Há treze anos desaparecia Natália Correia. Conheci-a no Botequim e em sua casa, na Rodrigues Sampaio, por cima da Smarta. Falámos de livros e dela, uma tarde, a pretexto de qualquer coisa que eu era suposto escrever para o Semanário. Num cadeirão, numa outra sala onde Natália se deslocava com frequência para lhe perguntar se se encontrava bem, estava o marido a ler um policial. Explicou-me o sortilégio do Botequim e no final da conversa deu-me "Uma estátua para Herodes", "confiando-o", como escreveu na dedicatória, à minha "leitura inteligente". Natália levou-me até ao elevador e, sem sobressaltos ou excitações, a nossa conversa revelou-me uma Natália desconhecida, serena e de uma amabilidade inesperada, já que não me conhecia de lado nenhum. Uns anos mais tarde, no Botequim, numa ocasião festiva, o ambiente devolveu-me a Natália feérica e desassombrada que constituía o seu figurino público. Foi, muito tempo depois, precisamente do Botequim que a Natália partiu para a sua morte rápida na madrugada de 16 de Março de 1993. Ei-la no seu "Auto-Retrato":
Espáduas brancas palpitantes: asas no exílio dum corpo. Os braços calhas cintilantes para o comboio da alma. E os olhos emigrantes no navio da pálpebra encalhado em renúncia ou cobardia. Por vezes fêmea. Por vezes monja. Conforme a noite. Conforme o dia. Molusco. Esponja embebida num filtro de magia. Aranha de ouro presa na teia dos seus ardis. E aos pés um coração de louça quebrado em jogos infantis.
... perante tudo o que já disse e, que sabemos ... que mais há a dizer? ... resta que sirva de “exemplo” a sua sabedoria, cultura, simplicidade, humildade, serenidade, amabilidade, charme e doçura
... que mais há a dizer?
... resta que sirva de “exemplo” a sua sabedoria, cultura, simplicidade, humildade, serenidade, amabilidade, charme e doçura