
Era um comentário destinado a
este post, todavia o exemplo é tão impressivo que merece transcrição integral. Como é que o Japão, esse império dos signos como lhe chamou Roland Barthes, pode produzir criaturazinhas tão irritantes e tão totalitárias na sua ocupação tola dos espaços, com os seus risinhos idiotas? Quando estive na Guatemala, no meio do campo entre vulcões, onde se acredita que a fotografia captura a alma, um japonês tinha sido assassinado sem dó nem piedade dias antes por causa do retratinho e do desrespeito pelos locais. Não aprendem nada apesar de tanta "inteligência tecnológica". Agradecido ao leitor Mário Artur.
"O «turismo de massas» matou, em certas épocas do ano, a fruição de certos lugares. Itália, em Agosto, é absolutamente intolerável. E não me venham falar das virtudes da «democratização» do acesso aos «espaços culturais». Receio bem que a democracia venha a morrer com tanta «democratização». Permitam-me que relate apenas um episódio, perfeitamente verídico, que vai bem ao encontro do conteúdo deste "post". Na Galeria Nacional de Oslo, onde podemos contemplar algumas das famosas telas de Munch, deparei-me com um sujeito asiático que se passeava pelas salas com a câmara digital ligada, daquelas que filmam sem ser preciso olhar pelo visor. A câmara ia registando os quadros, mas o homem não olhava directamente para eles: deixava esse «trabalho» para a câmara! Talvez, depois de regressar ao seu país, tenha finalmente "visto" os quadros ao reproduzir o filme num qualquer aparelho (televisor ou computador). Há uns tempos atrás, teríamos uns intelectuais a reivindicar este exemplo como um cúmulo de pós-modernidade. Mas perdoar-me-ão se eu sugerir que isto me cheira mais a barbárie?"
"Farmoquílias visitou não há muito tempo o British Museum, num suceder monótono de salas uniformes repletas de expositores com todo o tipo de artefactos de todas as antigas civilizações do crescente fértil ao mediterrâneo. Como se podia fotografar à vontade era de ver a manada de turistas a disparar seus flaxes, aliás toda aquela bicharada só via as peças de cerâmica e de terra-cota, adereços em prata e ouro, armas e utensílios domésticos em cobre e ferro, painéis com baixo-relevos, máscaras mortuárias e não mortuárias, estatuária em mármore e em granito, etc., etc., através dos minúsculos ecrãs dos aparelhos digitais, e nessa sofreguidão não paravam de tentar apropriar-se dessa multidão de artefactos para os levar para casa. Ele mesmo ainda era mais sôfrego nesse ritual de captura e não parava de disparar a sua quase minúscula câmara digital. Farmoquílias fluía pelas salas e galerias do museu capturando na memória digital da máquina aquilo para onde realmente se esquecia de olhar. Num frenesi pilhava tudo que podia pilhar para coisíssima nenhuma, pois não costumava descarregar as imagens para o computador, pelo que eram sucessivamente pisadas e apagadas pelas imagens subsequentes. O que lhe parecia relevante era essa estranha experiência de turista em que o olho é constantemente mediado pela máquina.
Acontece que a partir desse episódio Farmoquílias começou a andar sempre com uma câmara, agora de vídeo, com a qual documentava o dia a dia. Aos poucos a coisa virou obcecação de registar tudo, de arquivar tudo num suplemento tecnológico de memória. É que já só conseguia sentir-se vivo, ou ser afectado de uma forma intensa, através da câmara. Há dias vira-se envolvido numa cena de sedução quando a ocular da sua câmara se deteve numa mulher sentada numa mesa perto da sua, numa esplanada de um Centro Cultural qualquer, no decurso de um irritante festival de dança. Pelos vistos esta mediação de um aparelho tecnológico não o afastava da vida ou dos outros, bem ao invés, auxiliava-o nas ligações com o entorno de si, ele que padecia de uma certa timidez, podia assim relacionar-se de uma forma intensa com o mundo, para que a informação subjacente aos corpos e às máquinas circulasse. "
Desculpem-me o abuso.