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portugal dos pequeninos

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João Gonçalves 20 Abr 06


José Pacheco Pereira publicou no Público de quinta-feira um interessante ensaio semiótico-interpretativo acerca dos "comentários" na blogosfera, "A fauna das caixas de comentários", dando particular atenção ao "anonimato". Como o Abrupto não tem "caixas de comentários", a não ser o mail do autor, socorro-me da edição do Eduardo Pitta - que também só tem mail - para colocar à consideração dos eventuais "comentadores" esta análise (não integral) de P. Pereira. Para além disso, o texto é um marco nas prosas de JPP já que, pela primeira vez, ele se refere ao blogue O Espectro, entretanto encerrado, com os seus extraordinários 484 comentários finais. Força.

"A Rede está a mudar tudo, a criar coisas novas, a realizar outras muito antigas que as tecnologias até agora existentes ainda não permitiam e a dar eficácia a velhos, e muitas vezes maus, hábitos que existiam no mundo exterior e agora passam para o mundo interior da Internet. Alguns casos recentes voltaram de novo a mostrar a Internet sob uma luz pouco amável, bem preconceituosa aliás, porque nada do que lá se faz se deixou de fazer cá fora. [...] A caixa de comentários tornou-se numa espécie de chat, que parasita a notoriedade do blogue, como já acontecera no Espectro com os seus finais 484 comentários, onde as pessoas se encontram numa pequeníssima “aldeia global”, que tomam como sua. O comportamento destas pessoas-em-linha é compulsivo, eles “habitam” nas caixas de comentários que são a sua casa. Deslocam-se de caixa para caixa de comentário, deixando centenas de frases, nos sítios mais díspares, revelando nalguns casos uma disponibilidade quase total para comentar, contracomentar, atacar, responder, mantendo séries enormes que obedecem [...] São, na sua esmagadora maioria, anónimos, mas o sistema de nick names permite o reconhecimento mútuo de blogue para blogue. Estão a meio caminho entre um nome que não desejam revelar e uma identidade pela qual desejam ser identificados. Querem e não querem ser reconhecidos. [...] Trocam entre si sinais de reconhecimento, cumprimentam-se, desejam-se boas férias, e formam minicomunidades que duram o tempo de uma caixa de comentários aberta e activa, o que normalmente dura pouco. Depois migram para outra, sempre numa tempestade de frases, expressando acordos e desacordos, simpatias e antipatias, quase sempre centrados na actividade de dizer mal de tudo e de todos. Imaginam-se como uma espécie de proletariado da Rede, garantes da total liberdade de expressão, igualitários absolutos, que consideram que as suas opiniões representam o “povo”, os “que não têm voz”, os deserdados da opinião, oprimidos pelos conhecidos, pelos célebres, pelos “sempre os mesmos”. São eles que dizem as “verdades”. Mas não há só o reflexo do populismo e da sua visão invejosa e mesquinha da sociedade e do poder, há também uma procura de atenção, uma pulsão psicológica para existir que se revela na parasitação dos blogues alheios. Muitos destes comentadores têm blogues próprios completamente desconhecidos, que tentam publicitar, e encontram nas caixas de comentários dos blogues mais conhecidos uma plataforma que lhes dá uma audiência que não conseguem ter. Não são bem Trolls, sabotadores intencionais, mas têm muitas das suas formas perturbadoras de comportamento. A sua chegada significa quase sempre uma profusão de comentários insultuosos e ofensivos que afastam da discussão todos os que ingenuamente pensam que a podem ter numa caixa de comentários aberta e sem moderação. Quando há um embrião de discussão, rapidamente morto pela chegada dos comentadores compulsivos, ela é quase sempre rudimentar, a preto e branco, fortemente personalizada e moralista: de um lado, os bons, os honestos, os dignos, do outra a ralé moral, os ladrões, os preguiçosos que vivem do trabalho alheio e dos impostos dos comentadores compulsivos, presume-se. O que lá se passa é o Faroeste da Rede: insultos, ataques pessoais, insinuações, injúrias, boatos, citações falsas e truncadas, denúncias, tudo constitui um caldo cultural que, em si, não é novo, porque assenta na tradição nacional de maledicência, tinha e tem assento nas mesas de café, mas a que a Rede dá a impunidade do anonimato e uma dimensão e amplificação universal. O que é que gera esta gente, em que mundo perverso, ácido, infeliz, ressentido, vivem? O mesmo que alimenta a enorme inveja social em que assentam as nossas sociedades desiguais (por todo o lado existe este tipo de comentadores), agravada pela escassez particular da nossa. Essa escassez não é principalmente material, embora também seja o resultado de muitas expectativas frustradas de vida, mas é acima de tudo simbólica. Numa sociedade que produz uma pulsão para a mediatização de tudo, para a espectacularização da identidade, para os “15 minutos de fama” e depois deixa no anonimato e na sombra os proletários da fama e da influência, os génios incompreendidos, os justiceiros anónimos, o “povo” das caixas de comentários, não é de admirar que se esteja em plena luta de classes."

Adenda:
Afinal, o texto pode ser lido na íntegra no Abrupto onde JPP já o colocou.

EVIDÊNCIA

João Gonçalves 20 Abr 06

Imagem "furtada" ao Macroscópio. É verdade, a vida é mesmo puta.

A POLÍTICA CANSA

João Gonçalves 20 Abr 06

A tentação de faltar ao trabalho político está na moda. Segundo o Público, Manuel Maria Carrilho, por sinal um dos deputados mais faltosos, abandonou o plenário da vereação da Câmara Municipal de Lisboa num momento crucial para votar uma proposta que interessava a umas centenas de trabalhadores do município. A sua ausência provocou o chumbo da dita proposta, graças ao voto de qualidade do presidente, uma vez que Maria José Nogueira Pinto votou ao lado da "esquerda". Carrilho há muito que não escreve nenhum livro ou artigo de filosofia. Os seus últimos tempos, como político, têm sido desastrosos e quase só se safa como "o marido de Bárbara Guimarães". É pena e, para quem o apoiou noutras ocasiões, uma desilusão. Pelos vistos, a política cansa. Pode-se ir embora.

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