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portugal dos pequeninos

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O PREÇO DE NÃO RECUAR

João Gonçalves 20 Jun 09


Com aquela beatitude ignorante e a costumeira hipocrisia de circunstância, o regime prepara a transladação do corpo de Jorge de Sena para Portugal. Esta semana, em nome de uma coisa que não existe chamada ministério da cultura, Pinto Ribeiro e o sr. Couto, da Biblioteca Nacional, assinaram umas papeletas que resumiram a entrega do "espólio" do escritor, poeta, engenheiro (de verdade) e ensaísta à dita instituição, tudo devidamente acompanhado pela exposição da praxe. Sena já tinha sido maltratado pelo "fascismo". E o regime do "25 de Abril" a que, para felicidade dele, pouco mais sobreviveu não fez melhor. A "academia" - a mesma e os seus nefastos "herdeiros" que agora derramam lágrimas de crocodilo - nunca suportaram o homem. Um engenheiro não podia, por acaso ou exemplo, ser um grande camonista. Como em tudo neste país, tudo tem donos. E os donos não abdicam das suas pequeninas trelas, das suas capelinhas, dos seus cortesãos. Sena voltou a Portugal para o "10 de Junho" de 1977, a convite de Eanes, e fez o melhor discurso até hoje proferido nessas tétricas comemorações. Desfez-nos, como lhe competia, e deu-nos um Camões humano e sofrido como só um emigrante altivo e solitário como ele nos podia ter fornecido. Não admira, pois, que Sena seja o poeta deste versos,

Esta é a ditosa pátria minha amada. Não.

Nem minha amada, porque é só madrasta.
Nem pátria minha, porque eu não mereço
a pouca sorte de nascido nela.

Nada me prende ou liga a uma baixeza tanta
quanto esse arroto de passadas glórias.
Amigos meus mais caros tenho nela,
saudosamente nela, mas amigos são
por serem meus amigos, e mais nada

e o escritor desta prosa:

«[A vida] só é monstruosa, não porque algo o seja em si, e sim porque o repouso egoísta, a ignorância, a falsa inocência, são sempre feitas de um crescente juro de monstruosidade. Nenhum realismo o será, se recuar aflito, mas porque, aflito, não recua.»

14 comentários

De angelo ochoa a 20.06.2009 às 17:25

«No Reino da Estupidez» das edições (saudosas) da Moraes... Leia-se e veja-se que faz pátria a seus párias poetas...
Verba gratia, Ruy Belo, Anto (António Nobre «Pobre». Cesário Verde, Pascoaes, o próprio Pessoa, pra não lembrar Camões, Luiz Vaz, «do qual todos enchem barriga e morreu de fome...» no dizer de Almada na «Cena no Ódio» que Sena, Jorge de, divulgou em Líricas Portuguesas 3ª série da Portugália. «Acossado» é todo o que poeta aqui e está tudo dito. Aproveitam-se dele porque se serve morto como o herói dum africano poema.

De joshua a 20.06.2009 às 17:42

Se há escritor e mensagem mais adequado à Hora naufragante nacional, é Sena.

Já a transcrevi para esta caixa de comentário um dia e agora não resisti a fazer posta de essa mesma carta admirável, provavelmente a última que escreveu:

JORGE DE SENA FEIXE DE PONTAPÉS E DENTADAS (http://joshuaquim7.blogspot.com/2009/06/jorge-de-sena-uma-coleccao-de-pontapes.html)

De Miguel RM a 20.06.2009 às 18:31

Parabéns por lembrar como o país tratou com desatenção e inveja este grande homem. A Academia de Coimbra, no mínimo, deveria relembrar o que lhe fez nos anos a seguir à Revolução de 25 de Abril: não o aceitaram como professor de Letras "por ser engenheiro".

De radical livre a 20.06.2009 às 18:35

recuar aplica-se a este governo carnavalesco no momento actual.
neste caso concreto de verdadeira insanidade descubro duas etimologias:
-récua
-do francês re-cul-er

De www.angeloochoa.net a 20.06.2009 às 19:30

«No Reino da Estupidez...» das edições (saudosas) da Moraes Editores... Leia-se Sena, e veja-se que faz pátria a seus «párias» poetas... Verba gratia Ruy Belo, Anto (António Nobre «Pobre»), Cesário Verde, Pascoaes, o próprio Pessoa.. Para não falar de Camões, Luis Vaz, «do qual todos enchem barriga, e que morreu de fome...» no dizer do Almada Negreiros, na «Cena no Ódio» se não erro, a qual Jorge de Sena divulgou nas «Líricas Portuguesas» (3ª Série) da Portugália. «Acossado» é todo o que poeta aqui, e está tudo dito. Aproveitam-se dele porque «se serve morto», como «O Herói» dum português e africano poema... mais do que consabido. João Gonçalves, vi Jorge de Sena em Coimbra por tempos do marcelismo numa breve passagem sua por cá. Fiquei com livros seus autografados numa cooperativa livreira de nome Unitas. Também ouvi, se erro de Vizeu, seu depoimento patético em Dia de Comunidades e Camões que lembra acima. Entrevista, que depois correu na tv dá conta de sua mágoa quase militar e quase nossa de não ser reconhecido, agora, que é tarde e a más horas, ponham-no no Panteão Nacional, que dará para ouvir fado de Amália, por fatimida destino e ver f último, cenas de arquivo de um Eusébio, que com o vivo Mourinho e o adónico Ronaldo são o vil orgulho que nos resta extra-fronteira... Para não falar da Cesária Évora e da Dulce Pontes e do Manoel de Oliveira que esses sim, prezamos de pátrio e mátrio amor!

De Álvaro Pais a 20.06.2009 às 20:16

Para edificante amostra daquilo a que o País chegou, acabo de ver na RTP o Basílio Horta descer abaixo de vitalino, tomando as dores do Governo Sócrates em defesa das "grandes obras públicas" (como eles lhes chamam...).
Pelos vistos, é sempre possível descer mais uns degraus na pouca-vergonha e no tachismo desenfreado.

De Paulo a 20.06.2009 às 20:29

Camões dirige-se aos seus contemporâneos

Podereis roubar-me tudo:
as ideias, as palavras, as imagens,
e também as metáforas, os temas, os motivos,
os símbolos, e a primazia
nas dores sofridas de uma língua nova,
no entendimento de outros, na coragem
de combater, julgar, de penetrar
em recessos de amor para que sois castrados.
E podereis depois não me citar,
suprimir-me, ignorar-me, aclamar até
outros ladrões mais felizes.
Não importa nada: que o castigo
será terrível. Não só quando
vossos netos não souberem já quem sois
terão de me saber melhor ainda
do que fingis que não sabeis,
como tudo, tudo o que laboriosamente pilhais,
reverterá para o meu nome. E mesmo será meu,
tido por meu, contado como meu,
até mesmo aquele pouco e miserável
que, só por vós, sem roubo, haveríeis feito.
Nada tereis, mas nada: nem os ossos,
Que um vosso esqueleto há-de ser buscado,
Para passar por meu. E para os outros ladrões,
Iguais a vós, de joelhos, porem flores no túmulo.

Jorge de Sena

De Mina a 20.06.2009 às 20:51

Jorge de Sena é uma das figuras maiores da cultura portuguesa do século XX. O seu feitio, nem sempre fácil, e a inveja nacional, mantiveram-no afastado da ditosa pátria até à morte.

A viúva, que conheço pessoalmente, opôs-se sempre à trasladação dos seus restos mortais, enquanto não fosse reintegrado na Armada. É uma velha questão para discutir em outro forum.

Mas se regressar, será certamente bem-vindo por todos quantos o apreciavam e apreciam.

De Anónimo a 20.06.2009 às 22:09

Quem aos quarenta anos escolhe o país onde quer viver, aí se naturalizando, tem todo o direito de lá permanecer para sempre.
É um abuso o que estes senhores pretendem fazer, uma abjecta violação ao livre arbítrio de cada um.

De hajapachorra a 20.06.2009 às 22:19

Não tem razão na parte da 'academia'. Um dos mais notáveis camonistas que temos - são muito poucos, é verdade, e cada vez serão menos - foi meu professor e… não se cansava de nos encaminhar para Jorge de Sena. E era um académico dos antigos.

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