Quem assistiu ao
filme - era disso que se tratava - de Joana Pontes acerca de Jorge de Sena ficou a saber por que é que nunca o aceitaram de volta, depois de "abril" (com minúscula porque é um momento de pequeninos), no "meio". O "meio" aqui é sobretudo a universidade e os "colegas" de escrita que, em 69, a todos designou por "oficiais", quer os do regime, quer os da oposição. Sena, em correspondência vária, tratava-os invariavelmente por putas. Imagino que seja essa a sua real dimensão técnica e humana. Ainda hoje. Joaquim Manuel Magalhães, à altura mero assistente na faculdade de Letras, sugeriu a admissão de Sena ali - o engenheiro e o catedrático das ditas letras no Brasil e nos EUA - mas o "prec", na pessoa do estimável Jacinto do Prado Coelho e dos "braço no ar" revolucionários, recusou-lhe a entrada com a desculpa de que só os que tinham "lutado contra o fascismo" podiam franquear as portas do Campo Grande. Logo Sena que toda a vida, e apesar de ter conhecido a "cor da liberdade", sempre sentiu na pele o que era (e é) o fascismo político, de costumes, social e cultural que persiste, como uma canga, neste país de escravos mentais que é a única coisa de jeito que sabemos ser e fazer.
Podereis roubar-me tudo:
as ideias, as palavras, as imagens,
e também as metáforas, os temas, os motivos,
os símbolos, e a primazia
nas dores sofridas de uma língua nova,
no entendimento de outros, na coragem
de combater, julgar, de penetrar
em recessos de amor para que sois castrados.
E podereis depois não me citar,
suprimir-me, ignorar-me, aclamar até
outros ladrões mais felizes.
Não importa nada: que o castigo
será terrível. Não só quando
vossos netos não souberem já quem sois
terão de me saber melhor ainda
do que fingis que não sabeis,
como tudo, tudo o que laboriosamente pilhais,
reverterá para o meu nome. E mesmo será meu,
tido por meu, contado como meu,
até mesmo aquele pouco e miserável
que, só por vós, sem roubo, haveríeis feito.
Nada tereis, mas nada: nem os ossos,
Que um vosso esqueleto há-de ser buscado,
Para passar por meu. E para os outros ladrões,
Iguais a vós, de joelhos, porem flores no túmulo.