
Karen Blixen começa o seu
Out of Africa com a famosa frase "eu tive uma fazenda em África...". Eu, pelo contrário, tive um modesto "Tzero" em Cascais durante oito anos. Tinha uma bela vista para o mar e uma estante fabulosa. Por lá passou muita gente, pelos mais diversos motivos. Houve jantares, leituras de poesia à varanda, risos, luares esplendorosos sobre o mar, gelados buscados à pressa no Santini para sobremesa, camas feitas e desfeitas para nunca mais, soturnos momentos, breves alegrias. Tudo se passou num tempo em que eu era vivo. Para o fim, o pequeno apartamento com vista transformou-se numa mera arrecadação de livros que eu visitava esporadicamente. E Cascais, graças ao furor assassino do betão, transformara-se comigo. No dia em que o fechei, não devo ter demorado mais de meia-hora na operação. Não olhei para trás. Agora apenas passo por Cascais a caminho do Guincho ou quando me apetece um gelado e uma volta pela Galileu. À medida que envelhecemos, perdemos mundos e pessoas e os mundos e as pessoas perdem-se de nós. Raramente fica alguma coisa. Esta lengalenga vem a propósito
deste texto do Eduardo Pitta.
"Sim, ainda há gente bonita, e com um punch mais difícil de encontrar em Lisboa. Mas o resto é uma desolação. A decadência urbana, o comércio pindérico, as ruas desertas de pessoas, a marina deserta, o monólito do Estoril Sol agora com as varandas pintadas de cores diferentes umas das outras, um manto de poeira cobrindo passeios e montras, e carros, carros por todo o lado (um terço são jipes topo de gama), filas intermináveis de carros bloqueando todos os caminhos. É isto, o progresso?"