Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

portugal dos pequeninos

Um blog de João Gonçalves MENU

MELHOR SORTE

João Gonçalves 9 Ago 06


Estive quatro vezes em Cuba. Conheço bem toda a ilha. Quando cheguei a Havana, pela primeira vez, tive a sensação de ter andado umas boas dezenas de anos para trás. A cidade sem varandas ou com as janelas sempre abertas, farrusca e movimentada, tem o fulgor próprio da decadência. Do telhado do hotel, o "skyline" é extraordinário. Parece que o tempo parou com a "revolução". Trata-se de um povo doce, primeiro usado como "colónia" norte-americana para casinos e sexo e, depois da descida da Sierra, como marioneta de uma feroz e sibilina ditadura. É certo que os níveis de literacia em Cuba nos fazem corar de vergonha, tal como a assistência médica. Fidel apostou na alfabetização dos cubanos e na escolaridade obrigatória. Praticamente sem recursos, senão os próprios desde o desmembramento da galáxia soviética, acossada pelo embargo do poderoso vizinho, a ilha sobrevive como pode. A hipocrisia da ditadura "castrista" deixa circular o dólar americano no turismo e obriga os seus concidadãos a usarem a moeda local e a "libreta" (senhas) para comer. Depois, anda tudo trocado. Engenheiros ou médicos que são guias turísticos ou motoristas de táxi, por exemplo. Ouve-se sempre um elogio magoado ou fingido a Fidel e quando se pergunta mais qualquer coisa, devolvem-nos silêncio. Daqui partem muitos burgessos em busca de sexo fácil, comercializado em nome da necessidade. Qualquer pançudo ou frustrado sexual, por um par de dólares, consegue milagres de uma tristeza infinita. Nem se pergunta pela idade. Já tem mamocas - ou boa pila, consoante os gostos-, serve. Isto vem a propósito disto. Do sr. Saramago espera-se sempre o pior. Numa passagem de ano, lembro-me de o ver na televisão oficial a acenar "às massas" ao lado do ditador. Anos volvidos, o "nobel" lá "percebeu" que havia um "problema" com as liberdades em Cuba e amuou vagamente. Durou pouco. Ele e o sociólogo coimbrão Boaventura - que se tem servido, na sua carreira académica, dos EUA que tanto exacra, - assinaram uma inevitável petição, apascentada pelo ministério da Cultura cubano, para "defesa" da "soberania" da ilha - contra os EUA, naturalmente -, atento o estado dos intestinos de Fidel Castro. Como boa ditadura que se preza, o regime guarda prudente silêncio sobre esta matéria e o jovem regente de setenta e cinco anos, Raúl, não dá sinal de si. Segredos de Estado, dizem eles. É pena que os "intelectuais" que constam da lista - não falta sequer a velhinha Angela Davis - não se preocupem mais com os cubanos e menos com o regime execrável que todo o "bem pensante" das "esquerdas" bajulou, nem que fosse uma vez na vida. Cuba gerou nomes grandes da literatura latino-americana - que Fidel exilou, proibiu ou "suicidou"- e que eu nunca vi o sr. Saramago citar: Lezama Lima, Cabrera Infante, Reinaldo Arenas, Virgilio Piñera ou outros. Recordo um vôo até à velha capital, Santiago de Cuba, ao lado de uma alemã que vivia na Argentina e que me contava velhas histórias do continente. Vista de cima, Cuba é simplesmente a ilha mais bonita do Caribe. Merecia melhor sorte.

14 comentários

De amc a 09.08.2006 às 17:45

Excelente texto.
Finalmente, regressou a minha sintonia (política) com o João.
A par da assinatura de Saramago, estão lá as de Nadine Gordimer e de Dario Fo.
É uma vergonha!
O pobre desventurado Boaventura é a antítese da minha concepção de académico respeitado - suavizei! Nem sequer chega a ser um ódio de estimação, porque esse é, por definição, inexplicável. É mesmo asco.
A atitude de Saramago, já esperada, é inqualificável, uma vez que há uns anos atrás descobriu que em Cuba não há liberdade de expressão - nunca é tarde para aprender.
Desonestidade intelectual, para ser meigo.
Um abraço

De ana a 09.08.2006 às 18:06

O Kontratempos mostrou o nome de presos da ditadura (e a careca do profeta de Coimbra):

Víctor Rolando Arroyo - Pedro Argüelles Morán - Majail Bárzaga Lugo - Carmelo Díaz Fernández - Oscar Espinosa Chepe - Adolfo Fernández Saínz - Miguel Galván Gutiérrez - Julio César Gálvez - Edel José García - Roberto García Cabreras (prisión domiciliaria) - Jorge Luis García Paneque - Ricardo González Alfonso - Luis González Pentón - Alejandro González Raga - Normando Hernández - Juan Carlos Herrera Acosta - José Ubaldo Izquierdo - Héctor Maseda - Mario Enrique Mayo - Jorge Olivera - Pablo Pacheco Avila - Fabio Prieto Llorente - José Gabriel Ramón Castillo - Raúl Rivero Castañeda - Omar Rodríguez Saludes - Omar Ruiz Hernández - Manuel Vázquez Portal - Osvaldo Alfonso - Nelson Aguilar - Pedro Pablo Alvarez Ramos - Rafael Ernesto Avila Pérez - Margarito Broche Espinosa - Marcelo Cano - Eduardo Díaz Fleites - Antonio Díaz Sánchez - Alfredo Domínguez Batista - Efrén Fernández - José Daniel Ferrer Castillo - Luis Enrique Ferrer García - Orlando Fundora - Alfredo Felipe Fuentes - Próspero Gainza - Javier García Pérez - Diosdado González Marrero - Léster González Pentón - Jorge Luis González Tanquero - Iván Hernández Carrillo - Regis Iglesias - Rolando Jiménez Posada - Reynaldo Labrada Peña- Librado Linares - José Miguel Martínez Hernández - Rafael Millet - Luis Milán Fernández - Roberto de Miranda - Nelson Moliné - Angel Moya Acosta - Félix Navarro - Héctor Palacios Ruiz - Arturo Pérez de Alejo - Omar Pernet Hernández - Horacio Julio Piña Borrego - Alfredo Pulido - Arnaldo Ramos Laubiriquet - Alexis Rodríguez Fernández - Blas G. Rodríguez Reyes - Martha Beatriz Roque Cabello - Claro Sánchez Altarriba - Ariel Sigler Amaya - Guido Sigler Amaya - Miguel Sigler Amaya - Ricardo Silva Gual - Fidel Suárez Cruz - Manuel Ubals González - Julio Antonio Valdés Guerra - Miguel Valdés Tamayo - Héctor Raúl Valle Hernández - Antonio A. Villarreal Acosta - Orlando Zapata Tamayo - ...

http://kontratempos.blogspot.com

De Anónimo a 09.08.2006 às 18:33

"Melhor sorte" seria o regresso dos "retornados" de Miami e da sua "economia de casino", não?

O retorno da iliteracia, da miséria e da doença? A par dos "maquedonaldes", da "coca-cola", da CNN?...

Melhor sorte, muito melhor sorte, mereciam era o Haiti, El Salvador, a Nicarágua, a Rep. Dominicana, a Guatemala, a Bolívia, a Colômbia, etc., etc., etc....

Para quem tem a espinha na vertical: ainda há quem prefira morrer de pé a viver de joelhos.

Ao contrário de vossas mercês...

De Anónimo a 09.08.2006 às 18:46

Em Cuba morre-se de pé, de facto, mas em frente a um pelotão de fuzilamento.

De Anónimo a 09.08.2006 às 19:30

Quatro visitas a Cuba? E eu a imaginar que para determinados críticos do regime cubano visitar a ilha era colaborar...Mas isto são armadilhas da memória.

De Anónimo a 09.08.2006 às 19:42

O Saramago é da mesma cepa do Fidel. Ambos morreram há muito tempo mas não se convencem disso.

De Joshua a 09.08.2006 às 19:53

Intelectuais da piça! Não terem tido distanciamento crítico em relação ao regime, não terem protestado veementemente contra os silenciamentos, as execuções, contra o sangue!

Até admito, por simpática e até necessária, uma certa resistência à manápula prostituidora dos EUA na sua agressividade económica, nos seus símbolos de colonização comercial, mas era preciso gritar contra o sangue e a mentira lá, onde ela grassava e enchia de silêncio e de medo um povo com identidade.

Era preciso.

Neste aspecto, Boaventura, Saramago e outros atraiçoaram a humanidade nesse pacto mefistofélico com Fidel.

Joaquim

De pigassola a 09.08.2006 às 23:01

Não posso estar de acordo com a ditadura castrista de limitação ao pensamento e à mobilidade dos cubanos. Contudo, como você próprio afirma, este regime apostou como nenhum outro em alfabetização e saúde, coisa que poucos países no mundo se podem orgulhar. E isto sim é defensável, assim como a resistência única que fidel conseguiu manter ao totalitarismo dos EUA, e isto sim, para mim, claro, é louvável. E aqui concordo inteiramente com Saramago e com Boaventura Sousa Santos, para mim duas pessoas de grande valor, apesar de nem sempre gostar ou concordar com o que escrevem ou pensam.

Mas que fazer, para mim portugal dos pequeninos é esta terrivel sina de o pior inimigo de portugal serem os proprios portugueses com esta autoestima tão baixa e esta invejazinha sempre tão latente que nos faz ter a maldicencia sempre a flor da lingua e encontrar sempre por onde criticar e nada por onde elogiar. DEve ser por isso que a maior parte dos nossos pensadores, intelectuais e artistas se sentem sempre mais reconhecidos fora do país que dentro

De Anónimo a 10.08.2006 às 00:23

Assim sim vamos no bom sentido...

De Anónimo a 10.08.2006 às 11:23

Ó João, você tirou férias em Cuba enquanto lavravam incêndios em Portugal e aconteciam outras calamidades? E esteve em algum resort para turistas? Ai ai...

Comentar post

Pág. 1/2

Pesquisar

Pesquisar no Blog

Últimos comentários

  • João Gonçalves

    Primeiro tem de me explicar o que é isso do “desta...

  • s o s

    obviamente nao é culpa do autor ter sido escolhi...

  • Anónimo

    Estou de acordo. Há questões em que cada macaco se...

  • Felgueiras

    Fui soldado PE 2 turno de 1986, estive na recruta ...

  • Octávio dos Santos

    Então António de Araújo foi afastado do Expresso p...

Os livros

Sobre o autor

foto do autor