Segundo o escultor José Rodrigues - que o acolhe num "convento" em Vila Nova de Cerveira - Luandino "há muito que (...) cortou, completamente, com o mundo à sua volta. Diz que já cá não está, que já se despediu deste mundo, e praticamente só fala com os animais." Um homem assim merecia mais o Nobel do que o vaidosão do Saramago. Luandino, da vida, preferiu o antigamente.

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