
Assisti hoje a um funeral. Depois do velório, o féretro encaminhou-se para o Alto de São João, em Lisboa, onde teve lugar a cremação. Tudo feito com o "profissionalismo" de uma multinacional da especialidade, muito em voga, que trata as "agências" por "lojas" e usa cores vivas. A viúva, minha amiga, e eu, chegámos a tomar um chá numa área destinada ao efeito na qual as capelas mortuárias não têm aquele ar agreste e de abandono habituais, mobiladas com peças de segunda mão. Fazem justiça a uma frase que retive das memórias de Gabriel Garcia Marquez, relativa à publicidade a uma agência funerária às portas da sua aldeia natal: "não tenha pressa, nós esperamos por si". Depois do funeral, dirige-me à secretaria do cemitério - com senhas de presença e "multibanco" - para pedir o número da gaveta do columbário onde se encontram as cinzas do meu pai. Ao meu lado, a agente que tinha tratado do funeral que eu acompanhara, tratava da burocracia relativa à "pós-cremação". Ao telemóvel, perguntava a uma colega se podia "levar este" ("este" era o "meu" defunto) mais tarde, uma vez que a dita colega tinha de se deslocar ao cemitério para acompanhar outra cremação. Se alguma dúvida persistisse acerca do que valemos, as visitas intermitentes a cemitérios servem, pelo menos, para acabar com as dúvidas. Somos pó e ao pó voltamos. Todavia, até o pó já constitui um excelente negócio. Não se morre mais como se morria.
Mas o que vale a vida de um dos nossos próximos, ou a vida de uns milhares ainda que menos próximos, algures longe das nossas fronteiras?